(FONTE : ROBERTA PENNAFORT/ RIO - O Estado de
S.Paulo, 24/09/2012)
Haydée Alves da Silva Teruz tem 54 anos e há 45 vive na mesma casa, dentro do
Parque Nacional da Tijuca. O pai era funcionário da sede campestre da Sociedade
Hípica Brasileira, que funcionava no casarão onde, no século 19, o barão do Bom
Retiro, que foi presidente da Província do Rio de Janeiro, mantinha
residência.
A sede foi desativada há cerca de 30 anos, e o pai de Haydée foi ficando. Morreu há 22 e os parentes nunca saíram do meio da floresta, mesmo sabendo que a ocupação é irregular. Agora, eles se apavoram com a perspectiva real de não ter mais onde morar.
"A implicância começou recentemente", reclama a dona de casa, que divide com sete familiares o imóvel, imponente olhado de fora, bem degradado por dentro. "Mandaram notificações, mas não veio oficial de Justiça."
Com 3.952 hectares, que se estendem pelas zonas norte, sul e oeste da cidade do Rio, e considerado um oásis urbano, o Parque Nacional da Tijuca é uma unidade de conservação federal e não pode ser habitado. As exceções são as casas para funcionários da ativa, em casos específicos. Entretanto, 70 famílias vivem lá, seja a poucos metros da entrada principal, como é o caso de Haydée, seja em áreas mais isoladas, acessadas por vias públicas - e, por isso, de controle frágil.
Agora, uma ampla ofensiva na Justiça ameaça desalojar os moradores do Parque Nacional da Tijuca e também os que vivem em outra área verde de ocupação indevida, no Jardim Botânico, autarquia federal voltada à pesquisa e à conservação ambiental em cuja área, encravada na zona sul, residem cerca de 620 famílias.
"A gente se compadece do ser humano, mas tenho de ver o bem maior, o meio ambiente, e não o interesse individual de cada família. Essas casas causam impacto ambiental muito grande num dos últimos resquícios de Mata Atlântica que temos", aponta a procuradora federal do Meio Ambiente e Patrimônio Histórico Cultural Ana Padilha.
Ela está por trás de 16 ações civis públicas contra os ocupantes dos imóveis, a direção, a União, proprietária das residências, e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ao qual o Parque da Tijuca é ligado.
Reforma. Haydée admite saber da lei que diz que não se pode construir dentro do parque. "Mas na época do meu pai não tinha lei, Ibama. Todo mundo achava que as casas iam passar de pai para filho. Isso só está de pé porque faço reforma. Agora o telhado está caindo, o banheiro precisa de obra, mas eu não faço mais. E se tiver de sair?"
Invasões propriamente ditas foram raras; a maior parte dos moradores é descendente de ex-servidores de órgãos federais, como o Ibama, e do governo da então capital federal, os quais, estima-se, tenham chegado entre as décadas de 1940 e 1950 para ocupar residências funcionais. Foram convidados por diretores, para que ficassem perto do trabalho.
Eles deveriam tê-las liberado quando da saída do emprego, aposentadoria ou morte, só que, atraídos pelo aprazível cenário, permaneceram, contando com a vista grossa de sucessivos gestores. Oitenta por cento já morreram.
Hoje, conforme explica o diretor do parque, Ernesto Viveiros de Castro, só quatro funcionários (da ativa) estão em situação legal.
O problema da ocupação indevida é bem mais visível no Jardim Botânico. Apesar de estar situado numa área equivalente a 2,5% do Parque da Tijuca (seriam cerca de 100 hectares, mas os limites ainda estão sendo delimitados), o número de famílias no Jardim Botânico é quase nove vezes maior.
A questão divide o bairro nobre da zona sul em dois lados: de um, estão os chamados invasores; de outro, os moradores da região que se alinham com a direção do parque pelo despejo, que têm apoio de artistas que vivem por perto e defendem o Jardim Botânico. Desde 2003, o Ministério Público Federal tem 11 ações civis públicas em andamento pedindo a reintegração de posse dos terrenos. No mês passado, o Tribunal de Contas da União determinou, em primeira instância, que as 620 famílias desocupem o local até outubro de 2013. Ainda cabem recursos.
Despejo. "Minha mulher e eu, botânica do Ministério do Meio Ambiente que trabalhava no Jardim Botânico, viemos nos anos 1950, duros e recém-casados. Construímos aqui com autorização pública. Há cinco anos, quando ela se aposentou, pediram a casa, dizendo que era um bem funcional, e nos deram 20 dias para sair", relata o aposentado Carlos Guimarães, de 77 anos, que mora numa rua nos fundos do parque. "Entramos na Justiça e conseguimos que reconhecessem que nós é que erguemos, e não o parque, e nunca mais falaram nisso. Como podem me chamar de invasor?"
Calcula-se que apenas 5% dos casos sejam de parentes de servidores, como Guimarães; o resto é tratado como invasão pura e simples. As tentativas de remoção datam dos anos 1980. Há denúncias de vendas de imóveis - ainda que nenhum morador possua escritura -, de aluguel e de uso para fins comerciais.
Assim como Liszt Vieira, diretor do Jardim Botânico, que tem nas desocupações uma bandeira (ele preferiu não dar entrevista ao Estado por entender que já se manifestou muito sobre o assunto e que não há dados novos a se discutir), Viveiros de Castro também vê a regularização fundiária prioridade de sua gestão. As demais são nada menos que organizar o turismo no monumento do Cristo Redentor, que fica na área do parque, para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, em 2014 e 2016, assim como o ecoturismo dentro da floresta.
Ele conta o caso de um ex-funcionário do Ibama demitido por corrupção que continua morando no parque. As casas em geral não têm saneamento e a luz chega sem ser cobrada. A água é a das nascentes, o esgoto é despejado nos rios. Ao menos os números não têm aumentado, acredita o diretor, uma vez que existe controle de entrada de material de construção pelos seguranças.
A sede foi desativada há cerca de 30 anos, e o pai de Haydée foi ficando. Morreu há 22 e os parentes nunca saíram do meio da floresta, mesmo sabendo que a ocupação é irregular. Agora, eles se apavoram com a perspectiva real de não ter mais onde morar.
"A implicância começou recentemente", reclama a dona de casa, que divide com sete familiares o imóvel, imponente olhado de fora, bem degradado por dentro. "Mandaram notificações, mas não veio oficial de Justiça."
Com 3.952 hectares, que se estendem pelas zonas norte, sul e oeste da cidade do Rio, e considerado um oásis urbano, o Parque Nacional da Tijuca é uma unidade de conservação federal e não pode ser habitado. As exceções são as casas para funcionários da ativa, em casos específicos. Entretanto, 70 famílias vivem lá, seja a poucos metros da entrada principal, como é o caso de Haydée, seja em áreas mais isoladas, acessadas por vias públicas - e, por isso, de controle frágil.
Agora, uma ampla ofensiva na Justiça ameaça desalojar os moradores do Parque Nacional da Tijuca e também os que vivem em outra área verde de ocupação indevida, no Jardim Botânico, autarquia federal voltada à pesquisa e à conservação ambiental em cuja área, encravada na zona sul, residem cerca de 620 famílias.
"A gente se compadece do ser humano, mas tenho de ver o bem maior, o meio ambiente, e não o interesse individual de cada família. Essas casas causam impacto ambiental muito grande num dos últimos resquícios de Mata Atlântica que temos", aponta a procuradora federal do Meio Ambiente e Patrimônio Histórico Cultural Ana Padilha.
Ela está por trás de 16 ações civis públicas contra os ocupantes dos imóveis, a direção, a União, proprietária das residências, e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, ao qual o Parque da Tijuca é ligado.
Reforma. Haydée admite saber da lei que diz que não se pode construir dentro do parque. "Mas na época do meu pai não tinha lei, Ibama. Todo mundo achava que as casas iam passar de pai para filho. Isso só está de pé porque faço reforma. Agora o telhado está caindo, o banheiro precisa de obra, mas eu não faço mais. E se tiver de sair?"
Invasões propriamente ditas foram raras; a maior parte dos moradores é descendente de ex-servidores de órgãos federais, como o Ibama, e do governo da então capital federal, os quais, estima-se, tenham chegado entre as décadas de 1940 e 1950 para ocupar residências funcionais. Foram convidados por diretores, para que ficassem perto do trabalho.
Eles deveriam tê-las liberado quando da saída do emprego, aposentadoria ou morte, só que, atraídos pelo aprazível cenário, permaneceram, contando com a vista grossa de sucessivos gestores. Oitenta por cento já morreram.
Hoje, conforme explica o diretor do parque, Ernesto Viveiros de Castro, só quatro funcionários (da ativa) estão em situação legal.
O problema da ocupação indevida é bem mais visível no Jardim Botânico. Apesar de estar situado numa área equivalente a 2,5% do Parque da Tijuca (seriam cerca de 100 hectares, mas os limites ainda estão sendo delimitados), o número de famílias no Jardim Botânico é quase nove vezes maior.
A questão divide o bairro nobre da zona sul em dois lados: de um, estão os chamados invasores; de outro, os moradores da região que se alinham com a direção do parque pelo despejo, que têm apoio de artistas que vivem por perto e defendem o Jardim Botânico. Desde 2003, o Ministério Público Federal tem 11 ações civis públicas em andamento pedindo a reintegração de posse dos terrenos. No mês passado, o Tribunal de Contas da União determinou, em primeira instância, que as 620 famílias desocupem o local até outubro de 2013. Ainda cabem recursos.
Despejo. "Minha mulher e eu, botânica do Ministério do Meio Ambiente que trabalhava no Jardim Botânico, viemos nos anos 1950, duros e recém-casados. Construímos aqui com autorização pública. Há cinco anos, quando ela se aposentou, pediram a casa, dizendo que era um bem funcional, e nos deram 20 dias para sair", relata o aposentado Carlos Guimarães, de 77 anos, que mora numa rua nos fundos do parque. "Entramos na Justiça e conseguimos que reconhecessem que nós é que erguemos, e não o parque, e nunca mais falaram nisso. Como podem me chamar de invasor?"
Calcula-se que apenas 5% dos casos sejam de parentes de servidores, como Guimarães; o resto é tratado como invasão pura e simples. As tentativas de remoção datam dos anos 1980. Há denúncias de vendas de imóveis - ainda que nenhum morador possua escritura -, de aluguel e de uso para fins comerciais.
Assim como Liszt Vieira, diretor do Jardim Botânico, que tem nas desocupações uma bandeira (ele preferiu não dar entrevista ao Estado por entender que já se manifestou muito sobre o assunto e que não há dados novos a se discutir), Viveiros de Castro também vê a regularização fundiária prioridade de sua gestão. As demais são nada menos que organizar o turismo no monumento do Cristo Redentor, que fica na área do parque, para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, em 2014 e 2016, assim como o ecoturismo dentro da floresta.
Ele conta o caso de um ex-funcionário do Ibama demitido por corrupção que continua morando no parque. As casas em geral não têm saneamento e a luz chega sem ser cobrada. A água é a das nascentes, o esgoto é despejado nos rios. Ao menos os números não têm aumentado, acredita o diretor, uma vez que existe controle de entrada de material de construção pelos seguranças.
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