Nos dias atuais, a discussão sobre o aumento mundial do preço dos alimentos, a crise global da agricultura e a pressão exercida pela expansão da produção de biocombustíveis no meio rural mobiliza corações e mentes em todo o planeta. Se, por um lado, crescem as críticas aos biocombustíveis (a ponto de o relator especial sobre a fome da ONU, o suíço Jean Ziegler, pedir uma moratória imediata de sua produção), por outro pouco ainda se sabe sobre os verdadeiros impactos sociais e ambientais que eles já estão trazendo.
Outra discussão urgente trata do aquecimento global e da necessidade imperiosa de vencermos seus efeitos, sob pena de extinção de inúmeras formas de vida. Aí, mais uma vez, os biocombustíveis são personagens centrais, pois se colocam como alternativa à queima de combustíveis fósseis e ao aquecimento da atmosfera. No Brasil, país que pretende se tornar o maior produtor e fornecedor mundial de biocombustíveis, o governo garante que a produção de agroenergia e a produção de alimentos podem caminhar lado a lado, sem ameaçar o meio ambiente ou a soberania alimentar dos brasileiros. Essa discussão, no entanto, promete se aprofundar em todo o mundo.
Os biocombustíveis não são exatamente uma novidade. Países como o Brasil e os Estados Unidos, por exemplo, têm uma experiência de produção de etanol em larga escala (seja produzido a partir da cana-de-açúcar ou do milho) que remonta às décadas de setenta e oitenta do século passado. Até mesmo os primeiros testes para a produção de biodiesel, obtido a partir de plantas oleaginosas, aconteceram no final do século XIX, logo depois da invenção do motor com ignição por compressão pelo alemão Rudolf Diesel.
Apesar desse conhecimento tecnológico, os biocombustíveis foram relegados a um segundo plano, pois os países mais industrializados preferiram basear suas matrizes energéticas no petróleo e seus derivados. Com a exceção do Brasil, que teve o programa Pró-Álcool desenvolvido pelo governo federal nos anos setenta, nenhuma outra experiência de real substituição da gasolina por uma outra matriz não-fóssil foi levada adiante nas últimas décadas.
O biodiesel, por sua vez, permaneceu esquecido pela indústria e pelos governos até que, nos anos oitenta, uma primeira patente de óleo combustível desenvolvido a partir de plantas foi atribuída ao professor e pesquisador Expedito Parente, da Universidade Federal do Ceará. As possibilidades trazidas pelo biodiesel tinham um potencial revolucionário intrínseco, mas, ainda assim, questões políticas e econômicas impediram que as pesquisas sobre o novo combustível fossem levadas adiante.
Essa realidade começou a mudar no final dos anos noventa, quando governos e sociedades passaram a adquirir maior conhecimento sobre o desastroso processo de aquecimento da atmosfera do planeta, fenômeno que vem sendo agravado pela ação do homem. Entre as inúmeras causas do chamado aquecimento global, a queima de combustíveis fósseis apareceu como a principal vilã e maior responsável pelo acúmulo nocivo de gás carbônico na atmosfera. A expressão “efeito estufa” se tornou familiar para cada um de nós.
A urgência planetária na busca por soluções energéticas alternativas ao petróleo e seus derivados fez com que no Brasil, onde o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar já ocupa lugar no mercado interno há mais de 30 anos, tivesse início a discussão sobre a necessidade de expandir essa produção de modo a atender parte da crescente demanda mundial. Além do etanol, o país voltou-se novamente à produção de biodiesel. Esta última, além de apresentar características sociais e ambientais menos nocivas que o álcool vindo da cana, permitiria ao Brasil utilizar na produção do óleo uma série de matérias-primas adaptáveis a todas as regiões do país.
A primeira iniciativa para alavancar a produção de biodiesel no Brasil aconteceu em 2002, com o lançamento do Programa Brasileiro de Biocombustíveis, também chamado de Probiodiesel, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com a chegada, no ano seguinte, de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República, o governo determinou algumas transformações no programa, de modo a torná-lo um instrumento que, além de provocar o aumento da produção de biocombustíveis, garantisse a inclusão social da agricultura familiar brasileira na nova e promissora cadeia produtiva que se constituía.
Em dezembro de 2004, foi lançado oficialmente o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que é hoje uma das principais iniciativas do governo federal para promover essa inclusão social no Brasil. No ano seguinte, o Congresso Nacional aprovou uma lei estabelecendo percentuais mínimos obrigatórios de mistura de biodiesel ao diesel convencional. De acordo com essa lei, desde janeiro de 2008 a mistura de 2% de biodiesel ao óleo convencional, nomeada B2, é obrigatória em todo o país, o que representou a criação de um mercado estimado em cerca de 840 milhões de litros de biodiesel por ano. A previsão inicial do governo era que em 2013 o percentual de mistura chegasse a 5% (B5), mas o avanço da nova cadeia produtiva fez com que essa meta fosse antecipada para 2010.
Sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário, criado no governo Lula, o PNPB adotou algumas políticas de incentivo à inserção do agricultor familiar na cadeia produtiva do biodiesel. A principal delas foi a criação do Selo Combustível Social, mecanismo que estimula as empresas produtoras a comprarem parte da matéria-prima diretamente dos agricultores familiares em troca do direito à redução de impostos como o PIS/Pasep e o Cofins. Essas compras acontecem por meio de leilões, onde os agricultores devem obrigatoriamente se fazer representar por suas associações, sindicatos e federações. Esse sistema, além de garantir a inserção do agricultor familiar na cadeia produtiva, estimula o cooperativismo no meio rural, que é um outro objetivo do governo.
Graças ao PNPB, o governo realizou em todo o Brasil um zoneamento agrícola para definir qual tipo de cultura de oleaginosa se adapta a cada região. Após esse mapeamento, já foram criados 32 pólos de produção de biodiesel (número relativo ao fim de 2007) no país. Entre as principais espécies consideradas aptas a integrar a cadeia de produção estão o dendê, a mamona, o girassol, a canola, o algodão e o amendoim, além da soja, que é hoje a principal oleaginosa cultivada no Brasil para atender à demanda do programa de biodiesel.
Com o intuito de analisar em que pé se encontra a aplicação do PNPB e quais suas relações com o aquecimento global, com a segurança alimentar e com a agricultura familiar brasileira, a Carta Maior, com o apoio da Petrobras, realizou uma série de debates sobre esses temas de Norte a Sul do Brasil, além de visitar áreas de produção de oleaginosas em diversas regiões. Durante os debates, sempre transmitidos pela TV Carta Maior, foram ouvidas as opiniões dos diversos atores envolvidos com o programa, como agricultores familiares, representantes do governo federal e de governos estaduais, dirigentes da Petrobras e do BNDES, pesquisadores, professores universitários, agrônomos e representantes dos movimentos sociais.
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