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terça-feira, 15 de maio de 2012
“O desenvolvimento sustentável deve partir do consumo para produção”
A Rio+20 é apresentada como o fórum que deverá pautar uma agenda de desenvolvimento sustentável e definir diretrizes políticas para os próximos anos, na qual será necessária a transição para um novo modelo de economia, chamado “economia verde”. Qual a sua expectativa para o evento?
José Luiz Alquéres: Como toda reunião com ampla audiência, o nível de generalidade das recomendações tende a ser muito alto, mais ainda quando o tema não encontra muita convergência e alguns países se colocam para tentar, de alguma forma, se apresentarem “sob luzes favoráveis” para a audiência mundial.
Espero apenas que contribua para o aumento de conscientização em relação ao tema. As sugestões de gente qualificada, sociedade civil e prêmios Nobel a chefes de estado serão um aspecto a se considerar. Melhor ainda se encontrarem eco e puderem virar argumento eleitoral nos grandes países, aumentando as chances de virem a ser praticadas.
Essas sugestões, que espero que alimentem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, deverão se constituir nos guidelines para as ações posteriores. A questão de transformar o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em um conselho pode ser um avanço, mas, tendo em vista a inoperância e poucos resultados objetivos de grande parte da cara estrutura da ONU, acho que será um resultado pífio caso se limite a isso.
Às vésperas da Rio+20, o termo ‘Economia Verde’ se tornou bastante controverso. Entidades da sociedade civil acusam empresas e governo de terem se apropriado do termo numa estratégia de embalar o jeito tradicional de fazer negócios numa roupagem verde. Como o senhor analisa esse ponto de vista?
Este tipo de discussão ou de acusação é improdutiva. Nem governo, nem empresas, nem organizações do terceiro setor podem se vangloriar de resultados objetivos, que é o que faz diferença. Todos têm que repensar sua atuação e tentar agir de forma cooperativa em vez de viverem em conflito até mesmo por causa de terminologias.
“Há que se diferenciar os preços dos bens e serviços pelo seu poder negativo ao meio ambiente: quanto mais comprometedor, mais caro deve ser o imposto para desestimular o consumo.
Quais os principais desafios para a governança global, na sua opinião, em estabelecer caminhos para o desenvolvimento sustentável no momento histórico atual, de crise econômica nos países desenvolvidos?
Os caminhos para o desenvolvimento sustentável devem partir de baixo para cima, do consumo para produção, da identificação das necessidades humanas e como atendê-las à luz de uma filosofia de uso mais sustentável daquilo que a natureza coloca à nossa disposição. Uma visão de vida mais frugal, mais ética nas relações com a natureza, mas nem por isso pior.
Para isso, o papel do governo, impondo impostos diferenciados por tipo de produto, capturando no preço por este meio externalidades negativas, seria o fator mais positivo para induzir decisões de consumo que resultassem em comportamentos ambientalmente mais adequados.
O desafio é a exigência de que isso provoque uma mudança nos padrões de taxar produtos, mas é exequível. A maioria dos países pouco taxa a energia elétrica que é de origem térmica em geral. No Brasil, os impostos vão de 40% a 50% do valor da fatura do consumidor final. Ou seja, pode-se ter regimes diferenciados.
Há que se diferenciar os preços dos bens e serviços pelo seu poder negativo ao meio ambiente: quanto mais comprometedor, mais caro deve ser o imposto para desestimular o consumo. Dá para ver que não será uma medida muito popular para a industria do petróleo, para a indústria automobilística…
Um grupo de cientistas, vencedores recentemente do Prêmio Planeta Azul – considerado o Nobel do Meio Ambiente – defenderam que o PIB não seja mais uma medida única de riqueza dos países, mas que sejam levados em conta também indicadores que avaliem os custos ambientais do crescimento econômico, o chamado “capital verde” dos países, e políticas públicas de incentivo à energia renovável, uso racional de recursos naturais na agricultura.
Você concorda que a transição para um novo modelo de desenvolvimento só se dará desta forma?
Sou contrário a premiar políticas ou programas de ações. Sou favorável à avaliação direta dos benefícios agregados para, aí sim, avaliar os méritos relativos às diferentes estratégias. Programas lindos podem não levar a nada, enquanto coisas simples podem dar belos resultados.
Por exemplo: acabar com estes zoneamentos estúpidos que, impedindo a coexistência de usos residenciais com os comerciais, fizeram do centro das nossas grandes cidades cemitérios noturnos e pressionaram a população para longos deslocamentos entre as residências e o trabalho.
Programas simples deste jeito mudariam para melhor as coisas. Nada contra outros indicadores, mas prefiro desestimular via preço do que por meio de políticas , programas, financiamentos com seus administradores, critérios de enquadramento e esquemas de favorecimento.
Como ex-presidente da Light, você sabe como produção e, consequentemente, consumo de energia são dependentes dos recursos naturais do planeta. Como espera que este tema seja tratado na Rio+20?
Pela ótica das necessidades de energia para realização plena do potencial humano, que são substancialmente menores do que às relativas ao padrão de consumo de um americano médio, padrão este que hoje serve de paradigma para pessoas em vários países.
Quando houve a primeira crise do petróleo, diversas cidades americanas redescobriram a bicicleta como veiculo alternativo. Agora, as mesmas pessoas andam de SUV, os pesados utilitários esportivos que consomem mais combustível do que os veículos regulares. Nos Estados Unidos, existem hoje 800 automóveis como estes para mil habitantes. Na China, esta relação ainda é de 40 para cada mil habitantes.
“Sou a favor de acabar com zoneamentos estúpidos que, impedindo a coexistência de usos residenciais com os comerciais, fizeram do centro das nossas grandes cidades cemitérios noturnos e pressionaram a população para longos deslocamentos entre as residências e o trabalho.”
Em que medida, o mundo, que ainda é movido essencialmente à energia oriunda de combustíveis fósseis, será capaz de fazer a transição para uma matriz mais limpa?
A única possibilidade de caminharmos para uma matriz mais limpa está em refletirmos sobre o consumo de energia nas cidades, onde hoje se concentram 75% do consumo total de energia utilizada no planeta. Precisamos adensar as cidades, diminuindo as distâncias, fazendo conviver comércio, trabalho e habitação de uma maneira amigável. No passado aceitava-se bairros industriais poluidores longe dos residenciais. Hoje não se aceita poluir em canto algum, de modo que indústria, comércio e habitação podem coexistir.
Temos que fazer feito o gordo que quer emagrecer: ingerir menos calorias. É pura termodinâmica. Mas tudo isso sem inventar programas mirabolantes e sim nos concentrando na maneira de taxar e de aliviar impostos. É lógico que ao poder público cabem papéis no favorecimento à implantação – por ele ou por terceiros – das devidas infraestruturas.
Pelo lado da geração, não vislumbro grandes ganhos seja em eficiência do parque gerador, seja em transição entre fontes de produção. O segredo estará em gastar bem menos para se obter o mesmo grau de conforto. Ou seja, diminuir a velocidade de expansão da geração. E para isso temos já as tecnologias industriais, os automóveis menores, os eletrodomésticos mais eficientes em termos de consumo de energia, como geladeiras e condicionadores de ar, além da possibilidade de uso
dos transportes públicos.
Como o Brasil se comportará neste contexto, diante da possibilidade de exploração do pré-sal?
Creio que se comportará muito mal. Tentará desenvolver o pré-sal mais rápido do que tem competência para aproveitar um momento favorável de mercado, sofrerá competição do resto do mundo – que jogará os preços para baixo – irá se expôr a riscos de grandes acidentes ecológicos para ter uma receita absolutamente efêmera e permanecerá escravo da venda de commodities de baixo valor agregado para a Ásia. Melhor seria educar o povo numa mentalidade de consciência ambiental e competitiva frente ao mundo globalizado. Custaria menos e daria mais retorno.
Não estou defendendo que se interrompa o pré-sal, mas que se adeque a exploração de seu potencial à expansão. Não há sentido neste monopólio comprador da Petrobrás a preços elevados e qualidade duvidosa, sem falar nas baixas performances operacionais e nos riscos da exploração do meio ambiente. E o que se fala de Petrobrás também se aplica ao setor de exportação de minerais.
Por mais que tecnicamente seja considerada energia limpa, a energia hidrelétrica tem grandes impactos sociais e é criticada por ambientalistas. Qual a sua opinião sobre o investimento que o Brasil faz na construção de hidrelétricas?
O Brasil durante décadas construiu hidrelétricas de forma sustentável e correta. Após a primeiro choque de petróleo, em 1973, e do segundo, em 1979 , quando a substituição de energia a óleo por hidrelétricas na Amazônia se impôs com rapidez, alguns projetos decididos manu-militari resultaram em alguns empreendimentos de concepção errada, como as usinas hidrelétricas de Balbina, no Amazonas, e de Samuel, em Rondônia, ou de execução gravosa, como a hidrelétrica de Tucuruí, no Pará.
Mesmo assim, o balanço das hidrelétricas históricas é altamente favorável. No final deste período, o setor elétrico elaborou dois PDMAs – Plano Diretor do Meio Ambiente do Setor Elétrico – programa exemplar que vinculava a expansão hidrelétrica à chamada inserção regional dos empreendimentos. Isto não foi levado adiante nesta filosofia e o licenciamento e a implantação que se seguiram, analisados caso a caso, sem visão sistêmica, apenas serviram para aumentar querelas potencializadas por interesses contrariados legítimos e, em muitos casos, por puro oportunismo e “vedetismo”.
Qual a viabilidade hoje, no Brasil, do investimento em energia eólica e energia solar? Quanto estas duas formas de geração de energia representam hoje na matriz energética brasileira e quanto ainda poderão representar?
Energia solar é pouco competitiva ainda que sob a forma de painéis fotovoltáicos e pode ser usada em situações remotas. E o pior: há que se ver direitinho o retorno energético, ou seja, a relação entre a energia usada para se construir o painel versus a energia produzida pelo painel ao longo da sua vida útil.
Feitas as contas, veremos que muitas vezes esta relação excede 10 anos, o que significa que o painel solar fotovoltáico só começa a gerar mais do que consumiu cerca de 10 anos depois de intenso uso. Do ponto de vista econômico, hoje a energia solar não é competitiva. Melhor talvez fosse pesquisar mais e usá-la apenas em situações específicas. O futuro pode ser promissor, mas ainda falta tecnologia.
Já a energia eólica está em processo de grande desenvolvimento tecnológico e de grandes frustrações comerciais. As instaladas no Brasil tiveram performance 30% abaixo das previsões no ano passado. Embora cara, estimo que a produção de energia eólica possa se inserir de forma competitiva na nossa matriz, representando talvez uns 10% da capacidade instalada dela em 5 anos, mesmo que sua geração efetiva neste cenário não represente nunca mais do que uns 3 % do consumo total do pais .
As concentrações urbanas são grandes consumidoras de energia. E o senhor disse certa vez que as cidades não podem mais se dar ao luxo de serem “energívoras”. Qual o papel das empresas concessionárias de energia nessa mudança de comportamento?
As cidades são “energívoras” porque nas residências, comércios, indústrias e transporte público e individual devoram 75% do total da energia produzida. As empresas de energia elétrica são fornecedoras de uma parte disso, como são as companhias de petróleo e de gás.
Creio que as empresas de energia devam advogar sempre o uso mais racional, porque o custo de obtenção de uma unidade adicional de energia sempre é superior ao custo médio do que ela vem se aprovisionando. E como o preço de venda é regulado, quanto mais ela vende mais diminui a sua margem.
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FONTE : ENVOLVERDE (15/maio/2012), publicado originalmente no EcoD.
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