Como facilmente se previa, o debate sobre a questão florestal e ambiental no espaço urbano foi totalmente sufocado pela polêmica central entre ruralistas e ambientalistas nas discussões a propósito do novo Código Florestal. Como consequência, perdeu-se mais uma vez a oportunidade de se tratar a questão urbana dentro de sua magnitude ambiental (é nas cidades que vivem hoje mais de 85% dos brasileiros) e de sua singularidade. A propósito, já se faz há algum tempo consensual ao meio técnico brasileiro a percepção da inconveniência do tratamento da questão florestal do espaço urbano em um Código Florestal de nítida inspiração rural. As realidades do espaço urbano e do espaço rural são totalmente diversas, exigindo tratamentos específicos e diferenciados para a boa gestão das relações entre os terrenos economicamente ocupados e as áreas florestadas.
Fato concreto é que uma área florestada no espaço urbano deve cumprir funções específicas a esse meio, que no caso dizem respeito, especialmente, ao combate às enchentes, á eliminação de áreas de risco a deslizamentos e solapamentos, à melhoria da qualidade do ar, à alimentação do lençol freático e ao oferecimento de áreas de lazer para a população. Dentro desse correto e virtuoso entendimento não faz sentido que a delimitação das APPs urbanas tenha que exclusivamente se referir, como o Código determina, a feições geográficas como topo de morros, encostas ou margens de rios. Até porque, dentro dessa abordagem imprópria, regiões urbanas de topografia suave e rede hidrográfica rarefeita ficariam praticamente desobrigadas pelo Código de manter áreas florestadas. Na verdade, as questões relacionadas à ocupação urbana dessas feições geográficas geologicamente sensíveis devem ser mais apropriadamente objeto do Planejamento Urbano, da Engenharia Geotécnica e da Geologia de Engenharia, e referenciadas em Planos Diretores e Códigos de Obra. Note-se, por exemplo, que do ponto de vista geológico e geotécnico, fator especialmente importante no que diz respeito aos graves problemas urbanos de risco causados pela erosão e pelos deslizamentos, as áreas de topo de morro são extremamente privilegiadas para uma ocupação urbana saudável e segura. O novo Código Florestal trás alguns avanços que irão permitir uma ocupação mais inteligente dessas feições geográficas, mas insiste no conceitual equívoco em torná-las o elemento exclusivo de uma política florestal de caráter urbano.
Para as funções esperadas das áreas florestadas no espaço urbano há muito mais sentido em se definir um percentual mínimo da área urbanizada que deva ser obrigatoriamente ocupado por bosques florestados, sejam esses locados em que área for. Para o bom cumprimento dessas funções seria recomendável que esse percentual mínimo estivesse na casa dos 12%. Como forma de garantir sua boa distribuição geográfica por toda a cidade, sugere-se, como idéia central, que essa exigência dos 12% florestados deva ser observada em todas as sub-bacias hidrográficas do perímetro urbano. Para os efeitos dessa determinação legal entenda-se como bosque florestado o espaço público ou privado com área mínima contínua de 100m2 a se comportar como uma pequena floresta, ou seja, plenamente e permanentemente tomado por vegetação arbórea natural ou plantada com predomínio de espécies nativas à região. No exemplo de uma sub-bacia urbana de 10km2 ter-se-iam 1.200.000m2 florestados, com capacidade de retenção total de 12% do volume de uma chuva de 70mm, um substancial significado no combate às enchentes somente através desse expediente.
Garantida legalmente essa extensão para as áreas florestadas urbanas, poder-se-ia então, adicionalmente, trabalhar com a preferencialidade, mas não exclusividade, de sua instalação em encostas com inclinação superior a 25º, em bordas e sopés de encostas com inclinação superior a 25º, em margens de cursos d’água e lagos, em entorno de nascentes e nas cabeceiras de drenagem popularmente conhecidas como grotas. Como a oportunidade de um Código Florestal específico para as cidades ficou mais uma vez adiada, procede a expectativa de que essa determinação venha a ser contemplada por legislações municipais autônomas. Obviamente, essas seriam as questões centrais do novo modelo que, uma vez aceitas, implicarão a necessidade subseqüente de bem resolver alguns detalhes operacionais.
O fato é que somente sob essa abordagem estaríamos realmente nos aproximando dos atributos de uma cidade geologicamente sustentável.
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FONTE : Geól. Álvaro Rodrigues dos Santos
* Ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia
* Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Diálogos Geológicos” e “Cubatão”
* Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente
Membro do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Fecomércio
* Articulista do Portal Ecodebate
EcoDebate, 31/05/2012
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