Para Luiz Zarref, que é dirigente do MST e da Via Campesina, “será gigantesca” a repercussão internacional da decisão tomada na quarta-feira (25) pelos deputados federais: “A reação será grande quando souberem que, a partir de agora, os rios acima de dez metros de largura não precisarão mais ter Áreas de Preservação Permanente (APPs) em suas margens. Nos rios abaixo de dez metros, a faixa de proteção será de 15 metros, mas antes eram 30 metros. Para os rios maiores, que precisavam de até 500 metros de floresta, agora não precisa mais nada. Isso é um crime histórico contra o meio ambiente mundial e um retrocesso na legislação ambiental brasileira. Não tem condição de a presidenta Dilma aceitar um texto desses, e ela mesma já disse várias vezes que não aceitaria”, afirmou.
Para Renato Cunha, coordenador da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), o governo brasileiro fica “muito mal” após a aprovação do novo Código Florestal: “O governo nunca assumiu seu papel para dizer que tipo de Código Florestal o Brasil de fato precisa. Se fosse para mudar algumas coisas, o Código teria de mudar para conservar melhor as florestas brasileiras. Mas, na verdade, o que está sendo discutido é a flexibilização da proteção das florestas a partir da diminuição da proteção. Trata-se muito mais de um código agrícola para administrar o agronegócio e favorecer determinadas ocupações de territórios. O que o Brasil mais precisa é de uma legislação melhor que garanta a proteção de nossas florestas, mas a aprovação do Código está na contramão disso”.
Coordenador do Comitê de Florestas do Instituto Terra Azul e membro da coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS), Pedro Ivo Batista amenta a decisão dos deputados: “O grande problema do novo Código Florestal, além de tudo o que ele representa de retrocesso e de destruição da legislação ambiental, é que vão transformá-lo em um código de ruralistas. Isso é muito grave”, disse.
Pedro Ivo, que foi uma das figuras de proa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) nos primeiros anos do governo Lula (Luiz Inácio Lula da Silva), durante a gestão de Marina Silva, cobra a ação do atual governo: “Nós não temos visto esforço do governo para enfrentar a sua própria base, que é de onde vêm os ataques ao Código Florestal. O governo é refém de uma base atrasada, ruralista e antinacional que está vendo apenas seus interesses pessoais e não o interesse coletivo do país. Se o governo continuar sem tomar nenhuma atitude em relação a isso, nós vamos denunciar em todos os fóruns, tanto em nível nacional quanto internacional”, disse.
Cunha faz crítica semelhante: “Diversos estudos mostram que não é preciso arrancar mais um único pé de árvore no Brasil para viabilizar a produção de alimentos. O governo está a reboque da bancada ruralista que, em sua grande parte, apóia o próprio governo. No que concerne ao campo socioambiental e à agricultura familiar, estamos vivendo um retrocesso muito grande. Isso não ocorre somente com o Código Florestal. Existe hoje um retrocesso na legislação ambiental brasileira como um todo”, disse, antes de acrescentar que “às vésperas da Rio+20, o governo Dilma ainda não criou nenhuma unidade de conservação”.
Fantasia
Se até junho a aprovação do novo Código Florestal brasileiro, na forma como está, não for revertida, serão inevitáveis os embates entre o movimento socioambientalista e o governo brasileiro durante a Rio+20 e a Cúpula dos Povos. O papel de liderança até aqui assumido pelo Brasil, segundo os ambientalistas, também não deverá se sustentar perante mais de cem chefes de Estado.“Se permanecer esse texto aprovado pelo Congresso, o Brasil tende a ir à bancarrota na Rio+20. Do jeito que o Código Florestal está sendo achincalhado, isso será um acinte para o país e para o mundo, uma sinalização extremamente negativa. Não tem a menor possibilidade de, ao mesmo tempo, favorecer a destruição das florestas e achar que vai ser protagonista de uma conferência como a Rio+20. Isso sim é uma fantasia e não o que a presidenta Dilma disse para nós no Fórum de Mudanças Climáticas”, afirmou a secretária-executiva do FBOMS, Silvia Picchioni, fazendo referência ao comentário da presidenta de que “não aceitaria ideias fantasiosas” vindas dos ambientalistas.
Coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Nilo D’Ávila é taxativo: “Na Rio+20, o Código Florestal será uma demonstração de que o governo brasileiro resolveu abrir mão da sua função de liderança. O governo brasileiro tinha tudo para chegar na Rio+20 com o dedo apontando para quem tinha de fazer a lição de casa. Se for mantido mesmo o texto aprovado na Câmara dos Deputados, o governo brasileiro vai chegar na Rio+20 de cabeça baixa”, disse.
Para Luiz Zarref, o governo brasileiro terá forçosamente de assumir uma posição defensiva perante o mundo em junho: “A definição de metas voluntárias de redução dos gases-estufa, tudo isso vai por água abaixo. Não havendo o veto, os movimentos sociais vão, sem sombra de dúvida, aproveitar as atividades da Cúpula dos Povos para colocar em xeque a posição do governo. Porque, se o governo mantiver esse texto, os movimentos sociais vão fazer em nível mundial a denúncia de que o Brasil não tem mais condições de discutir qualquer questão ambiental”, disse o dirigente do MST.
Fim das metas
Pedro Ivo Batista segue na mesma linha: “Isso vai tirar o protagonismo do Brasil na Rio+20. O país, que até agora tem tido nos fóruns internacionais uma postura mais avançada do que os outros porque lidera pelo exemplo, vai chegar lá sem ter condições de liderar porque vai estar destruindo um dos principais mecanismos de salvaguarda de suas florestas, que é o Código Florestal”, disse.O retrocesso, segundo Pedro Ivo, será impossível de esconder, pois significará um contraste com a postura assumida pelo Brasil nos últimos anos no cenário internacional: “Um exemplo é a Convenção sobre Mudanças Climáticas, onde o Brasil teve uma posição progressista, à frente de muitos outros países que se negaram a assumir o que quer que fosse. O Brasil assumiu metas voluntárias, foi aplaudido em todo o mundo por isso, mas, se destruir suas florestas, as metas voluntárias se destroem também. Se acabar a função de proteção do Código Florestal, o desmatamento é uma tendência natural”.
Renato Cunha é outro que prevê para o governo diversos embates com os ambientalistas durante os eventos internacionais de junho, além da perda da condição de líder: “Se a presidenta Dilma assinar o novo Código, será mesmo muito complicado para o governo atuar como anfitrião de uma conferência internacional sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável. Ao sediar uma conferência desse porte, o governo teria uma grande oportunidade de ser um protagonista com um ativo importante, mostrando na prática o que faz internamente. Mas, o que está acontecendo até agora é o contrário. A Cúpula dos Povos certamente vai centrar fogo nessa questão também”, disse.
********************
FONTE : EcoDebate, 02/05/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário