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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Da escravidão à consciência ambiental


O mundo da imagem está soterrado de ações “para inglês ver”. Lembremos das origens da expressão. A Inglaterra pressionava o Brasil para a abolição da escravatura - o interesse dela era formar, com base nos negros recém-libertos, uma massa de consumidores para os seus produtos -, e a Corte Portuguesa tomou várias medidas para mostrar aos ingleses que o Brasil iniciara um processo de emancipação dos escravos. Uma delas: Lei do Sexagenário, em 1885. Os escravos que chegassem aos 60 anos estariam livres. Marketing social fajuto, raramente algum escravo alcançava seis décadas, em regime de trabalho forçado, entremeado por confrontos com feitores e chibatadas.

Numa terra onde os senhores do engenho sustentavam o Império, permitir o fim da escravidão seria ferir a base econômica do País e decretar, finalmente, a República. A proximidade de datas não foi uma coincidência: em 1888, a abolição da escravatura, 1889, a república proclamada. Todos os negros, desde então, tornaram-se livres para se refugiar em favelas, libertos para vender a própria força de trabalho em troca de ninharias. Às vésperas dessa “revolução”, os pequenos atos do governo apontaram, ironicamente, para uma direção contrária à mudança. Esta é a lição das “atitudes” para inglês ver: aparentar preocupação com os grandes problemas da sociedade é contribuir, de fato, com a manutenção das coisas como elas são.

Na contemporaneidade, a liberdade dos atuais cativos está inteiramente ligada à sua capacidade de entender os jogos comunicativos do mundo globalizado, ou seja, migrar da informação para a técnica, talvez até para o conhecimento, buscando-os em fontes confiáveis.

Vivemos em uma rede que se auto-proclamou Sociedade do Conhecimento, mas que não consegue distinguir as ações efetivas dos truques circenses. Há informação demais, certamente, em diversas mídias, mas como ter certeza da transparência e neutralidade de nossas fontes? Até que ponto as supostas soluções para os grandes problemas de nossa civilização, e que ganham força ao serem comunicadas, não são medidas para inglês ver?

Entre as atitudes das organizações e das pessoas, temos aquelas que as tornam responsáveis para com o mundo à sua volta. Para ser socialmente responsável, muitos têm se concentrado no tratamento do lixo, o que não deixa de ser uma ação real pelo meio ambiente. No entanto, remamos contra um fluxo cada vez mais forte: a destruição do meio ambiente, a confecção de produtos, o acúmulo de sucata. Não são simplesmente as ações do cidadão de fechar a torneira e jogar o lixo na lixeira - como querem que pensemos - os remédios mais eficazes para a produção acelerada. Pensar assim seria atribuir apenas à caridade a missão de acabar com os problemas sociais. Eles devem ser resolvidos pela raiz, não por meio de atitudes de efeito curativo. Num mundo à beira de colapsos naturais, já está em tempo de pensar no sistema econômico que nos permite viver em sociedade, em suas mazelas e perigos.

Tratar o lixo, plantar uma árvore, usar papel reciclado, buscar combustíveis renováveis é sensato, mas pouco ainda perto do consumo que projeta a produção de mercadorias para uma escala infinita - cultura do logro e do desperdício.

Numa tarde de caminhada no Parque Ecológico de certa cidade, deparei-me com uma placa afixada pela Empresa X: “Você viu a árvore que tinha aqui? Um incendiário viu primeiro”. Num outro dia, andando pelas ruínas de um distrito, deu-me vontade de cravar na terra uma placa: “Você viu o ecossistema que tinha aqui? A Empresa X viu primeiro”.

A sociedade global, agrupamento humano onde se enquadram todos nós, precisa se libertar das ações para inglês, americano, igrejas e organizações ambientais verem (mesmo que isso envolva a luta contra os senhores de engenho de hoje). A salvação do nosso mundo - em suas dimensões materiais, biológicas e culturais - requer intervenções profundas na realidade.
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FONTE : Eduardo Sabino é escritor e redator. Lança, em outubro, pela editora Novo Século, o livro de contos “Ideias Noturnas sobre a Grandeza dos Dias”. É editor e colaborador da revista eletrônica Caos e Letras (Envolverde/Revista Plurale)

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