Por Elton Alisson | Agência FAPESP
O sucesso de um novo acordo global de redução de emissões de gases de efeito estufa que poderá ser estabelecido durante a 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), prevista para ocorrer no início de dezembro, em Paris, dependerá da estruturação de um sistema de governança eficiente para implementá-lo.
A avaliação foi feita por pesquisadores participantes de dois encontros promovidos pelos programas de pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), Bioenergia (BIOEN) e Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA) da FAPESP, realizados nos dias 6 e 7 de outubro, na sede da Fundação, sobre temas que serão debatidos durante a COP21.
“Sem um sistema de governança, qualquer decisão tomada na COP21 poderá ser inócua como foi o Protocolo de Kyoto”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), durante um workshop sobre a COP21 para jornalistas, realizado no dia 6 de outubro, na FAPESP.
De acordo com Artaxo, as metas de reduzir em torno de 5,2% as emissões de gases de efeito estufa entre os anos de 2008 e 2012 – as quais os países que ratificaram o Protocolo de Kyoto se comprometeram a atingir – não foram implementadas. E, desde que o tratado foi assinado, em 1997, na cidade de Kyoto, no Japão, e ratificado por 167 países – não incluindo os Estados Unidos –, as emissões cresceram de forma muito significativa.
A fim de evitar que o problema se repita com o novo acordo global previsto para ser fechado durante a COP21 e com início de validade proposto a partir de 2020, é preciso criar um forte sistema de governança para cobrar o cumprimento das metas de redução de emissão de gases de efeito estufa a serem acordadas pelos países, afirmou.
“O Brasil e outros países, como os Estados Unidos e a China, anunciaram suas metas de redução de gases de efeito estufa [INDCs, na sigla em inglês] que levarão para a COP21. Se, no futuro, essas INDCs se tornarem obrigações legais, quem monitorará se essas nações estão cumprindo ou não o compromisso que assumiram?”, apontou Artaxo.
Segundo o pesquisador, hoje estão sendo emitidos anualmente em todo o mundo, principalmente pela queima de combustíveis fósseis, 37 gigatoneladas (Gt) de gás carbônico (CO2), com um aumento de 2,5% ao ano.
Os quatro maiores emissores hoje são a China – que é responsável por quase 25% do total das emissões globais anuais de CO2 –, seguida pelos Estados Unidos, a União Europeia e a Índia, que nos próximos anos poderá aumentar suas taxas de emissão seguindo o mesmo ritmo de crescimento da China, apontou Artaxo.
Se for mantido o atual cenário de crescimento das emissões globais em 2,5% ao ano, a temperatura na Terra poderá aumentar entre 3,2 ºC e 5,4 ºC ao longo deste século em razão das mudanças no balanço de radiação do planeta, indica um dos cenários projetados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).
A fim de limitar o aumento da temperatura em 2 ºC na média global – que se refletiria em uma elevação de 3 ºC na temperatura de áreas continentais do planeta, uma vez que têm menor capacidade térmica e de absorção de carbono em comparação com os oceanos –, será preciso diminuir as emissões em torno de 70% a partir de agora e zerá-las em 2050, aponta outro cenário intermediário projetado pelo IPCC.
“Se combinarmos as INDCs anunciadas pelo Brasil, China, Estados Unidos, União Europeia, México e Rússia que, juntas, representam cerca de 80% das emissões atuais, nem de longe será possível limitar o aumento da temperatura média em 2 ºC e estabilizar as concentrações de CO2 na atmosfera do nosso planeta”, afirmou Artaxo.
As INDCs anunciadas indicam um aquecimento médio global de 2,7 ºC em 2050 em comparação com os padrões pré-industriais, o que significa um aquecimento nas áreas continentais do planeta entre 3 ºC e 3,5 ºC, ressaltou.
Uma das estratégias para conseguir limitar o aumento da temperatura global em até 2 ºC nas próximas décadas, segundo o pesquisador, é combinar a redução das emissões de CO2 com a de outros gases de efeito estufa associados, como o metano, hidrofluorcarbonetos (HFC), precursores de ozônio e fuligem.
Esses gases têm meia-vida atmosférica – como é chamado o tempo de permanência na atmosfera – muito menor do que a do CO2.
Enquanto a meia-vida do CO2 pode chegar a centenas de anos, a do metano é de 12 anos e a dos HFCs é de 15 anos. Já o ozônio e a fuligem têm meia-vida variável entre alguns dias e semanas, comparou Artaxo.
“Todos esses gases de meia-vida curta também causam aquecimento da atmosfera. Se conseguirmos reduzir a emissão desses gases, juntamente com a de CO2, o efeito no sistema climático será muito mais rápido. Além disso, é possível reduzir o número de mortes pela poluição do ar urbano, uma vez que a fuligem e o ozônio são importantes poluentes”, afirmou o pesquisador que está coordenando uma série de estudos sobre a redução de emissões de fuligem, precursores de ozônio e metano na América Latina para o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep, na sigla em inglês).
Em sua avaliação, não se pode esperar que a COP21 resulte em um acordo global que garanta que a temperatura do planeta não suba acima de 2 ºC. E, se isso ocorrer, não representará um fracasso da conferência.
“A COP21 deverá ser um marco importante porque representará o início de um processo de transformação de produção e consumo de energia no mundo, a fim de diminuir as emissões de gases de efeito estufa e limitar o aquecimento global, que levará décadas para ser implementado”, estimou.
Ausência das empresas
Na opinião de Jacques Marcovitch, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e do Instituto de Relações Internacionais da USP, a participação, pela primeira vez, dos Estados Unidos e da China em uma Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas já será um avanço importante conquistado durante a COP21, independente de um possível novo acordo global.
Já a grande ausência nas mesas de negociações da conferência climática será o engajamento das empresas, apontou.
Ao contrário do Protocolo de Montreal – estabelecido em 1985 na Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, quando as empresas assumiram compromissos de redução de emissão de gases destruidores da camada de ozônio –, os entendimentos para a COP21 não contam com a participação formal do setor empresarial, disse Marcovitch.
“As empresas têm a maior responsabilidade em viabilizar a transição para uma economia de baixa emissão de carbono, o que inclui a eficiência energética e as energias renováveis, com o intuito de cumprir os possíveis compromissos a serem assumidos pelos países em Paris”, avaliou.
A fim de fazer com que as empresas cumpram suas responsabilidades nesta seara, segundo ele, é preciso aproximar, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), os setores de energia, químicos e petroquímicos, transporte, construção, agricultura, florestas e gestão de resíduos, entre outros.
“No momento, em sua condição de observadores, esses setores têm sido apenas informados. Cabe agora engajá-los em ações mitigadoras, em âmbito nacional e internacional. Com isso, será possível induzir multinacionais e grandes empresas de cada país a adotar universalmente tecnologias mais limpas e a assumir igualmente uma ação indutora junto aos seus fornecedores e distribuidores”, avaliou.
O principal parâmetro para o sucesso ou o fracasso da COP21 será o estabelecimento – ou não – de um acordo que determine a eliminação dos subsídios às energias fósseis, avaliou.
“Quem é contra o carbon tax [imposto com base em emissões de gases de efeito estufa gerados a partir da queima de combustíveis fósseis], claramente, não são os países que apresentaram suas INDCs. Mas as nações cujas economias são altamente dependentes da exportação de petróleo e que permanecem em silêncio”, afirmou.
O êxito da COP21 será uma forma de os países participantes demonstrarem que, apesar das fragmentações que afetam o mundo em áreas como a segurança, migração e comércio, o desafio ambiental é uma das poucas pautas integradoras que ainda os unem, avaliou Marcovitch.
in EcoDebate, 19/10/2015
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