Primeira análise completa da contribuição do Brasil para o acordo de Paris sugere que promessa feita por Dilma Rousseff é mais ambiciosa do que os planos de seu governo para atingi-la
Por Claudio Angelo, do OC –
A meta registrada pelo Brasil para o acordo de Paris é ambiciosa. Mas, se quiser cumpri-la, o governo precisará ir bem além de simplesmente zerar o desmatamento ilegal na Amazônia, como prometeu: precisará zerar o desmatamento em todo o país, legal e ilegal. A conclusão é da primeira análise detalhada do plano climático brasileiro, publicada ontem (22/10) por um grupo de pesquisadores da Coppe-URFJ.
Segundo um modelo computacional que leva em conta as emissões e o desempenho da economia brasileira rodado pela equipe de Roberto Schaeffer, da Coppe, atingir a meta de 1,3 bilhão de toneladas de CO2 em 2025 e 1,2 bilhão em 2030, valores propostos pelo Brasil na sua INDC (Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida), exigirá três componentes. Dois deles estão longe dos planos do governo federal.
Primeiro, será preciso cumprir na íntegra do Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que prevê até 2020 a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e mais 15 milhões até 2030. No ritmo atual de execução, o ABC não conseguirá cumprir nem os 15 milhões iniciais.
Depois, será preciso zerar o desmatamento líquido em todo o país. O governo Dilma Rousseff não tem a menor intenção de fazer isso, por dois motivos: primeiro, porque aposta todas as fichas no Código Florestal, que autoriza desmatamento legal de 20% (na Amazônia) a 65% (no cerrado) da área de uma propriedade. Segundo, porque a ministra da Agricultura e afilhada de casamento de Dilma, Kátia Abreu (PMDB-TO), ganhou de dote para a expansão da agropecuária toda a extensão de cerrado do chamado Mapitoba (terras de alto potencial agrícola situadas entre Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia), que será devidamente cortada e queimada nos preceitos da lei.
Por fim, o governo precisará, ainda, estabelecer um preço para as emissões de carbono: US$ 50 a tonelada. O assunto também é tabu para um governo que estabeleceu prioridade para o petróleo do pré-sal e que tem se recusado até a adotar medidas tímidas de eliminação de subsídios aos combustíveis fósseis, como elevar a alíquota da Cide (Contribuição sobre Intervenção no Domínio Econômico) para a gasolina para mitigar o déficit fiscal – aconselhado a fazê-lo por ninguém menos que Antonio Delfim Netto.
As três medidas são necessárias porque as emissões do Brasil, grosso modo, equilibram-se sobre três setores: desmatamento, agropecuária e energia. Segundo Schaeffer e colegas, é inviável no país reduzir as emissões de energia em 2030 a menos de 410 milhões de toneladas de CO2 equivalente – valor correspondente a 70% das emissões do setor em 2010. Portanto, para que isso aconteça, as emissões somadas de florestas e agropecuária precisariam ser de menos de 790 milhões de toneladas.
Dos vários cenários de mitigação de emissões construídos pelo grupo da Coppe – e isso assumindo que o PIB brasileiro crescerá pífio 1,9% ao ano em todo o período, o que reduz o apetite por energia e terras – somente dois fecham tecnicamente a conta do setor energético: o que assume cumprimento total do Plano ABC e desmatamento equivalente a metade do de 2010 e outro com desmatamento zero. Este último foi o único considerado tecnicamente e economicamente viável.
“Mas isso só será possível se se começar a valorar o carbono emitido, de maneira a que tecnologias que emitam carbono reflitam este custo maior para a sociedade, e com isso ela parta para soluções de mais baixo carbono”, disse Schaeffer ao OC. “Nossos estudos mostram que, para valores de carbono da ordem de US$ 50 por tonelada de CO2 equivalente emitido, o setor energético se adequa, e o Brasil consegue cumprir sua INDC.”
No entanto, prossegue o pesquisador, sem desmatamento zero e sem Plano ABC completo, “nem com valores de carbono acima de US$ 200 por tonelada de CO2 equivalente a conta fecha”.
Ponte
O estudo da INDC do Brasil integra um grande relatório sobre como as metas de cinco grandes poluidores e da União Europeia podem estimular a mudança no jeito como esses países produzem e usam energia. A ciência tem indicado que só uma transição energética radical, que elimine progressivamente os combustíveis fósseis, poderá colocar o mundo no rumo de cumprir o objetivo de limitar o aquecimento global neste século ao máximo de 2oC, limite considerado relativamente seguro.
Intitulado “Além dos Números”, o relatório foi produzido por pesquisadores de 15 países, que integram o chamado Consórcio Miles (sigla em inglês para Modelando e Informando Estratégias de Baixa Emissão), e divulgado em Bonn, onde termina nesta sexta-feira a última rodada de negociações diplomáticas antes da conferência do clima de Paris, em dezembro.
Sua conclusão principal é de que as INDCs importam, sim. Embora os números que estão na mesa sejam incapazes de pôr o planeta no rumo dos 2oC, eles ajudam a acelerar a descarbonização. Somadas, as metas reduzem em 6 bilhões de toneladas de CO2 (quatro vezes as emissões do Brasil) o “buraco” para fechar a conta do clima. Cortam em 40% a quantidade de CO2 emitido por dólar de PIB nos países estudados (China, Índia, EUA, Brasil, UE e Japão, que, juntos, respondem por 60% das emissões mundiais por combustíveis fósseis) e elevam a participação das energias renováveis para 36% da matriz.
O problema é que, se o mundo esperar até 2030 para aumentar a ambição das metas, os cortes a serem feitos na sequência, a redução de emissões a partir daquele ano terá de ser tão profunda e tão acelerada a ponto de tornar-se inviável na prática – e adeus 2oC.
“Um cenário de ação adiada e transição muito rápida poderia ser muito pernicioso”, disse Thomas Spencer, do IDDRI (Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Relações Internacionais), na França, um dos líderes do trabalho.
Para que a descida da ladeira do alto carbono seja mais suave, os pesquisadores do Miles propõem o que eles chamam de “ponte”: um mecanismo pelo qual as INDCs sejam ajustadas para cima já em 2020 e as metas para o pós-2030 já sejam igualmente definidas.
“Os investidores precisam acreditar depois de Paris que o mundo está falando sério sobre os 2oC”, disse Elmar Kriegler, do Instituto de Pesquisa Climática de Potsdam, na Alemanha, co-autor do relatório.
Esse aumento progressivo de ambição, apelidado nas negociações de “torniquete”, tende a ser uma das grandes batalhas do período pós-Paris, a partir de 2016. Dele dependerá, em última análise, o atingimento dos 2oC.
Ontem, a rede de ONGs Climate Action Network defendeu que o “torniquete” seja adotado antes ainda de 2020, em 2018. (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* Publicado originalmente no site Observatório do Clima
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