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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O crescimento exponencial em um Planeta finito, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Dizem que o inventor do Xadrez criou o jogo para agradar o Faraó, que entusiasmado e agradecido pela inteligente invenção, chamou o criador para poder recompensá-lo materialmente e disse que o sábio poderia pedir qualquer coisa de recompensa. O inventor do jogo de Xadrez então fez o seguinte pedido: 1 grão de trigo pela primeira casa do tabuleiro, 2 grãos de trigo pela segunda e assim sucessivamente, sempre dobrando, até a última das 64 casas. O Faraó, num primeiro momento, ficou satisfeito com o pedido singelo, mas, depois de informado por seu “ministro da fazenda”, ficou sabendo que jamais conseguiria atender àquele pedido aparentemente despretensioso, mas que significava uma quantidade fabulosa de trigo.

crescimento da economia global e da população mundial

Como o tabuleiro de xadrez tem 64 casas, para fazer o cálculo, trata-se de uma progressão geométrica com 64 termos, cujo primeiro termo (a1) é igual a 1 e a razão (q) igual a 2. Assim, an=a1.q^(n-1). Ou seja, a progressão é a seguinte: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024, …. 9.223.372.036.854.780.000. Isto mesmo, 9 quintilhões, 223 quatrilhões, 372 trilhões, 36 bilhões, 854 milhões, 780 mil. Evidentemente, nem todo o trigo do mundo, por várias gerações, seria suficiente para pagar ao criador do jogo de xadrez.
Esta história serve para mostrar a força de uma progressão geométrica e do crescimento exponencial. Serve também para analisar o crescimento econômico e populacional ocorrido no mundo nos últimos 250 anos, desde o aperfeiçoamento da máquina a vapor, por James Watt, em 1768 e o início da utilização dos combustíveis fósseis em larga escala. Nos 250 anos entre 1768 e 2018 (utilizando dados de Angus Maddison e projeções do FMI para o período 2014 a 2018) a população mundial cresceu quase 10 vezes e a economia global cerca de 130 vezes. O crescimento anual da população ficou em torno de 0,9% ao ano e a economia em torno de 2% ao ano. Sendo que o maior crescimento da economia ocorreu depois da Segunda Guerra Mundial, com uma média anual de crescimento do PIB acima de 3,5% ao ano.
A matemática mostra que um crescimento de 3,5% ao ano significa dobrar a economia em 25 anos, quadruplicar em 50 anos, multiplicar por 8 em 75 anos, 16 vezes em um século e chegar a um crescimento de 1.000 vezes em 250 anos. Ou seja, se a economia mundial continuar crescendo aproximadamente no ritmo dos últimos 70 anos (3,5% ao ano) terá o seu produto multiplicado por mil vezes nos próximos dois séculos e meio. Isto daria um crescimento de 130.000 vezes do PIB mundial nos 500 anos entre 1768 e 2268.
Obviamente, como mostrou o cientista David Suzuki, este crescimento exponencial é incompatível com um Planeta finito e com escassos recursos disponíveis. O segredo do crescimento dos últimos 250 anos foi a utilização dos combustíveis fósseis. Mas a extração barata das jazidas de petróleo já chegou ao fim. A degradação dos solos, o sobreuso das águas e o estresse hídrico são fatores limitadores do crescimento.
Se consideramos o ciclo da biodiversidade da Terra como tendo 60 minutos e as atividades antrópicas dobrando a cada minuto, o ser humano teria ocupado 6,3% da Terra aos 56 minutos, 12,5% aos 57 minutos, 25% aos 58 minutos e 50% aos 59 minutos. Em apenas um minuto adicional os 100% seriam alcançados. Esta é a força da progressão geométrica e do crescimento exponencial.
Pela metodologia da Pegada Ecológica a humanidade passou a consumir meio Planeta em meados da década de 1950. Naquele momento, o ser humano vivia o seu 59o minuto. Em 1976, a pegada ecológica igualou com a biocapacidade do Planeta e a humanidade chegou ao 60o minuto. Isto é, as atividades antrópicas passaram a consumir o equivalente a um Planeta. Até 2030 serão dois planetas.
Assim, desde o último quartel do século XX, a humanidade ultrapassou as fronteiras planetárias e a civilização passou a viver dos recursos herdados do passado, consumindo acima da taxa de reposição da capacidade biológica da Terra. Evidentemente, existem os pensadores cornucopianos, como Matt Ridley, que escreveu o livro The Rational Optimist, que acreditam que a tecnologia e a inventividade humana podem superar os limites da natureza e que o desenvolvimento pode manter taxas de crescimento por um longo prazo. Como exemplo, a “Revolução Verde” possibilitou o aumento da produção de alimentos, mas, ao mesmo tempo, contribuiu para a depleção do solo, dos aquíferos, dos rios, lagos e oceanos, além da redução da biodiversidade.
Existe uma disputa entre os defensores do progresso (que tendem a passar uma visão otimista) e os defensores do meio ambiente (que as vezes até exageram na possibilidade de catástrofe). Ninguém sabe com certeza quais são os limites do desenvolvimento humano. Mas não é difícil entender que é insustentável o atual ritmo de crescimento das atividades antrópicas e suas consequências negativas sobre a natureza. O relatório da ONU “Crescimento Melhor, Clima Melhor: A Nova Economia do Clima“ considera que “é possível termos um melhor crescimento econômico e um melhor clima (…) é possível criar empregos e reduzir a pobreza e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões de carbono que ameaçam o nosso futuro”.
O prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, em artigo “Erros e emissões”, do NYT e republicado no jornal Folha de São Paulo (19/09/2014) não vê dificuldade em compatibilizar o crescimento e o meio ambiente. Ele diz: “Eis o que você precisa saber a respeito: o desespero climático é um grande erro. A ideia de que crescimento econômico e ação quanto ao clima são incompatíveis pode soar séria e realista, mas na realidade é um erro infantil de raciocínio. Se um dia conseguirmos sobrepujar os interesses especiais e a ideologia que vêm nos impedindo de salvar o planeta, descobriremos que fazê-lo é mais fácil e mais barato do que quase qualquer pessoa imagina”.
Talvez seja realmente possível. Mas para evitar o colapso ambiental e climático seria preciso erradicar os gastos militares e de guerra, inviabilizar o consumo ostentatório, reduzir significativamente a poluição, eliminar o crime do ecocídio, etc. Infelizmente não se vê vontade política nos governos e na ONU para fazer o que é preciso ser feito nessa área. O que existe por trás dos discursos políticos é um fetiche da ideia do desenvolvimento sustentável, que na prática, nada mais é, do que uma maquiagem verde (greenwashing).
Mas, Richard Heinberg, escreveu o artigo “Erros e omissões” criticando Paul Krugman e mostrando a necessidade do decrescimento econômico. Também Samuel Alexander, em artigo no site The Conversation (19/09/2014), questiona o relatório “Crescimento Melhor, Clima Melhor” e também questiona a visão de Krugman, pois considera que os países desenvolvidos deveriam começar imediatamente uma estratégia de contração econômica planejada, com menos energia e utilização de recursos. Estabilidade climática exige nada menos do que uma mudança econômica no atacado. Ele critica a ideia do capitalismo verde e mostra que somente o DECRESCIMENTO econômico pode evitar o aumento das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e salvar o Planeta de um desastre ecológico.
De fato, para evitar a catástrofe ambiental, é cada vez mais claro a necessidade de as taxas de crescimento econômico e demográfico se tornarem negativas, pois será impossível a continuidade do crescimento econômico exponencial – seja do PIB ou da população – dentro dos limites impostos pela 2ª Lei da Termodinâmica (“a quantidade de trabalho útil que se pode obter a partir da energia do universo está constantemente diminuindo”).
No longo prazo, indubitavelmente, é impossível manter um crescimento material infinito em um espaço finito. Insistir no caminho da acumulação de capital e de ampliação do consumo é o mesmo que aprofundar o holocausto biológico e a depleção dos ecossistemas. Neste caso, o colapso viria como um “xeque-mate” da natureza.
Richard Heinberg. Paul Krugman’s Errors and Omissions, Post Carbon Institute, Sep 22, 2014
http://www.resilience.org/stories/2014-09-22/paul-krugman-s-errors-and-omissions
Samuel Alexander. We need economic degrowth to stop a carbon budget blowout, 19 September 2014
http://theconversation.com/we-need-economic-degrowth-to-stop-a-carbon-budget-blowout-31228

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Publicado no Portal EcoDebate, 01/10/2014

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