“Sendo a economia um subsistema aberto do meio ambiente, não há economia sem meio ambiente, já que toda produção econômica depende do fluxo de matéria e energia advinda do meio ambiente”, frisa o economista.
A solução para o antagonismo entre os conceitos “desenvolvimento” e “sustentabilidade”, quando se trata de pensar um modelo econômico que proporcione desenvolvimento e preserve o meio ambiente, deve ser formulada pela Economia a partir de uma perspectiva econômico-ecológica. A sugestão é do economista Junior Ruiz Garcia, para quem “o desenvolvimento deve ser entendido como um processo de mudanças qualitativas na sociedade, que não necessariamente implicaria em crescimento econômico, entendido como aumento da produção de bens e serviços econômicos”. A concepção de sustentabilidade, de acordo com essa compreensão, “está relacionada ao conceito de ‘durabilidade ou continuidade’ ao longo do tempo. Dessa maneira, a sustentabilidade de uma sociedade dependerá basicamente da sua escala (tamanho físico), de sua estrutura de consumo de bens e serviços econômicos e da tecnologia disponível para produzir os bens e serviços econômicos, desde que respeite os limites biofísicos impostos pelo ecossistema global”, esclarece Garcia na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line.
Segundo ele, o sistema econômico é um subsistema dentro do “sistema natural”, que sustenta a dinâmica econômica; portanto, “se a produção econômica de bens e serviços de uma sociedade respeita a limitação imposta pelo sistema, (…) essa sociedade seria sustentável”.
Garcia esclarece que a economia neoclássica ensinada nos cursos de Economia “entende o desenvolvimento sustentável como a manutenção do estoque total de capital de uma sociedade, sendo formado pelo capital feito pelo homem (inclui o capital físico, tais como máquinas e equipamentos, capital humano, capital social, etc.) e pelo capital natural (recursos naturais)”. A partir dessa lógica de capitais substitutos entre si, “a sustentabilidade do sistema econômico ou o desenvolvimento sustentável seria alcançado a partir da manutenção do estoque de capital total, independentemente de sua composição.
No limite, essa visão supõe que é possível a sociedade viver sem recursos naturais, já que os capitais são substitutos perfeitos! Na verdade, o capital feito pelo homem e o capital natural são complementares. Desse modo, sempre a sociedade precisará manter um estoque mínimo de capital natural, o problema é saber quanto”, salienta. Considerando as discussões acerca da escassez dos recursos naturais, o economista questiona: “Não deveríamos promover o crescimento nas regiões que realmente precisam de crescimento, como as regiões pobres? Será que as regiões desenvolvidas ainda precisam de crescimento econômico ou de uma melhor distribuição dos benefícios?”.
Junior Ruiz Garcia é graduado em Economia pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestre em Desenvolvimento Econômico Agrícola e Agrário pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp e doutor em Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente pelo Instituto de Economia da Unicamp. É pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola e Ambiental – NEEA do Instituto de Economia da Unicamp e do Núcleo de Economia Empresarial do Departamento de Economia da UFPR. Também leciona no curso de Ciências Econômicas, no Mestrado Profissional em Desenvolvimento Econômico e no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Econômico do Departamento de Economia da UFPR.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como conciliar os conceitos desenvolvimento e sustentabilidade, visto que para autores como Serge Latouche eles são incompatíveis?
Junior Ruiz Garcia - O desenvolvimento deve ser entendido como um processo de mudanças qualitativas na sociedade, que não necessariamente implicaria em crescimento econômico, entendido como aumento da produção de bens e serviços econômicos. A produção de bens econômicos necessariamente implica a retirada de recursos do sistema natural e a geração de resíduos, já que o sistema econômico é um subsistema aberto dentro do sistema natural. Um subsistema aberto significa que há troca de matéria e energia com o sistema, neste caso, a Terra. Nenhum subsistema pode ser maior que o sistema, ou seja, não é possível pensar em crescimento econômico infinito. Para ilustrar essa questão, veja a seguinte situação: em algum momento de nossas vidas (nós somos um subsistema aberto dentro do sistema maior, representado pela Terra) paramos de crescer em termos quantitativos (biológicos), mas não paramos o nosso desenvolvimento; sempre estamos adquirindo novos conhecimentos e experiências, nos tornando um indivíduo melhor (esperamos que isso sempre aconteça). O mesmo pode ocorrer com uma sociedade: não é preciso crescer sempre para que a sociedade se desenvolva.
Já a sustentabilidade está relacionada ao conceito de “durabilidade ou continuidade” ao longo do tempo. Dessa maneira, a sustentabilidade de uma sociedade dependerá basicamente da sua escala (tamanho físico), de sua estrutura de consumo de bens e serviços econômicos, desde que respeite os limites biofísicos impostos pelo ecossistema global, e da tecnologia disponível para produzir os bens e serviços econômicos. Se a produção econômica de bens e serviços de uma sociedade respeita a limitação imposta pelo sistema (representada por sua capacidade de provimento de recursos naturais e de assimilação dos resíduos), já que o sistema econômico é um subsistema, essa sociedade seria sustentável.
Contudo, no contexto atual, em que vivemos em um mundo com sete bilhões de pessoas e com uma estrutura de consumo intensiva em energia e matéria, não existirá compatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade, a não ser que a sociedade empreenda uma mudança radical em sua estrutura de consumo e estabilize o crescimento demográfico.
“A abordagem acerca da sustentabilidade e da dimensão ecológica deveria ser tratada na dinâmica a partir de uma perspectiva transversal (transdisciplinar), e não como um apêndice” |
Junior Ruiz Garcia - Como a teoria econômica tradicional ignora o sistema natural em suas análises e modelos teóricos, tratando a problemática ambiental a partir apenas da perspectiva de externalidades (efeitos positivos ou negativos não intencionais decorrentes da decisão de produção e consumo de um agente econômico sobre outros agentes que podem gerar uma perda ou um ganho no grau de bem-estar), que significa externo ao mercado, as externalidades são tratadas pela teoria econômica tradicional como uma exceção à regra.
Assim, o entendimento de desenvolvimento sustentável não cabe na teoria econômica tradicional, embora a economia tradicional neoclássica apresente um entendimento. A economia neoclássica, também conhecida como mainstream econômico, que é ensinada em praticamente todos os cursos de economia do mundo e é base para a tomada de decisão dos agentes econômicos, entende o desenvolvimento sustentável como a manutenção do estoque total de capital de uma sociedade, sendo formado pelo capital feito pelo homem (inclui o capital físico tais como máquinas e equipamentos, capital humano, capital social, etc.) e pelo capital natural (recursos naturais). Como essa escola supõe que esses capitais são substitutos perfeitos entre si, a sustentabilidade do sistema econômico ou o desenvolvimento sustentável seria alcançado a partir da manutenção do estoque de capital total, independentemente de sua composição.
No limite, essa visão supõe que é possível a sociedade viver sem recursos naturais já que os capitais são substitutos perfeitos! Na verdade, o capital feito pelo homem e o capital natural são complementares. Desse modo, sempre a sociedade precisará manter um estoque mínimo de capital natural, o problema é saber quanto.
IHU On-Line – As abordagens de desenvolvimento sustentável feitas a partir da perspectiva econômica e do mercado têm recebido críticas de ambientalistas e especialistas da área ambiental, porque têm uma perspectiva mercadológica. Como o senhor interpreta essa concepção de desenvolvimento sustentável?
Junior Ruiz Garcia - Como a teoria econômica tradicional entende a problemática ambiental a partir do conceito de externalidades e o desenvolvimento sustentável implica a manutenção do estoque de capital, a solução seria a internalização das externalidades ambientais na decisão dos agentes econômicos, ou seja, o mercado promoveria a alocação eficiente dos recursos naturais. Para internalizar as externalidades é preciso valorá-las já que elas são externas ao mercado, e aí que vem o problema, como valorar algo que não tem preço? Por exemplo, qual o valor da água, da floresta amazônica, do Rio Tietê, se eles são insubstituíveis, não têm direitos de propriedade definidos e ainda aportam à sociedade um conjunto de bens e serviços que em sua maioria também são insubstituíveis? Ou seja, o mercado por si só não tem condições de promover o desenvolvimento sustentável.
IHU On-Line – Que relações estabelece entre as discussões acerca do meio ambiente e a Economia?
Junior Ruiz Garcia - Sendo a economia um subsistema aberto do meio ambiente, não há economia sem meio ambiente, já que toda produção econômica depende do fluxo de matéria e energia advinda do meio ambiente. Algum bem ou serviço econômico pode ser produzido sem o uso de recursos naturais e sem a geração de resíduos lançados no meio ambiente?
IHU On-Line – Como a discussão acerca da sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável deve ser abordada pela Economia?
Junior Ruiz Garcia - Deve ser abordada a partir da restrição absoluta imposta pelo sistema natural, já que a economia é um subsistema daquele. Desse modo, a dimensão ecológica estaria no centro da análise econômica, onde a economia deveria respeitar a capacidade de carga do sistema natural (escala), representada pelo provimento de recursos naturais e por sua capacidade de assimilação de resíduos. Nesta perspectiva, não há espaço, por exemplo, para a busca pelo crescimento econômico infinito como é defendido pela teoria econômica tradicional.
“O sistema natural sustenta a dinâmica econômica, sem o qual não existiria o sistema econômico” |
Junior Ruiz Garcia - A discussão sobre o desenvolvimento sustentável tem sido realizada pelos cursos ou disciplinas de Desenvolvimento Econômico. O problema é que a discussão sobre o papel do sistema natural na dinâmica econômica tem estado ausente nos cursos de economia. Essa afirmação pode ser verificada ao consultar as grades dos principais cursos de Economia oferecidos no Brasil e no restante do mundo e pela bibliografia adotada por estes cursos — no máximo essa discussão é colocada em uma disciplina optativa ou nos últimos capítulos dos livros.
Assim, se houver tempo, o professor discutirá com seus alunos. Isso ocorre porque a principal base teórica (representada pela Economia Neoclássica) adotada pelos cursos de Economia trata a questão ambiental como uma subdisciplina dentro do ensino de Economia e da análise econômica. Por exemplo, no curso de Introdução à Economia, Macroeconomia e Microeconomia, que representam as bases teóricas para a formação do economista, o sistema econômico é visto como isolado do sistema natural, como se ele fosse o todo, o “Universo”, ou seja, não há meio ambiente. Nesta perspectiva, o sistema econômico não precisaria do meio ambiente! Embora exista na economia toda uma discussão sobre a relação entre o meio ambiente e o sistema econômico, levada a cabo pela Economia Ecológica, mas que está ausente dos cursos de economia.
IHU On-Line – Que papel o sistema natural assume na dinâmica econômica?
Junior Ruiz Garcia - O sistema natural sustenta a dinâmica econômica, sem o qual não existiria o sistema econômico.
IHU On-Line – E que papel ele poderia assumir a partir das discussões acerca da sustentabilidade?
Junior Ruiz Garcia - A abordagem acerca da sustentabilidade e da dimensão ecológica deveria ser tratada na dinâmica econômica a partir de uma perspectiva transversal (transdisciplinar) como destaca a Economia Ecológica, e não como um apêndice ou complementar à análise como tem sido apresentada pela Economia Tradicional.
IHU On-Line – É possível conciliar crescimento, desenvolvimento e preservação ao mesmo tempo?
Junior Ruiz Garcia - Não é que eu seja contra o crescimento econômico. Algumas regiões do mundo e do Brasil ainda precisam de crescimento para promover suas mudanças estruturais em termos qualitativos e de bem-estar. Por exemplo, para universalizar o acesso ao saneamento básico (captação, tratamento e distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto e dos resíduos sólidos) é preciso crescimento, porque implica o aumento da infraestrutura, a conversão de recursos naturais em bens econômicos. No entanto, quando os economistas falam em crescimento econômico, não importa o tipo de produto que será produzido.
Por exemplo, a produção de armas gera crescimento econômico, mas será que realmente aumenta o bem-estar das pessoas como faria a universalização do acesso à infraestrutura de saneamento básico?
Acrescento ainda os seguintes motivos para essa reflexão sobre o crescimento econômico. Primeiro, a sociedade está vivendo um contexto que chamamos de “mundo cheio”, em que o recurso escasso é o recurso natural; desse modo, não deveríamos promover o crescimento nas regiões que realmente precisam de crescimento, como as regiões pobres? Será que as regiões desenvolvidas ainda precisam de crescimento econômico ou de uma melhor distribuição dos benefícios? Segundo, a sociedade já viveu muitos períodos de crescimento e nem por isso conseguiu eliminar a pobreza no mundo; além disso, aumentou a degradação dos ecossistemas, veja os problemas relacionados com as mudanças climáticas induzidas pela aceleração do efeito estufa.
Terceiro, é impossível buscar o crescimento econômico infinito sendo o sistema econômico um subsistema do sistema natural; nunca um subsistema pode ser maior que o sistema que o sustenta.
IHU On-Line – Depois das crises financeiras de 2008, a Economia e os economistas receberam muitas críticas e ficaram até desacreditados por parte da população. A partir disso e também considerando as discussões acerca da sustentabilidade, há como pensar as questões socioambientais para além da Economia?
Junior Ruiz Garcia - Há, mas isso envolve uma profunda revisão das teorias econômicas e do ensino da Economia na graduação, em que a dimensão ecológica assumiria o centro dos modelos teóricos e da análise econômica.
(EcoDebate, 02/05/2014) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
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