A história ambiental da devastação da floresta de araucárias
Bosque de araucárias próximo a São Joaquim (SC). Foto de Miguel Mundstock Xavier de Carvalho, 2010.
Por Elenita Malta PereiraA majestosa floresta de araucárias (Floresta Ombrófila Mista), parte do Bioma Mata Atlântica, foi intensivamente explorada com fins econômicos, desde a segunda metade do século XIX. Esse tipo florestal, característico do planalto sul - brasileiro, era marcado distintivamente das demais regiões florestais do país pela presença da Araucaria angustifolia, uma das duas únicas espécies nativas de conífera no Brasil (a outra é o Pinheiro bravo -Podocarpus lambertii-, também encontrado principalmente no ambiente da floresta com araucária).
Esse processo de exploração que levou quase à devastação total da floresta teve a contribuição decisiva da indústria madeireira, especialmente da empresa "Lumber and colonization" e suas ferrovias, construídas para escoar a madeira aos mercados consumidores. Para entender melhor a história dessa devastação, nesta postagem, divulgo a tese de doutorado de Miguel Mundstock Xavier de Carvalho (hoje professor da UFFS), defendida em 2010 no PPGH-UFSC, sob orientação da Profa. Eunice Nodari, intitulada Uma grande empresa em meio à floresta: a história da devastação da floresta com araucária e a Southern Brazil Lumber and Colonization (1870-1970). Além da tese, anexamos abaixo um vídeo de propaganda produzido pela própria Lumber, nos anos 1920, que mostra como se dava todo o processo de exploração.
Guincho da Lumber e toras de araucárias ao longo dos trilhos. Região de Três Barras, década de 1910.
Fonte: Forest History Society (CARVALHO, 2010, p. 256).
Segundo a tese de Miguel, a Lumber era uma empresa subsidiária da Brazil Railway, foi a maior madeireira da América do Sul, contou com tecnologia de ponta para os padrões da época e teve papel destacado na venda de madeira de araucária para a Argentina, Uruguai, São Paulo e Rio de Janeiro. Nesse sentido a Lumber e outras centenas de serrarias menores colaboraram para a grande expansão de metrópoles como Buenos Aires, Montevideu, São Paulo e Rio de Janeiro ao longo do século XX. A floresta com araucária se constituiu dessa forma em um contexto ecológico para o crescimento urbano-industrial de várias cidades dentro e fora da área do ecossistema. A araucária foi a árvore mais importante da economia madeireira do Brasil desde o princípio do século XX até a década de 1970, quando as florestas nativas foram esgotadas e houve o início dos plantios sistemáticos do pinus. Como consequência, parte da indústria madeireira sulina migrou para a região amazônica.Fonte: Forest History Society (CARVALHO, 2010, p. 256).
Tecnologia da serraria da Lumber em Três Barras: transformando árvores em commodity. Data desconhecida.
Fonte: Museu histórico de Três Barras (CARVALHO, 2010, p. 259).
Para acessar a tese de Miguel na íntegra, siga o link: http://www.tede.ufsc.br/teses/PHST0388-T.pdf
Filme da Lumber:
O próprio Miguel trabalhou na digitalização do filme (mudo) e o disponibilizou no Youtube, em quatro partes. Trata-se de uma filmagem de 39 min produzida em 1922 pelo jornalista e cinegrafista Alberto Botelho (1885-1973), mostrando vários aspectos da exploração econômica da Companhia Lumber (ou S. B. L. and C. C.), uma empresa madeireira e colonizadora que atuou de 1910 até a década de 1950 no atual planalto norte catarinense e campos gerais do Paraná. Em Três Barras (SC), a Lumber construiu em 1911 uma serraria com avançada tecnologia para a época e que foi por muitos anos a maior serraria da América do Sul e do país. As imagens da filmagem são referentes a serraria de Três Barras e a exploração das florestas no seu entorno. A filmagem originalmente não tem som, a música foi adicionada ao vídeo.
Parte 1:
Parte 2:
Parte 3:
Parte 4:
Esse vídeo constitui-se ferramenta didática importante, ao retratar como se dava o processo de exploração da floresta de araucária, no contexto de início do século XX, quando tal exploração era vista pelas elites político-econômicas como importante para o "progresso" e "modernização" do Brasil. Mas, como vimos acima, felizmente, houve quem percebesse o absurdo dessas práticas, realizando uma importante crítica ambiental.
Fonte: A Voz da Primavera.
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