Powered By Blogger

domingo, 11 de maio de 2014

Lagoa só para inglês ver

Assoreamento, erosão, falta crônica de mata ciliar e proximidade com obras ameaçam a mais famosa área de moradia e lazer no coração da APA-Sul

Cristiane Mendonça - redacao@revistaecologico.com.br



AUSÊNCIA de vegetação nativa acelera a erosão do solo e compromete o sistema biológico da Lagoa dos Ingleses<br>Foto: Fernanda Mann AUSÊNCIA de vegetação nativa acelera a erosão do solo e compromete o sistema biológico da Lagoa dos Ingleses
Foto: Fernanda Mann
Quem passa pela BR-040, na saída de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro, contempla às margens da rodovia a Lagoa dos Ingleses. Localizada no município de Nova Lima (MG), ela tem 12 km de extensão e integra o Complexo do Rio do Peixe – juntamente com as lagoas do Miguelão e das Codornas. Unidas, elas formam um manancial que deságua no Rio das Velhas, tornando-as parte importante de um reservatório com água de boa qualidade para a Região Metropolitana.
Além de sua importância hídrica, a Lagoa dos Ingleses é também um belo cartão-postal, utilizado tanto para o turismo quanto para a prática de esportes náuticos, como vela e wakeboard. Projetada em 1930 para suprir a energia da mineradora Saint John Del Rey Mining Company, gera atualmente energia para as minas da AngloGold Ashanti e está cercada por uma área de grande expansão imobiliária, com condomínios luxuosos, clubes particulares e outros empreendimentos.
No entanto, a lagoa tem sofrido com erosões e assoreamento - fenômeno provocado por chuvas, ventos e outros processos que carregam detritos dos solos e rochas para o leito de rios e lagos. O acúmulo desses sedimentos reduz a profundidade desses reservatórios e pode ser acelerado pela falta de mata ciliar, que funciona como filtro ambiental e retém poluentes. Outro agravante são os períodos de seca, tal como tem ocorrido nos últimos meses, que diminuem o nível da água.
Fato, hoje, verificado na Lagoa dos Ingleses, localizada em uma região íngreme e com margens rodeadas por gramas e pedras colocadas por construtoras, além de faixas com pouca ou nenhuma vegetação. Para a arquiteta e urbanista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-MG) e atual secretária de Urbanismo e Habitação de Nova Lima, Cláudia Pires, o fenômeno do assoreamento era previsível. “Na desmobilização do patrimônio e venda da área para o mercado imobiliário, pouca ou nenhuma providência foi feita para atenuar os impactos da urbanização crescente e intensa dos limites da lagoa”, alerta.
E completa: “A primeira proposta de Plano Diretor de Nova Lima, em 2007, recomendava transformar o lugar em uma Área de Diretrizes Especiais (ADE) para estudos pormenorizados da região. As propostas de zoneamento feitas para o local contemplavam soluções bastante criteriosas para o seu adensamento, que nada se equiparam com o que foi feito depois das emendas propostas pelos vereadores, de forma arbitrária, sem nenhuma discussão pública com a população.” Isso, segundo Cláudia, resultou nos impactos ambientais que já são visíveis.

Mário Alvarenga: "O nível de assoreamento da lagoa era baixo antes da construção dos condomínios" - Foto: Divulgação Anglo
Segundo o gerente de Energia da AngloGold Ashanti Mário Alvarenga, a Lagoa dos Ingleses teve um histórico de baixo nível de assoreamento até a construção dos condomínios. Informação comprovada pelas batimetrias – cálculo para medição da profundidade de rios e oceanos – realizadas nos últimos anos pela empresa.  Nos estudos de 2012 foi possível comprovar “que não houve aumento significativo do assoreamento, dado que se mantém até o momento”. Mas adverte: “Com o adensamento do local, já é possível verificar alguns focos de assoreamento devido às grandes movimentações de terra provenientes das obras.” O gerente não forneceu à ECOLÓGICO os números das análises, mas ressaltou que a empresa vem realizando inspeções ambientais com frequência, em parceria com empreendedores e representantes de associações, para identificar pontos com acúmulos de sedimentos e traçar planos para amenizar o problema.
Políticas de preservação
Em 2008, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) apresentou um laudo que trazia análises da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), indicando a presença de coliformes fecais acima do previsto na lagoa. O erro causado, por problemas na adaptação do sistema de água pluvial, feito por construtoras próximas, foi reparado. Hoje, tanto a AngloGold Ashanti quanto os clubes da orla realizam análises anuais para monitorar a qualidade da água.
O secretário municipal de Meio Ambiente de Nova Lima, Roberto Messias Franco, conta que está sendo feita a revisão do Plano Diretor, e que a preservação da Lagoa dos Ingleses, do Miguelão e das Codornas estão contempladas, visto que elas são tributárias do Rio do Peixe. Ele acrescenta que “não será aprovado nenhum projeto que signifique ameaça às lagoas ou que possa comprometer de qualquer maneira a quantidade e qualidade da água”. E diz que o Conselho Municipal de Conservação e Defesa do Meio Ambiente (Codema) editou, este ano, uma nova norma que exige das empresas que as compensações ambientais das obras sejam aplicadas na própria área impactada.

Falta de cuidado com a mata ciliar pode reduzir em até 50% a vida útil da lagoa - Foto: Rodrigo Nascimento
Segundo diretrizes da Secretaria de Meio Ambiente (Semam) da cidade, esses empreendimentos também devem respeitar condicionantes específicas para a Lagoa dos Ingleses, como a implantação de dispositivo para contenção de resíduos oriundos da terraplenagem, visando evitar o carreamento via drenagem pluvial. Em casos de impacto negativo durante a instalação, a condicionante prevê que sejam feitos atenuantes imediatos, por meio de uma solução técnica aprovada pela secretaria.
Essas ações, entretanto, não são de conhecimento dos frequentadores da lagoa. É o caso do engenheiro agrônomo Rodrigo Nascimento, que passou a juventude, casou, teve filhos e até hoje participa de clubes locais. Morador de uma área próxima à lagoa, Nascimento percebeu, ao longo do tempo, o avanço do assoreamento. Para alertar o poder público e a sociedade sobre o descaso com esse cartão-postal de Nova Lima, nos últimos sete anos ele fotografou toda a região para que fosse possível perceber o antes e depois dos mesmos locais. Nas fotos, pode-se ver barrancos com erosões, margens com pouca ou quase nenhuma vegetação e o avanço do setor imobiliário. Preocupado, ele acredita que a falta de cuidado com a mata ciliar pode reduzir em até 50% a vida útil da lagoa e faz um apelo para que as pessoas se mobilizem para a construção de um cinturão verde. “Nos períodos de seca, é possível ver claramente a quantidade de detritos acumulados no leito. É interessante para todos que a lagoa seja preservada, tanto para os que a usam como lazer quanto para aqueles que a utilizam como reservatório de água de boa qualidade.”
 
Rodrigo Nascimento mostra composição rochosa do entorno: “Em dias de chuva, tudo desce para o leito da lagoa” - Foto: Fernanda Mann
Cuidados como esse já vêm sendo realizados na região. O Clube Serra da Moeda, que ocupa uma área correspondente a 160 mil metros quadrados, está realizando avaliações anuais da qualidade da água da lagoa e da mina que a abastece, além de plantar mais de 1.800 mudas de árvores ao seu redor, nos últimos seis anos. “Espécies como ipê-roxo, quaresmeira, araucária, paineira e árvores frutíferas foram plantadas tanto na área quanto na orla da lagoa”, diz João Januário Freitas, um dos responsáveis por compras do clube. Ele conta, porém, que não existe nenhuma parceria com instituições próximas para preservar a Lagoa dos Ingleses. “O clube já participou de algumas reuniões com a AngloGold, mas não passou disso. Todas as iniciativas de preservação do Serra da Moeda são feitas por nossa própria conta.”

Fique por dentro:
Um dos principais instrumentos de preservação que a lagoa possui é o Regulamento do Uso do Espelho d'Água, firmado com a Lagoa dos Ingleses Urbanismo S.A. e a Lagoa dos Ingleses Empreendimentos Imobiliários Ltda. A execução desse regulamento é de responsabilidade da Associação Geral do Alphaville e visa assegurar a conservação da qualidade ambiental da lagoa. Segundo o documento, a questão é de observância obrigatória de todos os proprietários, promissários compradores e cessionários de lotes de terreno localizados nas áreas em que se divide o loteamento Alphaville Lagoa dos Ingleses, assim como seus frequentadores eventuais e sócios dos clubes náuticos já abertos ou a serem implantados no entorno do corpo d'água.

Nenhum comentário: