Todos nós sabemos que tudo de ruim que se faz nas nossas costas acaba no mar, o grande receptor de todos os dejetos. Quando há muita chuva com enchentes, desbarrancamentos e ventos, já é um aviso que comer ostras cruas não é uma boa ideia. Quando, como aconteceu recentemente, o descuido de empresas leva contaminantes tóxicos ao mar, até o governo regional proíbe a venda e o consumo de ostras.
No entanto, mais grave é receber a notícia que o estado de Santa Catarina, no sul do país, é um dos que têm o mais baixo índice de tratamento de esgotos do país — menos de 20% — nas suas grandes cidades e até mesmo em Blumenau, que se orgulha de ter sido originada por uma colonização de alemães, que hoje são ricos, poderosos e educados. A mesma Blumenau da Oktoberfest. Mas, nem a ilha de Santa Catarina, onde se localiza grande parte da cidade de Florianópolis, anda muito melhor em matéria de saneamento urbano.
Estamos falando do mesmo estado que é tão rico que consegue manter nada menos que cinco times de futebol razoáveis nas series A e B do futebol nacional; o mesmo que tem elevados índices de desenvolvimento econômico e humano e que é, em muitos campos, exemplo nacional. Do estado que é o mais procurado para turismo com uma infraestrutura invejável, com grandes polos industriais, boas universidades, etecetera e tal. E se fala da mesma ilha que se autodenomina a “ilha da magia”, por suas praias maravilhosas e pelo enorme desenvolvimento do seu turismo. E, o mais surpreendente, como pode acontecer situação tão paradoxal no estado que é o maior produtor de ostras do país?
Tem festa, mas falta esgoto
Para os políticos, saneamento não tem glamour. Tratamento de esgoto não é visível, não oferece oportunidade para inaugurações, não dá para iluminar como uma ponte Hercílio Luz, não se vê de imediato as danosas consequências de sua falta para o ambiente e para a saúde e, portanto, para a economia local. Há no estado até quem defenda a permanência de clubes e bares invasores das restingas e praias, inclusive no famoso Jurerê Internacional, que significa mais e mais esgoto sem tratar ou mal tratado, que acaba no mar.
Santa Catarina, através de seus representantes eleitos pelo povo, tem-se notabilizado pela falta de cuidados ambientais. A Lei do Código Ambiental do estado deixa muito a desejar no que diz respeito à conservação da biodiversidade e foi aprovada com o apoio da base ruralista, por unanimidade — quase que por aclamação — antes mesmo que o novo Código Florestal do país. Seus parques estaduais, embora numerosos e importantes, encontram-se abandonados, como, por exemplo, o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro e até mesmo o do Rio Vermelho em plena capital, Florianópolis. Seus recursos naturais sequer são adequadamente aproveitados para o ecoturismo, como as avistagens de baleias francas, ou a dos papagaios charões, que se congregam em mais de 10.000 por ano na serra entre Painel e Urupema, na época dos pinhões, sendo a maior concentração de papagaios conhecida no mundo. Seus parques nacionais: Parque Nacional de São Joaquim e o Parque Nacional de Aparados da Serra também não são bem valorizados.
Muito poderia ser feito de bom em termos ambientais pelo estado que pretende ser exemplo em outros setores e atividades. Se os governos abandonassem as medidas populistas, seria possível evitar as grandes tragédias decorrentes das chuvas. Não seria preciso fazer obras faraônicas, mas sim medidas simples de proteção à natureza: preservar as áreas de risco obedecendo à legislação em vigor, cuidar de áreas de preservação permanente, matas ciliares, áreas de grande declividade; fazer coleta adequada de lixo, limpar drenos e cuidar dos grandes centros urbanos, como Blumenau, com adequada rede de esgoto.
Mas nas semanas da Oktoberfest talvez seja mais prudente beber cervejas boas e esquecer que os restos delas e outros poluirão os cursos de água que estão justamente no vale do Itajaí — local que tem assistido a grandes enchentes –, até, finalmente, desaguar no mesmo mar, tão decantado e apreciado no Brasil, mesmo que 50% de suas praias mais conhecidas já estejam impróprias para banhos.
Comer ostras por aqui ainda é possível, mas com muito cuidado a respeito de onde elas estão sendo cultivadas, pois mesmo em Florianópolis, em bairros chiques se pode assistir restos de esgotos caminhando para o mar.
As recém-empossadas autoridades estaduais e municipais já mostraram alguma sensibilidade pela temática ambiental e mais responsabilidade social que seus predecessores, que deixaram uma pesada herança maldita. Espera-se que continuem aprofundando suas responsabilidades para construir um estado melhor, mais limpo e cada vez mais atraente.
* Maria Tereza Jorge Pádua é Engenheira agrônoma, presidente da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.
** Publicado originalmente no site O Eco.
(O Eco)
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