Há muito não circulava pela região da Berrini no final da tarde. Aquelas ruas estreitas, que um dia abrigaram residências espaçosas, com quintais generosos repletos de jardins, flores e árvores frutíferas, hoje estão ocupadas por edifícios variados, verdadeiros espigões que mudaram radicalmente a paisagem bucólica.
Em quarteirões que reuniam de cinquenta a cem pessoas agora recebem uma população que, em alguns casos, se equiparam a de pequenas cidades. Tudo isso sem qualquer alteração nas vias pequenas, construídas num período em que a quantidade de automóveis era infinitamente menor.
Além do nocivo impacto na densidade populacional, outros problemas são oriundos desse boom de verticalização, como os aumentos dos índices e poluição do ar, de ruídos e do tráfico de veículos. No rápido percurso que fiz pelas singelas ruelas do vizinho Brooklin, identifiquei cerca de 10 empreendimentos em construção. Um deles que anunciava “5 lajes corporativas de 2.000 m2”, tinha aplicado no tapume a foto de uma belíssima copa de árvore para demonstrar que o prédio será sustentável. Os incorporadores só não dizem que os futuros habitantes daquele espaço talvez percam 1/3 do tempo de um dia de trabalho apenas para entrar e sair do imóvel “verde”, se a optarem por carro como meio de mobilidade.
O mais sério é que essa situação é legal, e está de acordo com as legislações em vigor. Por isso, enquanto não discutirmos um projeto de cidade que leve em conta os interesses de todos, e não só os resultados imediatos de alguns segmentos como, o imobiliário neste caso, nós ficaremos reféns dos mais distintos oportunismos.
Faço aqui uma indagação: será que os donos dos empreendimentos escolheriam morar ou trabalhar nos seus prédios maravilhosos, sabendo que a mobilidade na região é precária? Bem, o Plano Diretor Estratégico de São Paulo está em discussão. Temos uma oportunidade de pressionar os vereadores para que as regras que serão aprovadas definam como fatores principais a garantia da qualidade de vida dos cidadãos, a preservação dos recursos naturais, a criação de alternativas descentralizadas de desenvolvimento e a proibição de sobre adensamento em áreas já congestionadas. Por isso a participação nos debates e nas audiências públicas é fundamental. Precisamos nos mobilizar para, democraticamente, lutar pela cidade que queremos nessa existência e deixar esse exemplo de transformação para as gerações futuras. Por aqui, fico. Até a próxima.
* Leno F. Silva escreve semanalmente para Envolverde. É sócio-diretor da LENOorb – Negócios para um mundo em transformação e conselheiro do Museu Afro Brasil. É diretor do IBD – Instituto Brasileiro da Diversidade, membro-fundador da Abraps – Associação Brasileira dos Profissionais de Sustentabilidade, e da Kultafro – rede de empreendedores, artistas e produtores de cultura negra. Foi diretor executivo de sustentabilidade da ANEFAC – Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade. Editou 60 Impressões da Terça, 2003, Editora Porto Calendário e 93 Impressões da Terça, 2005, Editora Peirópolis, livros de crônicas.
(O Autor)
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