(FONTE : PH.D. PELO MIT, É
PROFESSORA , TITULAR DA FGV-SÃO PAULO , ELIANA CARDOSO - O Estado de S.Paulo)
A presidente Dilma Rousseff causou controvérsia ao afirmar que se mede a
Nação não pelo produto interno bruto (PIB), mas pela capacidade de proteção às
crianças. Os críticos logo apontaram a forte correlação entre renda e situação
infantil. O momento tornou infeliz o palpite fabricado para tampar a falta de
resultados na seara do crescimento. Mas se a presidente tivesse o dom da
oratória poderia ter trazido à tona temas importantes subjacentes à sua
declaração.
Dilma poderia ter lembrado, como fez a revista britânica The Economist na
mesma semana, que o PIB "mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena". A
frase é de Bobby Kennedy. Retórica? Nem tanto. O PIB inclui a publicidade do
cigarro, mas não subtrai a poluição do ar. Inclui a cachaça e as ambulâncias que
recolhem as vítimas de motoristas bêbados, mas não subtrai as horas que perdemos
em congestionamentos de automóveis. Inclui as fechaduras triplas com que
trancamos as portas de nossas casas e os cadeados dos presídios. Soma a madeira
da árvore derrubada, mas não subtrai o desmatamento da Amazônia. Adiciona os
rifles dos traficantes e os jogos de computador que glorificam a violência. Soma
geladeiras, armas e carros blindados, mas não subtrai o cheiro dos lixões nem o
aquecimento do planeta. O crescimento do PIB proporciona a ilusão da felicidade,
enquanto o enriquecimento torna os homens mais aquisitivos e, portanto, cada vez
mais insaciáveis e descontentes.
Por que o crescimento superou todos os outros objetivos de política
econômica? A origem da ideologia do crescimento surge da década de 1960, com a
necessidade de o mundo ocidental enfrentar a corrida armamentista. Países do
sistema soviético pareciam crescer mais depressa que os do sistema capitalista.
E, capazes de suprimir o consumo privado, também podiam dedicar maior parcela da
riqueza a gastos militares. Por outro lado, o crescimento econômico permitia aos
países capitalistas melhorar a posição dos pobres sem aumentar os impostos dos
ricos. Mas adiante, a ganância solaparia os valores comunitários, reduzindo
ainda mais o bem-estar.
Diante dessa distorção, Blanchflower e Oswald, dois professores de Economia,
usaram 100 mil respostas a questionários anuais entre 1972 e 1998 nos EUA e na
Inglaterra. Os entrevistados responderam a perguntas como: "De um modo geral,
você é feliz?". E outras também sobre rendimentos, emprego, casamento, religião,
raça e sexo. Eles usaram as informações dos questionários em equações de
felicidade. E confirmaram que minha tia-avó tem razão em duvidar que hoje a
humanidade seja mais feliz do que há 50 anos.
Pelo menos no caso dos americanos e ingleses. De acordo com as respostas aos
questionários, entre o começo da década de 1970 e o final da década de 1990 a
felicidade dos norte-americanos diminuiu e a dos ingleses permaneceu a mesma,
embora a renda dos EUA e da Inglaterra tenha crescido bastante no mesmo
período.
Blanchflower e Oswald suspeitam que nos últimos 30 anos, apesar do aumento
significativo de seus rendimentos, os norte-americanos tenham sofrido uma queda
no sentimento de felicidade por causa do aumento do número de divórcios. Para um
homem bem casado, a mulher vale em média 100 mil dólares de felicidade por ano.
Separação e divórcio são fontes de depressão mais graves do que a morte da
cara-metade.
Religião e educação superior aumentam o sentimento de bem-estar, ao passo que
o desemprego é uma das principais fontes de depressão. Em média, um
norte-americano precisaria receber US$ 60 mil por ano para anular o sentimento
de infelicidade provocado pelo desemprego. E a curva da felicidade tem a forma
de U em relação à idade. Os níveis de felicidade mais baixos estão associados
com idades entre 35 e 45 anos. Depois dos 45 a felicidade volta a crescer.
Pesquisas recentes replicam a metodologia de Blanchflower e Oswald e
confirmam muitos de seus resultados. Em parte, porque não é preciso ser um gênio
nem dispor de bancos de dados para entender que as pessoas com saúde e emprego
são mais felizes do que as doentes e desempregadas.
Na última semana de julho, o Office for National Statistics da Inglaterra
publicou o primeiro relatório do bem-estar nacional, baseado em pesquisas que
perguntam às pessoas o que sentem sobre sua própria vida. A iniciativa partiu de
David Cameron, que denunciou as falhas da contabilidade nacional e pediu outra
medida de felicidade além do PIB.
Para coletar dados, 165 mil pessoas foram convidadas a dar notas de 1 a 10 em
respostas às seguintes perguntas: em geral, quão satisfeito você está hoje com
sua vida? Até que ponto você sente que o que você faz vale a pena? Quão feliz
você se sentiu ontem? Ontem você se sentiu ansioso?
As respostas mostraram britânicos felizes. Os que têm parceiros são mais
felizes do que os solteiros, viúvos ou divorciados. Os donos de casa própria são
mais felizes do que os locatários. Os que têm deficiência e saúde ruim são bem
menos felizes e mais ansiosos do que os saudáveis. E confirmando pesquisas
anteriores, pessoas de meia-idade também são menos felizes do que as mais jovens
ou as mais velhas. Ao que parece, a crise da meia-idade não é mito.
Se a moda das pesquisas sobre felicidade se firmar entre os economistas,
dentro de 30 anos teremos uma série temporal com observações suficientemente
numerosas para rejeitar a hipótese de que o crescimento do PIB aumenta a
felicidade. Então saberemos se a presidente Dilma tinha razão ou se deveria ter
seguido as teorias convencionais que utilizam o PIB como referência para o
sucesso nacional. Por enquanto, parece razoável admitir que medidas do PIB e da
felicidade são imperfeitas e que o bom senso sugere combinar políticas de
crescimento sustentável com estabilidade e objetivos sociais.
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