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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Projeto identifica substâncias com propriedades medicinais extraídas de plantas no Estado de São Paulo

Riqueza natural – Ao longo de cinco anos, pesquisadores ligados a um Projeto Temático apoiado pela FAPESP encontraram importantes substâncias naturais nos dois principais biomas paulistas e em algumas plantas da Amazônia que poderão ter aplicações na fabricação de medicamentos e de cosméticos.

O projeto “Busca por componentes naturais antitumorais, antioxidantes, antiinflamatórios, antidiabéticos e inibidores acetilcolinesterase e mieloperoxidase do Cerrado e da Mata Atlântica”, coordenado pela professora Dulce Helena Siqueira Silva, do Instituto de Química de Araraquara da Universidade Estadual Paulista (IQ-Unesp), foi iniciado em 2005 e será encerrado em julho deste ano, realizado no âmbito do Programa Biota-FAPESP.

Em entrevista à Agência FAPESP, a pesquisadora destacou desafios e conquistas do projeto, que incluem o registro de dez patentes de processos de obtenção de substâncias e a descoberta de compostos para a estabilização de preparações dermocosméticas e que podem auxiliar o transporte de moléculas bioativas para dentro da célula.


Agência FAPESP – Quais foram os principais objetivos desse Projeto Temático?
Dulce Helena Siqueira Silva – A proposta inicial incluiu expandir a nossa coleção de extratos, a extratoteca, e realizar uma pesquisa de bioprospecção. Isso significa, principalmente, realizar estudos fitoquímicos buscando substâncias bioativas. Em relação a esse segundo objetivo, chegamos ao isolamento e à purificação de centenas de substâncias. Muitas delas são novas, não relatadas anteriormente, e algumas apresentaram atividades biológicas bastante interessantes, com potencial para o desenvolvimento posterior em parceria com empresas.

Agência FAPESP – E quanto à expansão da extratoteca?
Dulce Helena – Esse objetivo acabou não sendo bem-sucedido por causa do surgimento de novas regras para coletas de vegetais criadas pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), do Ministério do Meio Ambiente. O órgão exigiu licenças para a realização das coletas e, durante todo o tempo de execução do projeto, solicitamos as permissões. O processo foi e voltou diversas vezes, mas até agora não obtivemos as licenças. Infelizmente, ainda não temos uma solução para isso.

Agência FAPESP – Como esse problema foi contornado?
Dulce Helena – Antes de o CGEN colocar essa norma de exigência para a coleta, tínhamos outros projetos em andamento no laboratório, em 2001 em 2002. Havíamos feito coletas bastante volumosas de material vegetal e contávamos com uma coleção de mais de 2 mil extratos. Não conseguimos expandir a coleção como pretendíamos, mas pudemos trabalhar com a química das plantas coletadas anteriormente.

Agência FAPESP – Onde essas coletas haviam sido feitas?
Dulce Helena – Principalmente em regiões do Cerrado e da Mata Atlântica no Estado de São Paulo. Dentro do Cerrado há outro tipo de formação vegetal à beira dos rios, as Matas de Galeria, mais densa que o Cerrado e que apresenta algumas características que provocam confusão com a Mata Atlântica. Incluímos também essas áreas na nossa pesquisa. Esses são os principais biomas que abordamos na pesquisa.

Agência FAPESP – Poderia destacar alguns avanços obtidos pelo Projeto Temático que a senhora coordenou?
Dulce Helena – Um dos membros do grupo, por exemplo, se especializou no estudo de fungos endofíticos, que são fungos que crescem dentro das plantas. Com essa especialização, passamos a preparar não só extratos das plantas, mas também a adotar os procedimentos necessários para o isolamento desses fungos, para a produção em larga escala de seu extrato e para o isolamento das substâncias que eles produzem. Trata-se de uma conquista importante, uma vez que percebemos na literatura fitoquímica, em congressos e em publicações na área um interesse crescente por microrganismos. Conseguimos, em muitos casos, ter uma produção controlada desses microrganismos dentro do laboratório. E o controle enzimático para a produção de uma determinada substância pode ser mais fácil para um microrganismo do que para uma planta. Com isso, expandimos os objetivos do projeto para a parte de fungos endofíticos e agora temos também uma coleção de extratos desses fungos.

Agência FAPESP – Que substâncias bioativas encontradas no projeto a senhora poderia destacar?
Dulce Helena – Entre as mais interessantes, e que resultaram em parcerias com empresas, podemos citar substâncias que possuem mais hidrossolubilidade e outras com lipossolubilidade, ambas encontradas na mesma planta. Além disso, elas apresentaram uma atividade antioxidante bastante pronunciada. Isso resultou no interesse de uma empresa de cosméticos em algumas frações enriquecidas que possam ser aplicadas em produtos.

Agência FAPESP – Foram encontradas substâncias com potencial para aplicações medicinais?
Dulce Helena – O isolamento de substâncias de uma planta chamada Senna spectabilis e o seu estudo fitoquímico forneceram alguns alcaloides que mostraram atividade inibidora da enzima acetilcolinesterase. Essa enzima está relacionada aos processos de cognição e, em última análise, substâncias que a inibem podem ser usadas para o tratamento da doença de Alzheimer. Esse projeto avançou bastante por meio de uma parceria com uma empresa farmacêutica, mas agora está aguardando a última etapa de testes, que também é a mais cara, a dos ensaios clínicos. Outra espécie, a Petiveria alliacea, mostrou atividade antifúngica bastante pronunciada. A busca por antifúngicos é de grande interesse para a indústria farmacêutica porque, com alguma facilidade, os fungos adquirem resistência aos medicamentos existentes. Por isso, o setor está sempre procurando novos antifúngicos. Houve ainda espécies cujos processos de obtenção de substâncias foram objeto de patente, como a Casearia silvestri, que, além de possuir atividade antitumoral já relatada na literatura, também apresentou, nas análises que fizemos, atividade antiúlcera. Para os processos que apresentaram potencial para desenvolvimento de agentes terapêuticos em parceria com indústrias, foi providenciado, na medida do possível, o depósito de patentes, para ficarmos tranquilos em relação à proteção do conhecimento.

Agência FAPESP – Quantas patentes foram geradas a partir das pesquisas realizadas?
Dulce Helena – Dez, durante todo o projeto, principalmente relativas à proteção dos processos de obtenção de substâncias ou de frações bioativas. Na maioria dos casos, sofremos muito com a demora nos pedidos realizados no Brasil. Há casos em que já temos a patente internacional e ainda não obtivemos a brasileira.

Agência FAPESP – Foi encontrada alguma substância antidiabética?
Dulce Helena – Pesquisamos a planta conhecida como jambolão (Eugenia jambolana), que teria uma suposta atividade antidiabética, mas não tivemos resultados muito animadores. Por outro lado, tivemos extratos da Pterogyne nitens que mostraram alguma atividade, embora não muito pronunciada. O problema da avaliação da atividade antidiabética é que o método que escolhemos envolve o uso de animais e é muito dispendioso, tanto em termos financeiros como em tempo necessário. Por isso, nossa proposta para os próximos anos é encontrar pesquisadores que usem modelos mais fáceis de trabalhar, modelos celulares in vitro e que não necessitem o uso de animais.

Agência FAPESP – Além dessas substâncias foram encontrados compostos voltados para outras aplicações?
Dulce Helena – A partir do ácido gálico, encontrado em muitos vegetais, preparamos alguns derivados lipossolúveis. Essa propriedade os faz penetrar na membrana celular e exercer o seu efeito internamente nas células de maneira mais eficiente. É uma forma de transportar a substância bioativa para dentro da célula. Esses derivados poderiam servir de meio de transporte para as substâncias farmacêuticas. Durante os cinco anos de vigência do projeto, selecionamos cerca de 200 extratos para estudo detalhado, por meio da avaliação prévia de todas as 2 mil amostras da extratoteca. Com esse trabalho de bioprospecção, conseguimos encontrar novas bioatividades para substâncias que já se conhecem há mais de 50 anos.

Agência FAPESP – Como foi feito o trabalho de bioprospecção?
Dulce Helena – Uma expedição saía a campo para coletar amostras. Algumas vezes, conseguimos levar um botânico para fazer a identificação imediata das espécies. No mesmo momento, fazíamos uma exsicata [catálogo de plantas desidratadas] que era depois depositada em um herbário para consulta. Em outros casos, fazíamos a coleta e levávamos ao laboratório para o botânico fazer a identificação do material. De cada material, separávamos uma parte suficiente para preparar os extratos.

Agência FAPESP – Como era escolhido o material que seria coletado?
Dulce Helena – Fazíamos coletas aleatórias abrangendo a maior quantidade de espécies possível, mesmo porque realizamos esse trabalho dentro do projeto Biota-FAPESP, que é focado na biodiversidade. Podemos dizer que atiramos para todos os lados para colher espécies vegetais. Também direcionamos algumas coletas para espécies de interesse específico de um pesquisador ou de um estudante que estivessem desenvolvendo um trabalho a respeito.

Agência FAPESP – Que tipo de material era coletado?
Dulce Helena – Folhas, galhos, flores e raízes. As raízes não foram muito coletadas, porque a sua retirada pode provocar a morte da planta. O material foi secado, triturado e extraído com solventes orgânicos. Escolhemos o etanol por ser um solvente de alta polaridade, o que faz com que extraia a maior parte dos constituintes químicos. O etanol também é um produto barato e não tão agressivo ao meio ambiente. A outra opção como solvente seria o metanol, mas que é bem mais poluente e caro. Outro motivo dessa escolha foi o de padronizar a obtenção dos extratos e, com isso, poder, em coletas posteriores, comparar os extratos obtidos.

Agência FAPESP – Como esses extratos foram trabalhados?
Dulce Helena – Inicialmente, fizemos ensaios biológicos para ver quais extratos se mostravam mais interessantes, com atividades mais pronunciadas. Esses foram selecionados para uma etapa posterior de estudos. Cada extrato foi então entregue a um aluno de pós-graduação ou de pós-doutorado, para fazer todo o processo de separação e de purificação de seus compostos, levando à obtenção de substâncias puras. É a substância pura, principalmente, que possui um alto valor agregado e que pode servir de protótipo para o desenvolvimento de agentes terapêuticos. Isso é a base de nossa conversa com empresas do ramo farmacêutico, por exemplo. Nessa etapa, é crucial o uso de equipamentos sofisticados para a identificação das substâncias isoladas, como espectrômetros de massas e de ressonância magnética nuclear. Sem eles, todo o trabalho fica comprometido.

Agência FAPESP – Como é feita a identificação dos extratos mais promissores?
Dulce Helena – Temos alguns colaboradores da área farmacêutica com ensaios já montados em seus laboratórios. Nós enviamos as amostras a eles, para análise. Alguns ensaios mais simples, como a avaliação de atividade antioxidante, fizemos em nosso próprio laboratório no Instituto de Química. Já para a detecção de agentes antitumorais e de atividade tripanocida, relacionada ao combate da doença de Chagas, por exemplo, tivemos colaboradores que realizaram as avaliações e forneceram os resultados. Foi com base nesses resultados que selecionamos as amostras mais interessantes.

Agência FAPESP – Cada amostra foi submetida a ensaios de várias bioatividades?
Dulce Helena – Tentamos fazer uma avaliação bastante completa. A orientação para os alunos é que toda fração obtida fosse encaminhada para o maior número de ensaios possível. Não conseguimos enviar todas para todos os bioensaios, porque algumas frações foram obtidas em quantidades muito pequenas. E, ao se purificar uma substância, a quantidade dela se torna ainda menor, algumas da ordem de 2 ou 3 miligramas. Às vezes você consegue fazer somente um bioensaio e ela acaba.

Agência FAPESP – Nesse caso, como selecionar o bioensaio a ser empregado?
Dulce Helena – O acompanhamento do orientador tem que ser muito próximo, de modo a verificar quais bioensaios são os mais adequados. Em alguns casos, conseguimos fazer a avaliação de uma única bioatividade. Com base nesse estudo dirigido, as bioatividades vão sendo avaliadas e, conforme os resultados, selecionamos as amostras mais interessantes. Com isso, chegamos às substâncias purificadas e que podem ser as eventuais responsáveis pela bioatividade observada no início do trabalho com aquele extrato.

Agência FAPESP – Descobrir um extrato bioativo de uma planta já não seria o suficiente?
Dulce Helena – Você tem o extrato bruto, que pode ser bioativo. Mas ele é uma mistura enorme, de mais de mil substâncias, por exemplo. Por meio do processo de fracionamento conseguimos purificar até chegar à substância pura, que pode ser pelo menos uma das responsáveis pela bioatividade que observamos no extrato bruto.

Agência FAPESP – Muitas das plantas que forneceram extratos já não são conhecidas na medicina popular?
Dulce Helena – É importante ressaltar o papel das plantas medicinais que normalmente são usadas em forma de chá – que é uma mistura de uma quantidade enorme de substâncias e que, muitas vezes, funciona. Em um chá talvez tenhamos uma, duas, dez substâncias que confirmam a bioatividade que estávamos esperando. Então esse estudo serve também para confirmar, ou não, a eficácia das plantas medicinais.

Agência FAPESP – Só foram analisadas espécies inéditas na literatura científica?
Dulce Helena – Não. Muitas delas já haviam sido analisadas. Nós repetimos o trabalho porque, mesmo com estudos anteriores realizados, podemos descobrir novas atividades para um mesmo extrato. Por isso, não nos preocupamos com o fato de as espécies já terem sido coletadas ou não.
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FONTE : Fábio Reynol, da Agência FAPESP, publicada pelo EcoDebate, 28/06/2010

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