Em 1949, o naturalista mineiro Frederico Carlos Hoehne (1882-1959), fundador do Jardim Botânico de São Paulo, publicava o livro Iconografia de "Orchidaceas do Brasil", que viria a ser um dos maiores clássicos da botânica no país. Mais de seis décadas depois, a obra de 640 páginas acaba de ser relançada pelo Instituto de Botânica de São Paulo (IBt).
De acordo com Fábio de Barros, pesquisador do IBt que atua na Seção de Orquidário do Jardim Botânico desde 1981, a nova edição é praticamente uma reimpressão do original, com o acréscimo de apenas um prefácio. Se o livro não recebeu uma atualização, do ponto de vista taxonômico, por outro lado manteve integralmente seu valor histórico.
"Trata-se de um livro que marcou época. Foi o primeiro livro abrangente sobre o tema a ser de fato publicado no país. A ideia de Hoehne era fazer um apanhado sobre as orquídeas do Brasil, com uma organização sistemática, ilustrando pelo menos uma espécie de cada um dos gêneros. Foi um trabalho de extrema importância", disse Barros à Agência Fapesp.
Segundo Barros, a edição original está fora de catálogo desde o início da década de 1980. Em sebos de São Paulo ou em sites de vendas de objetos usados na internet, a rara obra pode ser adquirida por valores que vão de R$ 900 a R$ 1.700 reais. A nova impressão custa R$ 200 e pode ser adquirida pelo correio, ou diretamente no IBt.
No livro, Hoehne se dirige a colecionadores de orquídeas, explicando em detalhes como identificar, cultivar, colher, embalar e transportar as plantas. Segundo Barros, o botânico era fascinado pelas orquídeas, às quais se referia como "rainhas da floresta".
"Ele procura traduzir para os orquidófilos - e não necessariamente para especialistas - múltiplos aspectos do conhecimento sobre as orquídeas. Por causa dessa abordagem, o livro se tornou uma referência para orquídeas no Brasil. Hoehne alcançou seu objetivo, que era facilitar o reconhecimento dos gêneros e popularizar as orquídeas", declarou.
Antes da obra de Hoehne, o botânico João Barbosa Rodrigues (1848-1909) havia concebido uma iconografia das orquídeas, que seria editada em francês, de acordo com Barros. Mas Rodrigues nunca conseguiu publicar a obra, que foi lançada apenas em 1996, por iniciativa de uma editora da Suíça.
O livro de Hoehne, que segundo Barros tem um caráter mais técnico que propriamente científico, tem o diferencial de abordar o tema por vários aspectos. "Ele teve o cuidado de não se limitar à taxonomia vegetal e à identificação e descrição das plantas. Há um capítulo, por exemplo, sobre a distribuição das orquídeas no país. E ele faz isso em um tom interessante, descrevendo as espécies como se estivesse fazendo uma viagem por várias regiões", disse Barros.
Outra característica especial do livro, segundo Barros, é que Hoehne procura popularizar o uso das orquídeas em esferas que fogem ao convencional. Um dos capítulos discorre sobre o uso das orquídeas em ornamentação. "Mas ele não trata do uso da planta em si como ornamento e sim das aplicações de seus formatos e cores em design de objetos. Ele faz, por exemplo, propostas de azulejos, pisos e enfeites com ornamentação inspirada nos padrões das orquídeas", explicou.
Pioneirismo ambiental
De todos os aspectos inovadores da obra, um chama a atenção pela atualidade: em várias partes do livro, segundo Barros, o autor faz comentários sobre a destruição das matas e sobre a necessidade de preservação ambiental. "Isso não era algo trivial no meio do século 20. Hoehne foi verdadeiramente um pioneiro em relação à preocupação com a conservação do meio ambiente", disse Barros.
Outra preocupação pioneira de Hoehne, segundo Barros, era a divulgação da ciência para o grande público. Isso fica evidente no livro, em várias referências feitas às excursões que o botânico organizava para atrair o público e transmitir conhecimento sobre as orquídeas. Hoehne também publicou um número imenso de artigos de divulgação em jornais.
"Quando foi convidado pelo governo paulista, em 1928, para implantar o horto botânico que viria a ser o embrião do atual Jardim Botânico, sua primeira iniciativa foi o estabelecimento de uma estrutura para um orquidário. Ele justificava isso dizendo que as orquídeas eram plantas que chamavam a atenção do público e que o orquidário atrairia pessoas para visitação - o que revela uma visão muito moderna", declarou Barros.
De acordo com Barros, a Iconografia de Orchidaceas do Brasil é uma expansão do Álbum das Orchidaceas Brasileiras e o Orchidário do Estado de São Paulo, lançado em 1930, na ocasião da fundação oficial do orquidário paulistano, para ser distribuído entre os visitantes.
"Em grande parte, esses dois livros são responsáveis pela popularização das orquídeas. Hoje, só a cidade de São Paulo tem quatro associações de orquidófilos diferentes. Desenvolveu-se uma cultura em torno da planta, que é bastante atraente, pois a maioria das espécies cultivadas é muito extravagante", afirmou.
Nascido em Juiz de Fora (MG) em 1882, Hoehne foi autodidata e começou a trabalhar no Rio de Janeiro como jardineiro. Profundamente dedicado a estudos de botânica, atuou no Museu Nacional, na capital fluminense, e na Comissão Rondon, com a qual excursionou pelo Brasil, responsabilizando-se pelas coleções de plantas.
Em 1917, Hoehne foi convidado pelo diretor do Instituto Butantan, Vital Brazil (1865-1950), para criar um horto botânico para estudos de plantas medicinais em São Paulo, onde se instalou. Em 1928 responsabilizou-se pela implantação de um novo horto botânico na Zona Sul da capital paulista. Ali nasceu o Jardim Botânico de São Paulo, fruto de um projeto de sua autoria.
Entre 1938 e 1941, Hoehne foi diretor-superintendente do Departamento de Botânica do Estado de São Paulo. Em 1942, tornou-se o primeiro diretor do Instituto de Botânica, cargo que manteve até 1952.
Em sua trajetória, Hoehne publicou cerca de 117 trabalhos científicos, 478 artigos em jornais e revistas e proferiu inúmeras palestras, conferências e cursos nas diversas áreas de botânica, além de editar quatro livros infantis.
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FONTE : Agência Fapesp/EcoAgência
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