A agricultura é a primeira vítima da crise hídrica em São Paulo, Minas e Rio. Mas sobrará ainda para a indústria
O colapso iminente dos reservatórios de água nas duas regiões mais populosas de São Paulo e as perspectivas reais de racionamento em Minas Gerais e Rio de Janeiro colocam em xeque o planejamento dos governos federal e estaduais, além de expor o total despreparo no enfrentamento de situações de crise. Ao menos 40 milhões de brasileiros deverão sofrer com problemas de abastecimento ao longo de 2015. Para a economia, já combalida pelo desaquecimento do mercado internacional e pelas medidas de austeridade do ministro Joaquim Levy, risco cada vez mais forte de recessão cresce à vista da queda de produção na agriculturadeve ser arrastada para a recessão causada pela queda de produção na agricultura e nos setores industriais altamente dependentes da água. A única certeza é a inexistência de um plano de emergência caso o problema se agrave ainda mais.
Responsável por 30% da riqueza nacional, São Paulo deve guiar o País no caminho recessivo. Governados pelos tucanos há 20 anos, os paulistas receberam garantias de que não faltaria água em 2015. Em tempo de campanha eleitoral, Geraldo Alckmin deixou de lado todas as informações técnicas e garantiu o abastecimento sem necessidade de racionamento. Menos de um mês após o início do novo mandato, as promessas ruem e o futuro imediato apavora. Na melhor das hipóteses as regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas terão água até março. A previsão da Sabesp é de que a partir de abril o paulistano e o campineiro fiquem cinco dias sem água e apenas dois dias com as torneiras funcionando. A própria companhia de abastecimento defendia o racionamento em janeiro de 2014 para evitar o caos de agora. Na capital, dois terços da população sofrem com a falta de água há 30 dias, revela o Ibope.
Como a lei garante prioridade ao abastecimento humano, a agricultura e a indústria devem ser diretamente impactadas. Apenas no setor de hortifrútis a restrição do uso de água deve afetar 50% dos produtores. A queda na produção deve comprometer futuros investimentos e causar pressão inflacionária, por causa do aumento dos preços de alimentos. Como o governo sonegou informações precisas sobre a situação hídrica, os empresários não puderam se preparar adequadamente, queixa-se a Federação das Indústrias de São Paulo.
Responsável por 60% do PIB do estado, a indústria prevê queda na produção, redução de investimentos e demissões. “Em Campinas, o setor representa 30% da economia. Na Grande São Paulo, 25%. O impacto é direto. Estamos tentando quantificar o tamanho do prejuízo”, afirma o vice-presidente da Fiesp, Nelson Pereira dos Reis. Na região de Campinas, o cenário é ainda pior, uma vez que uma resolução do Departamento Estadual de Água impõe redução de 30% na captação das indústrias quando o Cantareira atingir 5% de sua capacidade. Na quinta-feira 29, o reservatório estava com 5,1%.
Um levantamento realizado pela Fiesp, em parceria com o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), detalha as expectativas do empresariado. De 413 companhias paulistas consultadas, 67% afirmam temer o racionamento e 54% informam não possuir fontes alternativas. Para o diretor do Ciesp de Campinas, José Nunes Filho, a situação é gravíssima. “Entraremos no próximo período de estiagem com as reservas praticamente esgotadas.” Essa metrópole abriga o segundo maior parque industrial do País. Entre os setores mais afetados estão o alimentício, o farmacêutico e a indústria química. O Polo Petroquímico de Paulínia pode ser atingido, pressionando ainda mais os preços de combustíveis.
No Rio de Janeiro, o cenário também inspira preocupação. Dos quatro reservatórios instalados no Rio Paraíba do Sul, dois deles atingiram o volume morto. Eles integram o Sistema Guandu, responsável pelo abastecimento de 12,3 milhões de habitantes, três quartos da população fluminense. O problema já forçou o desligamento de duas hidrelétricas: uma com capacidade instalada de 87 megawatts e outra, com 56,1 megawatts. Para suprir o déficit, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) teve de remanejar energia de outros polos geradores.
A maior preocupação dá-se, porém, com o abastecimento de água. Além dos reservatórios que atingiram o volume morto, as outras duas represas do Sistema Guandu continuam com níveis muitos baixos. Jaguari mantinha-se em 1,72% das reservas úteis até a quarta 28, enquanto Funil estava abaixo de 4%. Apesar dos sinais de alerta, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, descarta, por ora, um racionamento. Em vez disso, apela para a população economizar. “A gente vai intensificar o ritmo das obras e torcer muito para que comece a chover, para que a gente não precise tomar medidas mais drásticas”, afirmou, na quarta-feira 28.
A falta de água já traz impactos para 30,6% das empresas fluminenses, revela uma pesquisa da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. No levantamento, foram consultadas 487 companhias, que empregam 58,9 mil operários. Dentre as empresas afetadas, metade relatou sofrer com o aumento de custos, 29,8% tiveram de interromper ou paralisar a produção e 6% dispensaram mão de obra. A oferta de energia é outro fator de apreensão.
Após o apagão que deixou 3 milhões de brasileiros sem luz em 19 de janeiro, o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, arriscou-se à rouquidão para tentar convencer os empresários de que não falta eletricidade no País. O blecaute foi atribuído a falhas técnicas. Em quatro anos, a capacidade do parque gerador brasileiro aumentou em 15,9 mil megawatts, sobretudo após o início das operações das usinas de Santo Antônio e Jirau. Mas com as hidrelétricas do Sudeste ameaçadas o racionamento não é descartado. “Mantido o nível de hoje, temos energia para abastecer o Brasil. É obvio que se houver mais falta de água, se passarmos do limite prudencial de 10% dos nossos reservatórios, estaremos diante de um cenário que nunca foi previsto em nenhuma modelagem”, admitiu Braga. Na quinta 29, o nível médio dos reservatórios das regiões Centro-Oeste e Sudeste era de 16,8%.
Na agricultura, os impactos já são visíveis. No último trimestre, os produtores rurais do Rio de Janeiro acumularam perdas de 100 milhões de reais. A estiagem prolongada provocou a morte de 2 mil cabeças de gado nas regiões Norte e Noroeste do estado. “Somente a produção de leite teve uma queda de 20%”, comenta o secretário estadual de Agricultura, Christino Áureo. “Sem chuvas para uma reposição mínima dos reservatórios nos próximos meses, os prejuízos serão gigantescos.” O Banco Mundial emprestou 30 milhões de reais para socorrer 13 mil produtores. Em contrapartida, o governo fluminense liberou 23 milhões. Os recursos serão investidos em poços, açudes e barragens.
Segundo a Confederação Nacional da Agricultura, ainda não há como mensurar os impactos sobre a produção agrícola brasileira, pois a colheita das culturas de verão não terminou. “Nas regiões mais afetadas, é quase certa uma queda na produtividade, com efeito cascata sobre as cadeias produtivas dependentes. Com o milho mais caro, aumentarão, por exemplo, os custos de produção dos pecuaristas com ração animal”, explica o engenheiro agrônomo Nelson Ananias, assessor técnico da CNA.
Em Minas Gerais, o governador Fernando Pimentel, do PT, diz ter herdado uma bomba-relógio dos tucanos, que governaram o estado por 12 anos. Ao longo de 2014, o antecessor Antonio Anastasia, senador eleito pelo PSDB, esmerou-se em minimizar a crise. Ao menos 88 municípios mineiros já sentem na pele a falta d’água. Desses, dois estão em situação de colapso e 63, em iminente colapso. A nova direção da Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais (Copasa) alerta que a situação de 31 cidades metropolitanas, entre elas Belo Horizonte, é “extremamente preocupante”, e pediu à população para reduzir o consumo em 30%.
“Se não chover, se o consumo não cair e se a vazão não aumentar em três meses, vamos ter de racionar severamente”, admitiu Pimentel, após um encontro com Dilma Rousseff, na quarta-feira 28. O governador foi à Brasília em busca do apoio do governo federal para obras emergenciais, como a que prevê a captação de água do Rio Paraopeba para o Rio Manso. Segundo o Ministério do Planejamento, o governo já disponibilizou 9,8 bilhões de reais para obras de infraestrutura hídrica no Sudeste. Dos recursos do PAC, 5,7 bilhões de reais vão para São Paulo, 2,5 bilhões para Minas e 1,1 bilhão para o Rio.
O problema é que esse conjunto de obras pode demorar anos para ficar pronto, e até o momento nenhuma esfera de governo apresentou um plano de emergência para o possível agravamento da crise em 2015. Wagner Soares Costa, gerente de meio ambiente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, queixa-se do descaso das autoridades. “Temos representação nos conselhos das bacias hidrográficas mineiras e vínhamos alertando sobre essa situação há três anos, mas pouco foi feito.”
De acordo com Costa, as pequenas e médias empresas urbanizadas serão as primeiras a sofrer o impacto da falta de água em Minas. Mas também prevê dificuldades para setores que fazem uso intensivo da água, como mineração e siderurgia. “As maiores empresas têm sistemas de reaproveitamento de água. A média de reúso na mineração gira em torno de 80%. Na siderurgia, é próximo de 90%. Mas, se houver perda de vazão nos cursos d’água explorados, essas indústrias também sofrerão.”
O secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas, Altamir Rôso, diz estar à procura dos empresários ameaçados para traçar planos emergenciais. Como o parque industrial mineiro é diversificado e a seca é mais agressiva em algumas regiões do estado, será preciso buscar soluções focadas para minimizar os efeitos da crise, analisa. “Caso não chova nos próximos meses, poderá haver a redução ou interrupção de algumas atividades industriais, porque a legislação é muito clara em dar prioridade ao abastecimento humano”, alerta Rôso. “Temos de ser realistas. Se faltar água, é bem possível uma retração no PIB mineiro em 2015.”
* Colaborou Fabio Serapião.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.
(Carta Capital)
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