Rio de Janeiro, Brasil, 19 de novembro de 2012 (Terramérica).- O estilista brasileiro Almir França levou a moda da exclusividade das passarelas à realidade de uma favela, para demonstrar que estilo, tendência e comportamento também nascem desses bairros pobres de cidades como o Rio de Janeiro. A favela da Mangueira, onde vivem cerca de 18 mil pessoas, não se parece com Milão, nem com Paris.
Até há pouco tempo palco da violência do narcotráfico e hoje em processo de pacificação (como parte de uma estratégia de repressão e investimento social do governo), poucas ruas estão pavimentadas, a maioria das casas não tem reboque e a roupa entre as mulheres é um pequeno short ou uma calça justa. “Somos nós que fazemos a moda; tudo o que usamos aqui no morro na semana seguinte já tem alguém usando lá fora”, disse ao Terramérica uma de suas moradoras, Vanessa de Oliveira.
Uma trança diferente, um estilo de calçado, um detalhe de bordado na blusa ou qualquer ideia que nasça em um bom dia de uma mulher do morro, logo vai parar do outro lado do mundo, o “lá fora” de Vanessa. Esse detalhe se espalha rapidamente pela cidade porque “o povo do morro tem muita criatividade; não temos medo de ser ousadas; não nos importa o que os outros dirão. Se uma usa algo, se olha no espelho e se sente bonita, nada mais importa”, afirmou.
Seus conceitos parecem opostos aos da Semana da Moda, que acontece no Rio de Janeiro na primavera, aterrissando em um calor de mais de 30 graus suas cores e texturas do forte inverno europeu. “Há várias lutas políticas, e uma é construir nossa identidade. Vamos usar os tecidos de outras culturas, pensando em outras geografias e temperaturas? Qual é a indústria têxtil que queremos?”, questiona o estilista Almir França em entrevista ao Terramérica.
Almir busca respostas no projeto EcoModa, que coordena no morro da Mangueira. Na comunidade onde nasceu a Escola de Samba Mangueira, a iniciativa leva aulas de corte e costura, modelagem, bordado e desenho para 150 estudantes. “A ideia é reconhecer que a moda do Brasil nasce na periferia, nos subúrbios. Ao contrário do que se acredita (que é uma coisa muito elitista, uma visão parisiense, uma coisa inventada na Europa), no Brasil, moda e comportamento são estabelecidos pela maioria da população”, destacou o estilista.
A entrevista aconteceu na sede do curso, que conta com apoio da Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio de Janeiro. Uma parede forrada com papel reciclado dos camarotes das escolas de samba, e o verde e rosa, cores da alma e do coração desse símbolo do carnaval carioca, cobre outra parede cheia de flores. As cadeiras, resgatadas do lixo, agora revivem com capas recuperadas das sobras de alguma empresa têxtil. Vanessa é uma das alunas de costura. Aproveita o curso para confeccionar um vestido que sua filha usará em uma apresentação na escola.
Outras estudantes têm aula de desenho, costura, modelagem, bordado e estamparia. O conceito comum é reutilizar materiais e causar o menor impacto possível ao meio ambiente. Procuramos “inculcar nos alunos que é possível reciclar e que a criação nem sempre surge de algo novo; que a moda não tem de ser consumismo, que é possível transformar”, explica ao Terramérica a diretora administrativa da EcoModa, Vanessa Melo. A indústria têxtil apresenta um grande desperdício de materiais. Para fabricar uma camisa, por exemplo, se perde 20% do tecido.
A EcoModa trabalha com esses materiais descartados pela indústria, e com as lantejoulas e plumas que sobram do carnaval, garrafas e embalagens plásticas e até cartazes. “A grande luta do ser humano hoje é a sobrevivência, e as questões ambientais estão vinculadas com ela”, disse Almir. “Nosso trabalho é recuperar tudo que é perdido”, acrescentou Vanessa Melo. E entre o perdido também está a autoestima das mulheres da favela, marcadas pelo estigma do sujo, pobre e violento.
Porém, muitas alfinetadas e cortes de tesoura das grandes peças de confecção, com as quais as modelos “top” desfilam, foram feitos em modestas mesas de trabalho de costureiras das favelas. “Os que constroem de verdade a moda são estas costureiras. Por isto, na construção de nossa identidade também buscamos uma moda que, além de um processo criativo, também compreenda o ambiental e a inclusão social”, explicou Almir.
O curso EcoModa “caiu do céu” para Andrea Ferrancini, quando mais necessitava de uma nova fonte de renda. Ela se entusiasma com a possibilidade de formar uma cooperativa, seguindo os princípios da economia solidária. “A nossa é uma moda da resistência, da visibilidade, de uma concepção que nasce da estética como mudança social”, enfatizou Almir. A EcoModa também busca marcar distância com a indústria mundial da moda, que utiliza mão de obra barata ou mesmo semiescrava para baratear custos.
“Em outros lugares, as pessoas são escravizadas e convertidas em simples apertadores de parafusos. Nós queremos tornar partícipes as pessoas de todo o processo de criação, produção e obtenção de lucro”, pontuou Ingrid Geromilich, gerente de territorialidade e cidadania da Secretaria de Meio Ambiente. “Não queremos criar um selo verde solidário para explorar mão de obra barata, mas que estas pessoas sejam protagonistas de suas próprias histórias”, afirmou ao Terramérica.
Janice Lima quer ser parte desse processo. Revendedora de cosméticos em domicílio, tem aulas para “ter a oportunidade de uma profissão”. As mulheres apenas levantam as cabeças das máquinas de costura, os papéis com desenhos, as tesouras, os retalhos. O produto final será usado por jovens modelos do morro em um desfile organizado pela unidade policial que trabalha em ações de pacificação na Mangueira. Será a primeira vez que a passarela não estará em Paris, Milão ou na exclusiva área costeira da cidade.
********************************
FONTE : Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário