artigo de Raul do Valle
Desde outubro o Brasil tem uma nova lei florestal: a Lei Federal nº 12.651/12. Fruto de intensa e bem organizada mobilização de setores do agronegócio, insatisfeitos com a obrigação de ter de cumprir o Código Florestal até então vigente, ela nasce com objetivo certo: legalizar atividades agropecuárias irregularmente situadas em áreas ambientalmente protegidas. Ou, na linguagem do agronegócio, trazer “segurança jurídica”.
É fundamental entender suas consequências, como ela pretende conferir aos produtores rurais a tão desejada segurança jurídica e qual o custo para toda sociedade.
A primeira coisa que salta aos olhos é que teremos dois padrões de cidadãos: os que respeitaram as regras até então vigentes (Código Florestal antigo) e os que não respeitaram. Os primeiros, independentemente do tamanho de seu imóvel, terão de manter 50 metros de florestas ao redor de nascentes, 30 metros ao largo dos pequenos rios, respeitar a vegetação dos topos de morros e encostas e manter, no mínimo, 20% de seu imóvel protegido como reserva legal. Os outros não precisarão ter florestas em topos de morros e encostas, terão só 15 metros ao redor de nascentes e, dependendo do tamanho do imóvel, poderão nem ter mata ciliar ao largo dos pequenos rios ou reserva legal. É como se uma nova lei do Imposto de Renda reduzisse a alíquota apenas aos sonegadores.
O que ganham os que sempre estiveram dentro da lei? Nada. Para eles não há qualquer compensação concreta que lhes premie por haver preservado nascentes e rios situados em seus imóveis. Pelo contrário, quem tiver 30% de sua área preservada estará dentro da lei tanto quanto alguém que tenha 3%, mesmo sendo vizinhos. Para os últimos, há tampouco qualquer incentivo concreto que lhes convença a ter uma árvore a mais do que o mínimo (bem mínimo) exigido em lei.
Não se trata apenas de um problema moral, mas também de uma bomba ambiental. Apesar de a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), grande entusiasta da nova lei, repetir que o Brasil tem mais de 60% de vegetação nativa preservada, a verdade é que esta se encontra majoritariamente na Amazônia, na Caatinga e no que restou do Cerrado.
No centro-sul do país, a situação é diametralmente oposta. Temos hoje pelo menos 38 bacias hidrográficas, nas quais vivem mais de 50% da população brasileira, com menos de 20% de vegetação nativa. Algumas delas têm menos de 5%. Nessas regiões já há problemas ambientais permanentes, aos quais vamos nos acostumando, assim como ao trânsito nas cidades, mas que de maneira alguma devem ser encarados como normais: nascentes secas, rios assoreados, morros desabados, espécies extintas. Tudo decorrência de um desmatamento desmedido (e ilegal) no passado. Com a nova lei, e a anistia nela embutida, não teremos mais os meios legais para tentar trazer essas regiões para um patamar mínimo de conservação, algo só possível com o reflorestamento.
Outro problema da nova regra será monitorá-la. Primeiro porque, com tantas exceções, praticamente não teremos mais um padrão a ser observado. Cada caso será um caso. Dois vizinhos terão de seguir regras totalmente diferentes, a depender do tamanho da propriedade e da época em que ela foi desmatada.
Além disso, não temos imagens de satélite em resolução suficiente, com cobertura para o país inteiro, para saber o que estava ou não desmatado em 2008, data estabelecida pela lei como linha de corte da anistia. Portanto, é provável que desmatamentos feitos após essa data, que mesmo pela nova regra deveriam ser punidos, acabem sendo anistiados.
Mesmo nas áreas ainda preservadas da Amazônia, o impacto será sentido e não devemos nos espantar se o desmatamento aumentar nos próximos anos. Não só porque muitas regras de proteção à floresta foram flexibilizadas (mais de 400 mil km² de florestas de várzea ficaram sem proteção), mas também porque a sinalização dada pela nova lei é de que uma nova anistia será concedida no futuro.
A nova legislação tem de ser cumprida. A questão é saber como o proprietário rural, que acreditou que ela traria “clareza” e “segurança jurídica”, vai compreender uma regra que trata vizinhos de forma totalmente diferente. Mesmo assim esperamos que os setores representativos do agronegócio, que finalmente têm uma lei para chamar de sua, ao menos ajudem a implementá-la.
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FONTE Raul do Valle é Advogado e coordenador de Política e Direito Socioambiental do Instituto Socioambiental (ISA)
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense e socializado pelo ClippingMP.
Fonte: EcoDebate
Um comentário:
Um verdadeiro ambientalista é um idealista. Um idealista não pode aceitar, nem muito menos defender coisas injustas, irracionais, insustentáveis e ineficazes.
À primeira vista, as críticas do Sr. Raul parecem ter fundamento, pois todas as Leis ambientais realmente punem quem preservou ao não permitir o uso econômico nem prover o Pagamento pelos Serviços Ambientais - PSA prestados pelas Áreas Preservadas e aparentemente premiam quem desmatou ao permitir o uso econômico das áreas degradadas.
A manipulação está no fato de induzir a pensar que o erro está em permitir o uso econômico e esconder os verdadeiros erros que são os fatos de: não prover o PSA; irracionalidade e falta de critérios técnico-científicos; impor aos rurais todo o ônus da preservação que é necessária para compensar o Impacto Ambiental causado pelo consumismo irresponsável dos urbanos, que nada preservam e nada pagam pelo Impacto Ambiental que causam, etc.
Esta manipulação é um desserviço ao verdadeiro ambientalismo, pois coloca a opinião pública no caminho errado.
Sempre que alguém ou um grupo toma atitudes incoerentes e inexplicáveis, com certeza tem algum interesse que não está explícito, mas que explicaria o que parece inexplicável.
O que o Sr. Raul do Valle não explica é por que os supostos ambientalistas defendem coisas injustas como o antigo Código Florestal de 1965 – CF/65 que era:
I) ilegítimo, arbitrário e autoritário, feito e radicalizado ignorando a Sociedade;
II) Retroativo para prejudicar o “réu”;
III) SOCIALMENTE INJUSTO, ao impor aos rurais todo o ônus da Preservação;
IV) irracional, sem fundamentos técnico-científicos;
V) InSustentável, portanto Ineficaz e inaplicável;
VI) Estimulador de invasões e criminalidade no campo ao inviabilizar os empreendimentos legais;
VII) Estimulador de invasões e criminalidade nas periferias das cidades ao inviabilizar a ocupação residencial sustentável;
VIII) Punitivo com quem Preservou ao impedir o uso econômico;
IX) prejudicial ao Brasil, pois os demais países não tem APPs e RLs;
X) prejudicial ao Brasil, pois nossas APPs e RLs NÃO TEM DIREITO AOS CRÉDITOS DE CARBONO DO MDL nem ao Justo Pagamento por Serviços Ambientais - PSA;
Infelizmente o Novo Código Florestal – CF/2012 só corrigiu os itens I e II. O resto continua praticamente igual.
Estes supostos ambientalistas, além de não lutar para corrigir o CF/1965, agora criticam as poucas coisas que o CF/2012 corrigiu. Inexplicável.
Resta saber qual era o verdadeiro interesse destes supostos ambientalistas, que explicaria o que parece inexplicável.
A Conservação é essencial, mas tem que ser Justa, Sustentável, Racional e Eficaz.
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