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quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Reconstruindo a trilha da educação ambiental em parques e reservas na Amazônia, artigo de Kelly Souza

(Kelly Souza1. Mestranda em Educação. UFMT – GPEA.)

INTRODUÇÃO
Você já esteve participando de alguma atividade que envolvesse a proteção de alguma espécie ameaçada de extinção? Quantas vezes você esteve visitando um parque? Caminhou numa trilha pela floresta? Essas atividades extraclasses são planejadas por professores de ciências, biologia e buscam conhecer como funciona o ecossistema, por exemplo, de um parque. Durante essas práticas de educação ambiental buscou-se interagir com os visitantes e as comunidades de modo participativo. Relacionando os aspectos sociais, culturais e econômicos da região onde vivem.
Os parques no Brasil foram criados com a finalidade de proteger as espécies ameaçadas de extinção, assim como seu o habitat. Segundo Araujo (2007) no início da década de 70 as unidades de conservação, eram identificadas pelo Projeto RADAM (1968-1978). Entre os critérios para criação eram consideradas somente as características da região a falta de aptidão econômica. Posteriormente, os critérios científicos foram incluídos como indicadores para a escolha destas áreas protegidas. Entretanto, outros critérios foram adotados para a criação das unidades de conservação como a presença das populações locais. Homens e mulheres que manejam a partir da sua cultura e seu modo de vida os recursos naturais. Conhecidos como extrativistas, os seringueiros encontram através da política ambiental o seu direito ao uso exclusivo dos recursos naturais com a criação das Reservas Extrativistas (RESEX), de acordo com a Lei nº 7.804.
Este breve relato sobre as diferenças entre as reservas e parques, nos ajuda a entender como foi instituída a educação ambiental nestes espaços naturais. Entretanto, precisamos entender o papel desta educação ambiental, está sendo planejada com ou para as comunidades? A educação ambiental proposta no SNUC é desenvolvida de acordo com a categoria de manejo das unidades de conservação baseado nos Programas de Educação e Interpretação Ambiental (SNUC, 2000).
Segundo Vasconcelos (2004, p. 16, 23) estes programas funcionam como elos entre as áreas protegidas com estas unidades de conservação e as pessoas. E depende diretamente das categorias de manejo, das suas categorias e objetivos de criação. Sendo que existem diferenças entre a educação e a interpretação ambiental. Neste caso a interpretação ambiental tem o objetivo de estimular as pessoas a entenderem como funcionam o seu ambiente e geralmente estas vivências acontecem, por exemplo, em parques e refúgios de vida silvestre. As reservas, por exemplo, as comunidades locais conhecem e dependem desses ambientes naturais, utilizam os recursos naturais para a subsistência. Contudo, a caça e pesca predatória, a retirada de madeira ilegal, são exemplos de alguns crimes ditos ambientais. Para proteger essas grandes áreas destes crimes, as comunidades locais começam a ser envolvidas em ações para proteger as espécies ameaças de extinção como o peixe-boi da Amazônia, Trichechus inunguis e sauim-de-coleira, Saguinus bicolor.
mais recentemente percebeu-se que este enfoque é pouco efetivo para a conservação de espécie, já que nenhuma espécie pode ser conservada independentemente de seu ambiente”. Primack e Rodrigues, 2001, p.136
É necessário envolver as comunidades que vivem dentro ou ao entorno destas áreas. Com certeza é uma atitude correta, mas precisa considerar a identidade cultural, social e planetária (Morin, 2003). Durante as oficinas de capacitação com os agentes ambientais voluntários na Reserva de Desenvolvimento Sustentável em Amanã, no município de Tefé no estado do Amazonas. Os homens e mulheres desta região relatavam o processo de escassez do pirarucu e do próprio peixe-boi. Em outras épocas a cheia comprometeu a produção de farinha, pois os roçados são atividade de subsistências, mas um momento de festas e encontros entre as comunidades. Segundo os relatos dos agentes da Reserva Extrativista Catuá-Ipixuna, no mesmo município, a falta de pirarucu, provocou que as comunidades locais a definissem com regras, a proibição da pesca inclusive para subsistência por um ano. Depois de um ano, os comunitários observaram o aumento da população de pirarucu. Outro relato de outro grupo de agentes ambientais voluntários no sul do estado do Amazonas, observaram o aumento na quantidade de quelônios e infelizmente o aumento de garimpos e a retirada de madeira ilegal.
Baseado nestas experiências com estas comunidades, concordamos com Brandão (2002) que este saber é ensinado e repassado entre os pequenos e grandes, a partir de suas festas, mitos, nas pescarias e na retirada da castanha. Esta maneira de ensinar entre eles como a natureza se comporta, faz parte do cotidiano. Nesta educação ambiental, este conhecimento é partilhado entre todos. As pessoas não param para falar apenas sobre o pirarucu, mas contam sobre a sua história que está interligado a sua cultura e suas crenças.
Baseado nestas experiências com os agentes ambientais voluntários no estado do Amazonas e com outros atores sobre a educação ambiental em unidades de conservação, começamos a reconstruir a trilha da educação ambiental na Amazônia, sendo este o tema central das discussões na mesa redonda deste Seminário de Estudos Biológicos em 2012, na Universidade de Mato Grosso. Assumimos a terceira pessoa do verbo, pois aqui vós fala também as cablocas e cablocos do Amazonas, que estiveram participando do processo de construção praxiológica e agora epistemológica.
RECONSTRUINDO A TRILHA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA
Nossa trilha foi planejada com a participação dos agentes ambientais voluntários que vivem em comunidades ao entorno e dentro das unidades de conservação no estado do Amazonas. Como estamos envolvidos neste processo de redefinição da educação ambiental, adotamos a pesquisa participante (Brandão, 2005), pois permite que aprendamos juntos e façamos parte da pesquisa. O pesquisador não está apenas como um expectador, mas torna-se o interlocutor ou aquele que torna visível a realidade.
Como iniciamos neste artigo, ao caminharmos por uma trilha admiramos a paisagem, falamos um pouco sobre o nome científico de algumas espécies ameaças de extinção. O jeito desta caminhada entre os educadores/educadoras ambientais que atuam em unidades de conservação é o dialogo com as pessoas que vivem nessas regiões.
Portanto, assumimos na trajetória desta trilha não iremos compartilhar conhecimentos, mas estaremos dialogando com estes homens e mulheres. Segundo, Freire (1997) ato de educar e ensinar exige disponibilidade de dialogar, sobre a sua realidade, sua história sua vida. Portanto, a educação e interpretação ambiental em parques ou reservas, devem consideram este diálogo, não apenas sobre o conhecimento científico, tecnológico, mas também sobre a sua região. Segundo, Ribeiro (2007, p. 888) no Parque Municipal do Mindu no programa de educação ambiental, tem buscado promover ao visitante um maior contato com a natureza, a partir das trilhas interpretativas. No momento da caminhada nas trilhas ecológicas chamadas de trilha da vida, das palmeiras, da cachoeira e outras regiões foram momentos onde guias e visitantes interagiam relatando as suas experiências e conhecendo melhor o parque. Portanto, buscou-se considerar além das questões ecológicas, os aspectos culturais e históricos da região. Muitos grupos como idosos, relatavam suas experiências e seus conhecimentos sobre a fauna e flora amazônica, assim com a história da região.
Neste primeiro ponto de parada em nossa trilha, observamos sentados se quisermos num banco um bando de macacos de guaribas, ecoando e pulando nos galhos das árvores. Começamos a falar com os agentes ambientais voluntários na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Tupé sobre a biologia destes animais. Por um instante, um suspiro, na forma de um desabafo. Um senhor com seus cabelos brancos, conta ao grupo, o encontro com um bando de Guaribas. No momento que atirou para matar o animal observou outro indivíduo, uma fêmea, que desce da árvore e grita sobre o animal morto. Depois, segue com o bando e seu filhote. O grupo para e reflete que a caça deve ser somente para nossa alimentação. Continuamos a nossa conversa sobre os animais silvestres que ali existiam, mas com certeza este relato foi algo que nos fez refletir.
Diferente da compreensão de Charles Darwin (2007), que entre seus métodos de pesquisas estava em analisar o comportamento dos pombos. Numa época que o indivíduo considerado para alguns cientistas como, de objeto de estudo ou pesquisa, estudado e analisado em partes (Descartes, 1989). Nesta moderna ciência, o objeto que poderá ser chamado de sujeito é detentor de uma identidade. Um ser humano que vive num mundo em completa transformação. Tudo está interligado é uma teia de relações culturais, sociais e ambientais, não nos esqueçamos dos preceitos religiosos.
Nesta parada aprendemos que a educação ambiental não é deve ser essencialmente biológica. Assim, como Freire (1997, p. 25) “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”. A educação ambiental nestes espaços naturais deve proporcionar estes momentos, não apenas de bem-estar, mas de reflexão e de buscar assim como Bachelard (1989, p. 211) afirma “o tempo e o espaço estão aqui sobre o domínio da imagem” é preciso “viver este espaço novo”. Este momento contemplativo da natureza nos coloca dentro deste mundo fazendo parte daquele espaço, vivendo a relação EU-OUTRO-MUNDO conforme a fenomenologia de Merleau-Ponty (1945).
Fatos, fenômenos podem ser descritos de acordo com o saber popular segundo Brandão (2006, p.30) afirma que homens e mulheres aprendiam uns com outros a cuidar da terra. Aprendiam nos ritos, aqueles que os sacerdotes ou pajés os convocavam, os mitos explicavam, por exemplo, sua própria origem. A educação ambiental nestas reservas deve considerar as relações e contexto de cada região. Considerando o saber local das comunidades tradicionais que vivem dentro destas reservas.
Nossa segunda parada aconteceu com agentes ambientais voluntários da segue na Reserva Extrativista Catua-Ipixuna, que entre seus marcos históricos no processo de criação, esteve o envolvimento das comunidades que garantiu o uso dos recursos naturais exclusivos aos extrativistas. O mesmo intuito foi criado a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Amapá, os comunitários buscaram legitimar o direito do uso dos recursos naturais. Os agentes ambientais voluntários da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Piagaçu Purus (Souza et al 2010), na história da criação da reserva foi impedir a entrada de barcos de pesca. A prática de retiram em grandes quantidades dos estoques pesqueiros e madeireiros comprometia a economia da região. Estes prejuízos causavam danos aos modos de vida destas comunidades. O homem que outrora exerce o ofício de pescador começa a também a realizar uma prática extrativista. A retirada da castanha gera conflitos sobre o direito do uso da terra. Este ciclo de problemas e conflitos ambientais causam mudanças no cotidiano das comunidades.
A educação popular presente no cotidiano das comunidades contribuiu na reformulação da educação ambiental na Amazônia. Portanto, concordamos com Sato (1997), esta educação está atrelada as questões sociais, políticas e ambientais. Neste processo de reconstrução epistemológica da educação ambiental em áreas naturais, respeitando as suas raízes, sua cultura, sua educação, sua religiões, este mundo dentro de tantos mundos.
Nesta terceira parada sentando numa roda, compreendemos que homens e mulheres necessitam contribuir neste processo de reformulação da educação ambiental popular dialógica. Por um lado reconhecemos a importância da realização de pesquisas sobre a biologia das espécies ameaçadas de extinção. Todavia, precisamos considerar os impactos ambientais e sociais que afetam cultura das comunidades.
Durante esta caminhada e reconstrução desta trilha da educação ambiental estivemos contemplando a floresta, conhecendo seus mitos, suas histórias. Bachelard (1989), nos convida a contemplar esta mesma floresta pela ótica da fenomenologia, da imaginação. Um botânico ao identificar as espécies de vitória-regia, anota todas as características da planta. Em seguida coleta as partes desta planta e identifica se existem outros invertebrados utilizando a planta como habitat. Este é o olhar de um especialista ou da cientista. Entretanto, uma mulher que navega em sua canoa pelos rios da Amazônia, ao olhar para a mesma vitória-régia. Lembrará-se da lenda que conta a origem da planta, sua importância medicinal e o período de sua floração. Estas duas pessoas tiveram experiências diferentes neste mundo. Cada pessoa tem o seu conhecimento que foi elaborado e construído a partir de uma planta no mundo.
Façamos uma pausa por um tempo nesta parte da trilha e começamos a entender que o olhar dos pesquisadores, dos educadores é muito diferente das pessoas que vivem nestas regiões da Amazônia. Portanto, a educação ambiental nas áreas protegidas precisa contemplar as duas óticas, a conservação dos recursos naturais, mas também o respeito ao conhecimento popular. A educação ambiental interligada com a educação popular nos ajudará a equilibrar os ecos, os anseios e as lutas. Neste processo de reformulação com os agentes ambientais voluntários, tínhamos a certeza que esta educação ambiental não apresenta uma única maneira de caminhar. A pesquisa participante (Brandão, 2005) nos permitiu fazer parte do processo, sem intervir na realidade de cada comunidade. Entretanto, os agentes e técnicos reconhecem que esta educação ambiental segue no desafio de tornar visível os problemas e conflitos ambientais.
POR QUE A TRILHA NÃO ESTÁ PRONTA?
Quando repensávamos sobre a base epistemológica da educação ambiental em unidades de conservação. Traçamos um texto em nosso imaginário que ajudassem ao leitor e nós autores. Este é um inicio de uma reflexão sobre a ideologia e a política empregada a educação ambiental. Precisamos reformular a educação ambiental nestes espaços, olhando para as lutas e as conquistas dos movimentos ambientalistas e conservacionistas. Os agentes ambientais voluntários no estado do Amazonas admitem as imperfeições do programa e começam a investir nesta educação ambiental popular.
Em cada parada nesta trilha aprendemos que todos os seres humanos e não-humanos estão interligados. Comparada à teia de uma aracnídea, as relações culturais, sociais, ambientais e os preceitos religiosos estão conectados. Os problemas e conflitos ambientais causam mudanças no cotidiano das comunidades. Portanto, precisamos contemplar as duas óticas, a conservação dos recursos naturais, mas também o respeito ao conhecimento popular.
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FONTE : EcoDebate, 09/08/2012

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