A complexidade dos sistemas em biologia, ecologia e meio ambiente é muito mais ampla do que parece. Alguns biólogos como Robert May (que começou como físico e acabou como biólogo) descobriu que taxas de crescimento não lineares, além de levarem a resultados de explosão populacional e decadência dos indivíduos nos ambientes em que ocorrem, quando ultrapassavam pontos críticos podem mudar drasticamente o caráter de sistemas, modificando resultados qualitativamente e quantitativamente.
Isto afeta não apenas a população final em equilíbrio, mas também a possibilidade de chegar a qualquer equilíbrio. Não estar em equilíbrio pode ser muito estável em determinadas condições, ao contrário do que imaginamos aprioristicamente de que a premissa de atingir o equilíbrio signifique a estabilidade. Poderíamos falar que a estabilidade não significa a meta e não se traduz em finalidade, mas já seria especulação além de um novo paradigma biológico.
O que denominamos de “caos” atualmente tão desenvolvido nos textos sobre teoria do caos, simplificadamente pode ser descrito como fenômenos não lineares que ocorrem em toda parte, principalmente na natureza, mas ao contrário do que parece, ele traduz uma estabilidade e uma estruturação própria e arraigada. O advento do sensoriamento remoto e da massificação das imagens de satélite, que permitiram amplos estudos geométricos sobre configurações litorâneas e outros, demonstraram que sistemas complicados cujos modelos eram tradicionalmente construídos com equações diferenciais contínuas e complexas, podem ser compreendidos com facilidade em mapas discretos, ou em termos de “fractais”.
A evolução da ecologia levou a duas concepções completamente distintas e até certo ponto antagônicas em termos epistemológicos. A primeira observava populações de forma regular e estável, com algumas exceções. E a outra corrente observava populações que variavam irregularmente com exceções. Quando se grifa a expressão irregularmente está se declarando que não varia linearmente. Antigamente se interpretava isto como não estável. Mas cabe declarar afirmativamente e convictamente que irregular não deixa de ser estável dentro de um outro padrão não linear.
Somos cientistas ocidentais, moramos no mundo ocidental. Mas se fossemos orientais, chineses, hindus ou árabes e sofrêssemos influências deterministas ou fatalistas de origem religiosa e teríamos menos dificuldades de admitir estabilidade em irregularidades ou padrões não lineares. Mas como nossa essência científica nos impregna de cartesianismo puro, temos dificuldades no exercício deste raciocínio simples.
Quantas vezes a ciência ocidental enTerra dados que considera demasiado irregulares para serem estatisticamente tratados. A formação científica cartesiana, muitas vezes não nos prepara adequadamente para a compreensão de fenômenos naturais puros que evidenciam se controlados pelos sistemas discretos mais simples de natureza não linear (FOOTE, 2007).
Isto não é privilégio da natureza. No mundo cotidiano da política e da economia estaríamos com certeza muito melhores se um maior número de pessoas compreendesse que sistemas não lineares simples tendem a responder melhor quando se procura descrever processos dinâmicos.
Na biologia, as correntes partidárias de populações vegetais ou animais estáveis, argumentavam que estas populações eram reguladas por mecanismos deterministas. Os defensores das populações irregulares argumentavam que os fatores de controle eram influenciados por fatores ambientais imprevisíveis que anulavam qualquer sinal determinista que pudesse existir.
Na verdade, o que se discute é se uma série de fatores simples como disponibilidade de alimentos e outros, interagem formando novas propriedades emergentes (que por não serem compreendidas, muitas vezes são chamadas imprevisíveis) ou se este fato não era relevante. As alternativas hipotéticas partiam do princípio de que a matemática determinista produzia comportamentos regulares, ou as externalidades e as novas propriedades emergentes de interações eram capazes de produzir comportamentos aparentemente aleatórios. Que na verdade apenas seriam padrões não lineares incompreendidos.
Neste contexto de debate, a teoria do caos apresenta uma mensagem fascinante: os modelos deterministas simples podem produzir comportamentos que aparentam ser aleatórios. A isto atribuímos a influência de fatores novos emergentes de propriedades novas, ou influência de externalidades não compreendidas em toda sua extensão. Quem já trabalhou exaustivamente em avaliações de impactos ambientais sabe das dificuldades de listar todos os fatores relevantes e as interações múltiplas entre os mesmos na análise de um empreendimento antrópico, como uma estrada, uma barragem ou um novo shopping center.
O físico e “biólogo” May (GLEICK, 1989, pg 75) declara solenemente que por mais complexa que a matemática linear pudesse ser, com suas transformadas de Fourier (tão importantes na análise e tratamento de imagens de satélite), suas funções ortogonais e suas técnicas de regressão, e todo um aparato de ferramentas, ela enganava ao imaginar que pudesse descrever o mundo e as relações naturais, onde predomina a não linearidade.
A ecologia é um ramo da biologia relativamente recente. Teve seus princípios fundamentais popularizados na obra de Eugene Odum (1988). Este autor disseminou os conceitos básicos de ecologia, alguns com extrema influência de Bertallanfy (1975) e muitos já discutidos e usados em analogias. A influência da hierarquia nos níveis de organização que trouxe a teoria geral dos sistemas para a própria origem da expressão ecossistema; o princípio das propriedades emergentes; a lei dos mínimos de Liebig e as modelagens ambientais constituem um conjunto de ferramentas inestimáveis para a compreensão da natureza.
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria geral dos sistemas. 2. ed. Petropolis: Vozes, 1975, 680 p.
FOOTE, R. Mathematics and complex Sistems. Science, Vol 318 p 410-412, 2007.
GLEICK, J. Caos A criação de uma nova ciência. Rio de Janeiro. Editora Campus 1989, 312p.
ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988.
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FONTE : Dr. Roberto Naime, Colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
EcoDebate,02/08/2012
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