A separação do lixo não traz benefícios apenas ao meio ambiente: a gestão dos resíduos passou a ser importante fonte de matéria-prima para a indústria. No cenário de escassez de recursos naturais, reciclar dá lucro.
O elemento químico índio, indispensável para a fabricação de telas planas e touch screens, é raro na natureza. Especialistas calculam que as reservas do elemento suprirão as necessidades de consumo por apenas mais seis a dez anos.
Também o petróleo, importante para o fornecimento de energia e base da indústria do plástico, deverá se esgotar nas próximas seis ou sete décadas. Outro recurso natural, o cobre, essencial para a fabricação de aparelhos eletrônicos, por exemplo, deverá também se extinguir nos próximos 30 anos.
“Precisamos entender que os recursos naturais são esgotáveis”, lembra Jörg Lacher, da Confederação Alemã de Matérias-Primas Secundárias e Eliminação de Resíduos. Essa realidade de recursos esgotáveis é perceptível no aumento dos preços das matérias-primas, cuja demanda cresce em função do desenvolvimento econômico de países emergentes, como a China e a Índia, por exemplo.
Neste contexto, o reaproveitamento da matéria-prima torna-se uma tarefa cada vez mais interessante. “Quando queimamos levianamente matérias-primas, principalmente onde elas ainda poderiam ser usadas, ou seja, recicladas, estamos sendo imediatistas, sem conduzirmos uma economia sustentável”, diz Lacher.
Lixo: recurso importante
No caso da Alemanha, país pobre em recursos naturais e grande exportador mundial de produtos industrializados, o reaproveitamento é imprescindível. Diante da oferta de recursos naturais cada vez mais escassa, fica claro não só para a Alemanha, mas para o mundo todo, que o lixo será o recurso mais importante no futuro.
Nas residências alemãs, a separação do lixo é feita cuidadosamente já há algumas décadas. Inicialmente ridicularizados, os contêineres de cores azul, amarelo, preto e verde ganharam espaço na Europa e no resto do mundo. O jornal velho, por exemplo, pode se transformar em papel novo; o lixo orgânico gera gás. Os detritos eletrônicos transformam-se em tesouros.
A empresa Remondis é uma das gigantes na gestão de resíduos. Sediada na cidade de Lünen, no oeste alemão, ela dispõe de instalações voltadas para a separação do lixo e localização de matérias-primas de valor.
Michael Schneider, assessor de imprensa da Remondis, diz que o lixo eletrônico é uma verdadeira mina de materiais. Aparelhos eletrônicos, computadores e teclados são feitos de diferentes materiais, conectados uns aos outros, como plástico, metal e metais preciosos.
“Esses materiais são triturados até que os componentes se desagregam uns dos outros. No fim desse processo, é possível ver como cada matéria-prima secundária, como o cobre, metais ferrosos e não-ferrosos, é borrifada sobre uma bandeja coletora, para depois seguir direto para a fusão na indústria do aço”, descreve Schneider.
Resto eletrônico
A Remondis é o maior centro de reciclagem industrial na Europa, segundo Michael Schneider. A empresa recolhe, por exemplo, metal ferroso, cobiçado pela indústria do aço, um material que pode ser 100% reaproveitado como metal puro.
Segundo Schneider, ”fazemos de tudo para reaproveitar o lixo eletrônico. Isso faz sentido do ponto de vista ambiental, pois temos as instalações mais modernas da Europa para tal”. Além disso, diz ele, reciclar traz também vantagens às nações emergentes, já que, não fosse o reaproveitamento, boa parte desse lixo eletrônico poderia acabar sendo enviado ilegalmente a outros países.
A demanda global por metais especiais e raros irá triplicar até o ano de 2030, segundo especialistas. A justificativa está no aumento do uso de metais como lítio, índio, tântalo, germânio – utilizados na produção de módulos fotovoltaicos, baterias de carros elétricos, cabos de fibras óticas e outras tecnologias de ponta.
Da biomassa à preparação do gesso
Na sede da Remondis em Lünen, diferentes processos de reciclagem são realizados em vários grandes armazéns: além daquela do lixo eletrônico, o gesso obtido da dessulfurização de gases em usinas elétricas é preparado para ser reutilizado na indústria de material de construção.
A Remondis possui também uma usina de biomasa, na qual resíduos de madeira são reciclados. “É energia suficiente para abastecer a cidade de Lünen e a nossa própria fábrica. E também somos neutros em emissões de CO2 e auto-suficientes em energia”, comemora Schneider.
Quando há crescimento econômico, diz ele, a mesma tendência é observada na empresa: quando o consumo aumenta, a quantidade de lixo também cresce. Ou seja, a reciclagem acaba sendo uma espécie de indicador primário da conjuntura. Este ano, isso foi bastante visível, observa Schneider.
Grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo, por exemplo, acabam estimulando o setor da reciclagem: “Quando vão começar eventos esportivos de grande alcance, as pessoas tendem a trocar a antiga televisão por uma nova, e isso, para nós, significa reciclagem de lixo eletrônico, significa que teremos um volume maior de telas antigas a serem recicladas”, fala Schneider.
“Boom” do setor
O setor de reciclagem está diante de anos de franca expansão, pois o reaproveitamento do lixo se transforma cada vez mais em um mercado milionário. A enorme demanda dos países emergentes da Ásia e da América Latina por matéria-prima não pode ser suprida somente pelos recursos naturais. Por isso, a matéria-prima secundária é a chave para o futuro.
Os celulares, por exemplo, são uma fonte praticamente inesgotável: “Cada celular tem aproximadamente 23 miligramas de ouro, em média. No mundo inteiro, cerca de 1,3 bilhão de celulares são produzidos por ano. Desses, apenas 10% são, de fato, reciclados. Isso quer dizer que a humanidade joga, a cada ano, cerca de 20 a 22 toneladas de ouro no lixo”, ressalta Schneider.
Hoje, políticos e representantes da indústria de gestão de resíduos discutem quem deverá comercializar o lixo no futuro. Até agora, na Alemanha, essa tarefa tem sido assumida pelos municípios e por empresas privadas.
A discussão em torno de um reaproveitamento de resíduos coordenado pelos municípios (e não pela iniciativa privada) é vista por Schneider como uma tentativa de tornar ideológico um debate desnecessário, pois, segundo ele, a cooperação entre instâncias pública e privada neste sentido tem funcionado, até agora, perfeitamente.
“Ao observarmos a divisão de competências na gestão de resíduos na Alemanha, percebemos que 93% do volume de negócios do setor está nas mãos da iniciativa privada, que separa, armazena, recicla e recoloca em circulação aquilo que um dia foi lixo”, conclui Schneider.
No momento, o governo alemão trabalha no aperfeiçoamento de uma legislação que regulamenta a gestão de resíduos, pois é de interesse da Comissão Europeia que o setor funcione de acordo com a economia de mercado.
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FONTE : artigo de Monika Lohmüller, revisão de Soraia Vilela (Matéria da Agência Deutsche Welle, DW-WORLD.DE, publicada pelo EcoDebate, 01/09/2010)
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