O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA ajuizou AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face de DEYCON COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA e FIORELO PEGORARO, ambos qualificados nos autos, alegando, em suma, que a empresa ré realizou obras de terraplanagem em terreno sua propriedade, gerando destruição de Área de Proteção Ambiental – APA e de Área de Preservação Permanente - APP, ocasionando erosão e desmoronamento de grande quantidade de terra no local, o que vem colocando em perigo residências e empresas localizadas nos terrenos acima e abaixo das obras (atualmente concluídas), bem como infligindo risco aos pedestres e veículos que circulam pelo acesso Adolfo Zigueli, via pública de grande movimentação onde já estava instalada a sede da primeira ré, local das obras.
Ao final, requereu: a) liminarmente, a paralisação de todas as atividades desenvolvidas pela empresa ré, sob pena de multa; b) também liminarmente, a contratação de um projeto técnico elaborado por empresas ou prestadoras de serviços de engenharia de construções e com conhecimento em solos, prevendo a edificação de obras de contenção com muros de arrimo, com a finalidade de impedir novos deslizamentos de terra e prevenir mais danos ao meio ambiente; c) a confirmação das liminares, com a imposição de obrigação de restaurar as áreas danificadas; d) não sendo possível a recuperação, a obrigação de implementar medidas compensatórias (art. 9º, IX, da Lei n.º 6.938/81).
Juntou cópia do Relatório de Vistoria e Inspeção n.º 062/13º PEL/CPPA/2004, da Licença Ambiental Prévia – LAP n.º 0401/2004, da Consulta Prévia "sem número" de 03/08/2001, entre outros documentos (fls. 14/85).
Às fls. 88/91, em decisão liminar de 6/09/2005, foi determinado o embargo da obra de terraplanagem e determinada a realização das obras de contenção de deslizamentos.
DEYCON COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES LTDA. e FIORELO PEGORARO, em contestação nas fls. 169/188, alegaram que compraram os imóveis em que se situa a obra embargada, integrantes de um loteamento legítimo, para o fim específico de ampliar suas atividades empresariais, o que denotaria a regularidade de sua atividade.
Alegaram, ainda, que a obra estaria adequada à legislação municipal, pois do Município de Joaçaba obtiveram parecer favorável em consulta prévia, bem como que possuíam licença ambiental da FATMA para a sua execução. Sustentaram a ausência de culpa nos deslizamentos ocorridos, uma vez que estes se deram por caso fortuito, diante das intensas chuvas que ocorreram.
Argumentaram acerca da necessidade do Município de Joaçaba integrar a lide como litisconsorte passivo e, ao final, além dos pedidos de praxe, requereram a total improcedência da ação. Juntaram procurações e documentos (fls. 169/308).
Réplica às fls. 310/315.
Saneado o feito, foi determinada a intimação das partes para se manifestarem acerca da produção de provas (fls. 317/319).
As partes requereram a produção de prova pericial (fls. 351/352 e 358).
A seguir, foi designada audiência de conciliação (fl. 363), na qual a proposta conciliatória restou exitosa, em 27/11/2006, nestes termos: "de comum acordo entre o Ministério Público e os requeridos, foi estipulado o prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação de um projeto de recuperação ambiental por parte dos demandados, com ilustração fotográfica, que solucione inteiramente os danos causados pela obra descrita na inicial, bem como que atenda às recomendações do relatório de vistoria da Polícia Ambiental de fls. 347/350. Os requeridos solicitaram que fosse constado em ata que pretendem a construção de um 'centro de distribuição' (galpão) no local objeto do presente processo, não tendo o representante do Ministério Público se oposto a tal atividade, desde que observadas as exigências legais, inclusive alvarás de construção junto à municipalidade". (fl. 373).
Pelo Juiz, entretanto, nada foi consignado expressamente a respeito do levantamento do embargo das obras, na mesma audiência.
À fl. 408, foi requisitado por este Juízo da Polícia Ambiental a realização de vistoria e inspeção na área objeto do litígio, o que restou atendido às fls. 413/414.
Instado, o Ministério Público entendeu que não houve proveito da empresa ré sobre a APP, requerendo o julgamento antecipado da lide (fls. 417/418).
Vieram-me conclusos.
É o relatório necessário.
DECIDO.
Verificando-se presentes os pressupostos elencados no art. 330 do CPC, por se tratar de questão preponderantemente jurídica, não havendo necessidade de produção de outras provas além daquelas já constantes dos autos, julgo antecipadamente o feito, remetendo-o para a liquidação, por economia e celeridade, em prol do prestígio da Justiça, que precisa ser efetiva.
A preliminar de litisconsórcio passivo necessário já foi rechaçada por ocasião do despacho saneador de fls. 317/319, irrecorrido, pelo que passo à análise do mérito.
Primeiramente, impõe-se partir da premissa que a reparação dos danos ao meio ambiente não exige culpa do lesante, de forma que são de responsabilidade objetiva (art. 14, §1º, da Lei n.º 6.938/81).
Frise-se que esta sentença tende a proteger o meio ambiente, reconhecido como bem jurídico autônomo pelo art. 3º, I, da Lei n.º 6.938/1981, que o definiu como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas", posteriormente, consolidado com a sua qualificação como "bem de uso comum do povo" no texto constitucional (art. 225), o que reflete o primordial interesse público na preservação do meio ambiente estável e na qualidade de vida que ele proporciona.
O surgimento do direito ao meio ambiente e dos demais direitos fundamentais de terceira geração é assim explicado pela doutrina:
Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano, mesmo num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade correta. Os publicistas e os juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante do coroamento de uma evolução de trezentos anos dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 569).
O art. 225 da Constituição da República também dispõe que incumbe "ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações." O art. 23, caput, VI, estabelece, ainda, a solidariedade de todos os entes do Poder Público para a proteção do meio ambiente e o combate a todas as formas de poluição.
O direito ao meio ambiente equilibrado está intrinsecamente ligado ao direito fundamental à vida, motivo pelo qual a Constituição da República consagrou notadamente os princípios da prevenção, da precaução e do poluidor-pagador:
Frente ao atual conceito de proteção ambiental trazido pela CRFB, percebe-se a importância atribuída à antecipação no que tange ao controle do risco de dano, notadamente com a aplicação dos princípios. O princípio da prevenção tem seu âmbito gravitacional dirigido às hipóteses em que se pode vislumbrar um perigo concreto, ou melhor, onde o risco de dano é mais palpável. O princípio da precaução, por sua vez, atua no caso de perigo abstrato, hipóteses em que não se pode ter noção exata das conseqüências advindas do comportamento do agente. Por este viés, é preferível o adiamento temporário das atividades eventualmente agressivas ao meio ambiente, a arcar com os prejuízos em um futuro próximo, ou ainda, pleitear reparação dos danos, a qual, nesta seara, torna-se normalmente complicada e, muitas vezes, ineficiente. (AI n. 04.002441-0, relator o Des. VOLNEI CARLIN). [sublinhado]
Assim, considerando que os princípios do Direito Ambiental são basicamente preventivos, o licenciamento de uma atividade pelo Poder Público - máxime daqueles empreendimentos que por sua natureza são passíveis de ensejar agressão ao meio ambiente e à saúde pública - é de incontestável interesse público.
Contudo, ainda assim os argumentos dos réus devem ser sopesados, porquanto a matéria ambiental é deveras complexa, havendo o risco de ser penalizado o empreendedor que age de boa-fé, que obtendo do Estado as licenças de que precisa, logo em seguida, violada a segurança jurídica, se vê multado, processado ou chamado a assinar termos de ajustamento de conduta, com todos os prejuízos morais e financeiros que deles decorrem.
No caso em tela, os réus alegaram que seus imóveis eram oriundos de um loteamento, pelo que a destinação empresarial dada a eles era de se presumir legítima. Na mesma senda, alegam que o Município de Joaçaba, ao ser consultado, emitiu o documento de fls. 33 (consulta prévia), que teria autorizado a obra, pelo que assim também seria presumida a legalidade das suas atividades de construção e instalação de um galpão de estocagem. E por fim, culminaram seus argumentos com o fato de a FATMA ter licenciado a terraplanagem no local da encosta.
Todavia, o fato de o município, no exercício de suas competências administrativas e legislativas ter aprovado um loteamento, no passado, na área, não significa que os proprietários dos lotes parcelados tenham disponibilidade irrestrita desse patrimônio, pois o exercício do direito de propriedade está jungido ao atendimento do interesse público, ou seja, ao cumprimento da função social da propriedade, materializada nas posturas municipais, o que é sabido desde há muito, antes mesmo do advento do Direito Ambiental (vide ainda o art. 182, §2º, da CR).
Por oportuno, frise-se que na área, ao menos pela lei vigente ao tempo da obra, já não mais se autorizava o parcelamento urbano do solo (art. 5º, IV, da Lei Municipal n.º 1.734/91).
Não bastasse, todos os atos administrativos e preceitos legais estão submetidos à hierarquia das leis, estando em vigor desde 1965 do Código Florestal, que se aplicava e se aplica ainda ao local, ressaltando-se que o referido código aplica-se às áreas urbanas, como expresso literalmente em seu art. 2º, parágrafo único.
Diante disso, eventuais supostos erros, ilegalidades, inconstitucionalidades ou mesmo crimes e improbidades anteriores, que eventualmente tenham possibilitado ou contribuído para o suposto indevido loteamento da área, ou qualquer outro ato, sejam eles lícitos ou não, não eximem do dever de reparar quem quer que tenha agido com vontade deliberada de escavar em encosta íngreme, embora possa admitir que os antecedente históricos, em tese, devam ser sopesados nos casos concretos para fins de mensuração da culpa e conseqüente arbitramento do valor da condenação.
Diga-se o mesmo da "consulta prévia" e da Licença Ambiental Prévia – LAP da FATMA, esta que, de tão questionável que era, foi de ofício revogada cerca de seis dias depois pelo próprio agente comissionado que a expediu (vide cópia do Ofício CER/PE n.º 1316/2005, de 24/02/2005, subscrita por JULIO CESAR DO PRADO (o qual responde a várias processos por licenciamentos ambientais supostamente indevidos), de forma que os réus não podem argumentar estarem licenciados, porque não estavam, não sendo a resposta dada na consulta prévia uma espécie de licenciamento, sequer permissão se constituindo, como inclusive consta expresso em seu corpo: "Esta consulta não dá direito a construir: somente após a concessão do alvará de construção este direito é adquirido".
E no sentido da precariedade da consulta prévia, dentre vários julgamentos, podemos citar o da ACMS n. 2003.015223-7: "Consabido que a Consulta Prévia de viabilidade não constitui direito líquido e certo, e, sim, "consubstancia mera peça informativa sobre a disciplina urbanística para o local onde se pretende edificar, estando despida de carga conclusiva ou decisória, diferentemente do Alvará de Construção" (rel. O Des. FRANCISCO OLIVEIRA FILHO, em 09/03/2004).
Ainda quanto à consulta prévia invocada pelos réus, também não se pode olvidar de que ela foi assinada pelo próprio engenheiro responsável pela obra! Quem assina a consulta prévia é o Engenheiro CASSIO CECONELLO, o mesmo profissional responsável pela obra, ou seja, aquele que também assina a Anotação de Responsabilidade Técnica - ART do CREA.
Outrossim, não surpreende que um empreendimento de vulto, como aquele que está lá agora erigido em um acesso rodoviário da cidade de Joaçaba, pelo que se tem nos autos pareça não ter sofrido nenhuma limitação pela Prefeitura, sequer mera recomendação quanto à necessidade de estacionamentos públicos, áreas de recuo para expansão da rede de tráfego rodoviário, pista de desaceleração e manobras para seus próprios caminhões de carga pesada que sobre a pista (causando colisões como é sabido), calçamento para pedestres, ciclovias etc, tudo o que não só o bom-senso exige, mas o exercício da função de zelar pelo atendimento do interesse público impunha ao referido agente público com formação em Engenharia.
Tudo isso depõe contra os réus, que não podem agora argumentar que não agiam deliberadamente contra a legislação que limitava o exercício de seu direito de propriedade, ou que somente agiam no exercício de suas expectativas legítimas decorrentes de atos administrativos do poder público, pois em última análise, tais atos administrativos não existem, ou pelo menos nunca vieram aos autos, até o momento. Nunca foi licenciado o início da construção, ou sua habitação (nos autos n.º 037.05.000800-1, à fl. 31, da Vara Criminal, há declaração de 29/07/2005, do Secretário do Planejamento de Joaçaba, afirmando não ter expedido alvará de construção).
Ora, não se pode supor que os réus não dispusessem de assessoria jurídica, ou dos meios necessários à obtenção das licenças ambientais, as quais, para serem respeitadas, inevitavelmente condicionariam a atividade da empresa ao respeito da APP e da APA existente em sua propriedade.
O fato de a área ter sido divida em lotes, devida ou mesmo indevidamente, não abstrai dos réus a responsabilidade de reparar o meio ambiente, porquanto as duas esferas jurídicas podem ser tratadas como independentes. Ora, os imóveis poderiam continuar sendo da propriedade dos réus, os quais poderiam dar a ele a livre destinação que desejassem, embora sempre limitados aos preceitos legais aplicáveis, notadamente as normas de proteção ao meio ambiente. Ora, o dano em discussão, frise-se, está mais na falta das soluções técnicas adequadas ao empreendimento, no seu não-licenciamento, do que propriamente no ataque a uma suposta área de preservação ambiental.
Bem assim, o mérito da lide não está tão-somente em se saber se a área de terras era ou não de preservação permanente ou proteção ambiental, mas também na indagação de o empreendimento comercial dos réus constituir ou não um dano ambiental, seja por si próprio, ou pela falta das licenças ambientais.
Ora, pelo simples fato de a obra ser irregular – haja vista não constar nos autos nenhuma licença de construção ou habitação – realizada sem um mínimo de exercício do poder de polícia, sem qualquer estudo de impacto na vizinhança, já cabe a procedência parcial desta ACP, haja vista a necessidade de soluções técnicas serem ampliadas para se afastar quaisquer riscos ao meio-ambiente, na senda dos princípios da precaução e da prevenção.
Nesse sentido: "Presta-se a ação civil pública para defesa do meio-ambiente e para obrigar o proprietário a demolir construção erguida em área não edificável, destinada por lei federal e municipal à preservação permanente, não sendo exigível para a sua propositura a prova de dano efetivo, mas apenas sua probabilidade; suficiente a ameaça de dano para justificar a via processual." (Apelação Cível n. 99.013600-0, rel. o Des. LUIZ CÉZAR MEDEIROS, em 30/11/2000). [sublinhado]
É notório e de conhecimento público que a empresa INCOPLASTIC, acima das obras dos réus, está preocupada permanentemente com o perigo de desabamento, bem como que os vizinhos abaixo sofram constantemente com as águas pluviais acumuladas pela edificação dos réus, e para eles escoada (vide fotos de fls. 300/302), sem olvidar os problemas trazidos para o tráfego da área.
Tudo isso não exsurge só dos autos, por suas diversas fotos e documentos, mas também do que é notório (art. 334, I, do CPC), pois este magistrado também vive e mora em Joaçaba, no cumprimento de seu dever funcional.
Frise-se, ainda, a importância do julgamento desta lide em um momento em que o Estado de Santa Catarina sofre muitos danos decorrentes das constantes chuvas que devastaram a região litorânea, anunciando os jornais mais de uma centena de mortes, além de estradas bloqueadas e casas deslizadas de encostas.
Em Joaçaba não houve tantas chuvas nesses dias de novembro de 2008, mas se elas houvessem se precipitado em volume semelhante quais as conseqüências diante dos diversos ataques às APAs e APPS, como o dos autos?
Importante consignar ainda a notícia veiculada no sítio da UOL na internet, com declarações da Geóloga MARIA LÚCIA DE PAULA HERMMAN:
'São anos de descaso do poder público em Santa Catarina', avalia pesquisadora. Guilherme Balza. Do UOL Notícias. Em São Paulo (SP). As características do solo e do relevo e as condições climáticas anômalas não são capazes de, sozinhas, explicar a tragédia ocorrida em Santa Catarina. Mais do que os fenômenos naturais, o descaso do poder público ao longo das últimas décadas foi a principal razão do elevado número de mortos, desabrigados e desalojados em decorrência das chuvas que atingiram o Estado no mês de novembro. Quem faz essa avaliação é a geóloga e pesquisadora do grupo de estudos de Desastres Ambientais da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Maria Lúcia de Paula Hermman. "Se chover mais, será o caos final", diz governador de Santa Catarina. A Defesa Civil de Santa Catarina registrou, até o momento, 59 mortes, 7.703 desalojados e 15.434 desabrigados, vítimas, sobretudo, de inundações, desabamentos e deslizamentos de terra. Para a pesquisadora, que monitora os desastres ambientais ocorridos no Estado desde 1980, "há muito tempo essas tragédias vêm se repetindo em Santa Catarina e nada de efetivo foi feito por parte do poder público". Hermman admite que uma quantidade incomum de chuva atingiu o Estado nos últimos dias, mas avalia que não houve, ao longo dos anos, o esforço necessário dos governos e prefeituras para impedir ocupações irregulares em encostas de morro e em planícies fluviais, locais que sofrem quando há grande ocorrência de chuvas. Cidades mais atingidas pelas chuvas em Santa Catarina. Solo e relevo catarinense. A pesquisadora explica que, ao longo do litoral de Santa Catarina , distribuem-se três grandes "serras". A primeira, semelhante à "Serra do Mar" do sudeste, começa no extremo norte do Estado e vai até Joinville; a segunda, conhecida como "Serra do Leste", vai de Joinville até o começo do litoral sul; e a terceira, "Serra Geral", ocupa o litoral sul de Santa Catarina até o Rio Grande do Sul. Nas proximidades dessas serras estão algumas das principais e mais populosas cidades catarinenses, como Joinville, Blumenau, Itajaí e Brusque. De acordo com Hermman, uma boa parte da população litorânea de Santa Catarina reside nas médias ou baixas encostas destas serras. Enquanto as moradias localizadas nas médias encostas são suscetíveis a desmoronamentos, as situadas nas baixas encostas costumam ser atingidas por deslizamentos de terra. "Nas baixas encostas há uma camada espessa, extremamente permeável, conhecida como 'manto superficial', formada pelo desgaste das rochas, causado pela ações do sol, dos ventos e das chuvas. Essa camada fica entre a superfície e a rocha dura. Quando chove muito, a água ocupa toda essa camada, o manto fica encharcado e os deslizamentos inevitavelmente acontecem", explica a pesquisadora. Rios. Outra região de risco, segundo Hermman, são as planícies fluviais, ou seja, regiões localizadas próximo das margens dos rios, que sofrem constantes inundações nos períodos de chuva. "A legislação impede a ocupação de áreas a menos de 30 m de distância das margens dos rios, mas isso não é respeitado em Santa Catarina". A pesquisadora conta que no Vale do Itajaí, região do Estado mais afetada pelas chuvas, uma parcela significativa da população reside nas planícies fluviais. "Várias cidades, como Blumenau, por exemplo, são cortadas por rios. Muitas rodovias, inclusive, foram construídas próximas dos leitos dos rios", diz. "Não há como transferir uma cidade de lugar, obviamente, mas o governo pode tomar várias medidas, como dragar os rios, aprofundar os canais, retirar as pessoas das margens, construir muros, limpar bueiros, coibir ocupações clandestinas, aplicar multas pesadas, entre outras. As cidades precisam serem reestruturadas e planos de prevenção mais efetivos necessitam ser colocados em prática para evitar tragédias como esta que Santa Catarina está vivendo", completa Hermman. (Disponível em:
Qualquer pessoa que transitou no local onde está sediada a ré, ou mesmo na INCOPLASTIC, nas ruas acima, sabe que as fotos constantes nos autos minoram a percepção do verdadeiro "perau" que se constitui a encosta debatida nos autos. Não foram outros os motivos assinalados na douta decisão de fls. 88/91 que ordenou liminarmente aos réus o embargo da obra de terraplanagem e obrigação de realizar obras e serviços de engenharia adequados, a fim de conter deslizamentos no local das obras.
Quanto à indagação de que se tratavam ou não as áreas atingidas pela terraplanagem e obras dos réus de APA, ou APP, verifica-se pelos levantamentos planialtimétricos de fls. 84/85, que expressiva área objeto do litígio apresentava declividade superior aos 46% estabelecidos no art. 18, II, da Lei Municipal n.º 1.734/91, mormente porque se repara na cota 620.396, uma anotação de 155,88%, No mesmo sentido as cotas 614.934, 615.110, 615.169, 621.715, nas quais há em todas elas inclinações superiores ao estabelecido na legislação municipal.
Frise-se, ainda, que nas referidas cinco cotas de fls. 84/85 há menções de inclinações superiores a 45 graus, o que indica que a área se tratava de APP mesmo antes da intervenção danosa da ré, que tornou mais íngreme a encosta, pelo menos em uma pequena parte.
Não se pode dizer que a declividade na área não passa de 33,05%, com fundamento no levantamento efetuado pela Polícia Ambiental em 18 de abril de 2005 (fl. 39), porquanto se trata de um mero ofício que não se sustenta em nenhuma planta ou gráfico, e que colide com todos os demais elementos dos autos, inclusive com o já citado levantamento planialtimétrico de fls. 84/85, subscrito por um Engenheiro Civil.
Na verdade, outras informações encerradas em documentos da polícia ambiental, nos quais se socorrem eventualmente os réus, não se coadunam com outras encerradas em documentos subscritos por outros agentes públicos, a exemplo do Auto de Constatação n.º 013/13º PEL / Gu Esp PMA/2008, cujas conclusões confrontam-se com as da certidão de fl. 405.
Tenho, assim, diante das provas técnicas presentes nos autos, que antes das escavações dos réus (note-se que o levantamento planialtimétrico foi realizado após as escavações), as declividades do local já eram acentuadas e proibitivas para quaisquer escavações, tanto mais para aquela que os réus implementaram no local, escavando não só contra o declive, mas também para baixo do nível da rua.
Outrossim, não posso concordar com o entendimento de fls. 417/418, no sentido de que as áreas degradadas pelos réus não incluiriam parcela de APA contígua. Ora, primeiramente, os mapas indicativos presentes nos autos e nos anexos na lei são meras representações gráficas diminutas, em escala, retratos de uma realidade que se mede até em milhares de metros. E assim, não se pode esperar precisão, não sendo caso de se desprestigiar a realidade, ou seja, a real inclinação de uma área de encosta, em benefício do instrumento que lhe dá representação nos autos, da mera representação gráfica. Note-se que se não está sendo mal interpretado mapa, pode ele inclusive ser fruto de equívoco.
Este Juízo, a rigor, entende que efetivamente uma porcentagem da APA, ainda que pequena, estava dentro da propriedade dos réus, tendo todo o restante sido afetado pelas obras dos réus, as quais acentuaram ainda mais a inclinação, além de retirar a cobertura vegetal existente, concretando áreas de infiltração da águas pluviais bem como captando-as e as lançando morro abaixo, sem quaisquer estudos de impacto de vizinhança, só promovendo algumas medidas acautelatórias depois de instados judicialmente, no âmbito criminal (TC n.º 037.05.000800-1), e nesta ACP, e não sem o amparo do Poder Público Municipal.
Em suma, os réus prejudicaram todo o entorno que a APA justamente se destinava a proteger, expondo a risco a coletividade permanentemente, porque agiram contra as determinações legais, não buscando o licenciamento da obra, ou não se detendo quando do cancelamento da licença inicialmente obtida para somente a terraplanagem, sendo necessário ressaltar que licenciar não se resume a recolher taxas e angariar papéis, mas se refere a uma atividade pautada por estudos científicos tendentes a planejar, prever e estabelecer condições, caso viável a pretensão do contribuinte de alterar as condições ecológicas.
Se os réus não se submeteram a todo esse processo é porque talvez não queiram se sujeitar às despesas financeiras decorrentes, ou mesmo a se deparar com uma eventual vedação da atividade que pretendem instalar no local.
No sentido da hipótese de que os réus não têm a intenção de efetuar as despesas necessárias à regularização de seu empreendimento, tem-se nos autos a suspeita que os próprios planos de fls. 323/346 não foram até hoje implementados pela ré, o que deve ser analisado, porém, por expert nomeado pelo Juízo em fase de liquidação. Tal suspeita decorre do fato de o projeto retratado à fl. 338 (subscrito pela Suporte Engenharia de Fundações, que o remete para Visão Engenharia, que a fl. 360 declara ter executado e concluído 90% da contenção), parece não corresponder ao da fl. 346, tampouco corresponde ao verificado nas fotos de fls. 390 e 414.
O próprio Engenheiro CASSIO CECCONELLO, responsável pela terraplanagem – apesar de subscritor da própria consulta prévia de sua própria obra, antes citada – declarou na fase policial, às fls. 102/103 dos autos n.º 037.05.000800-1:
(...) que atendendo ao pleito do interessado o depoente fez um projeto de terraplanagem destinado à retirada de um volume de 3.500 m3 de terra; que, a princípio o projeto era destinado a limpeza e nivelamento do terreno; que, pelo tamanho da área a retirada de 3.5000 m3 de terra, não ocorreria nenhum impacto ambiental; que, a certa altura o depoente percebeu que a empresa Deycon autorizou a retirada de uma quantia muito superior a 3.500m3 de terra, razão pela qual seguiu até o CREA onde pediu a baixa pela conclusão da obra; que, o CREA aceitou a baixa e foi assinada pelo depoente e pelo representante da empresa Deycon; que, quando passava pelo local, via que as obras continuavam, não sabendo explicar se havia orientação de algum engenheiro; visto que havia outras empresas trabalhando no local; que, mais tarde o depoente tomou conhecimento que houve um desmoronamento, ocasionando depósito de grande quantidade de terras em cima de um muro de contenção (...); [sublinhado]
Na mesma senda, a suposta recomposição florística planejada e aprovada pela FATMA (vide projeto fls. 374/382 ), intentada pelos réus em meados em 2006, também não recompôs o dano:
(...) declaramos que a empresa DEICON COMÉRCIO E REPRESENTAÇÃO LTDA. E OUTRO, efetuou a recuperação da área degradada, com o plantio de espécies nativas e exóticas, cobertura vegetal com grama no pé do aclive e realizou também o plantio de cobertura vegetal com a espécie Hera e gramíneas, obtendo pouco sucesso, com percentual de 20% de pega das mudas, por ser uma laje de pedras e apresentar uma topografia superior a 45°. Ficando como sugestão (sic!) ao proprietário do imóvel confrontante (IMCOPLASTIC) o plantio de espécies nativas como araça, uvaia, goiaba, jabuticaba, guavirova, ipê, na divisa de seus terreno com a empresa referida, para dar maior cobertura e fixação ao solo, por ter uma camada rasa em cima da rocha basáltica, evitando o risco de erosão."
Ora, da leitura da referida certidão subscrita por MANOEL DALL'OGLIO DE MORAES fica patente que os réus, por si ou por seus contratados, não percebem a gravidade do dano ambiental perpetrado, assim como parecem não perceber os agentes públicos a relevância das questões judicias a que são chamados a participar, especialmente quando ignorando o poder de polícia que materializam, resumem-se a fazer sugestões, em lugar de determinações e autos de infração e interdição.
Está bem claro não só pela diligente certidão de MANOEL DALL'OGLIO DE MORAES à fl. 405, mas pelas próprias fotos juntadas pelo réu às fls. 390/398, e pelo que é de conhecimento público e notório da área em questão, que os réus trataram de implantar pouco mais que um jardim para fins estéticos no local do dano. Em tese, pode haver até litigância de má-fé ou falsidade ideológica nos documentos citados, porquanto é manifesta a disparidade existente entre as várias espécies mencionadas às fls. 379/380 e o retratado nas fls. 390/398, tudo remarcado pelo fato de a certidão antes citada, da fiscalização municipal, ter indicado que houve a introdução de espécies exóticas no local, citando nominalmente dentre elas a planta hera, tudo sem muito sucesso.
Em suma, tenho que é imperioso condenar os réus e seus interesses particulares, até então prevalecentes sobre o bem-comum, para submetê-los a uma liquidação de sentença, para uma averiguação isenta, de profissionais altamente qualificados, os quais ditarão quais as medidas necessárias não só à recomposição dos danos (à flora, à estabilidade geológica, à vizinhança etc), mas à garantia de que no local onde as obras danosas dos réus estão, venham a ser implementadas as medidas de engenharia tendentes a afastar os riscos oriundos da ação danosa (ampliação do muro de contenção, arborização da área, redimensionamento completo do sistema de águas pluviais de todo o entorno até o Rio Tigre), na base do vale etc, ou mesmo eventualmente ditando a necessidade da demolição da obra dos réus.
Outrossim, se o que se vê nos fatos sob apreciação é uma encosta sob risco de desmoronar, tendo em vista que o muro de contenção construído pela empresa ré parece ínfimo em relação ao tamanho da elevação, a procedência desta ACP se impõe na senda dos princípios ambientais, para que dispondo de um título judicial que obrigue os réus, possa a coletividade minimizar ou mesmo afastar plenamente os riscos criados pela ação danosa.
Não há que se falar em desmoronamento por caso fortuito ou força maior, pois se não tivessem sido retiradas às árvores que estavam plantadas e a imensa quantidade de terras do declive, por óbvio que não teria acontecido o deslizamento de terras que alarmou a todos, estopim do presente litígio, sendo mesmo irrelevante a participação da Natureza na verificação dos riscos e dos desmoronamentos já ocorridos.
Conforme já mencionado, não é preciso os conhecimentos de engenheiro especializado para perceber que a atual situação em que se encontra a encosta, oferece grande perigo aos circunvizinhos, à empresa que se localiza acima e aos empregados dos réus.
O risco de desabamento não será ultimado só pela da canalização das águas provenientes de vizinhos na área das obras. Não se pode negar que tais águas ou mesmo efluentes industriais de fato colaborem para o risco de um infortúnio futuro, mas no entanto, tenho que representa uma parcela mínima diante do estado em que se encontra o local, tendo inclusive, em certa altura, formado uma parede de quase 90 graus em relação ao solo.
À vista das peculiaridades do caso, a conversão da obrigação de demolir das obras em indenização, dependendo do que os peritos apurarem, poderá se harmonizar com os princípios de Justiça e com os objetivos finalísticos de toda a legislação relativa ao meio ambiente.
Há precedentes dos tribunais pátrios que, conquanto não se refiram expressamente a questões relacionadas ao meio ambiente, podem respaldar essa solução: "A invasão de área mínima de terreno, com a construção concluída de valioso prédio, resolve-se com a indenização e não com a demolição." (REsp n.º 77.712, Min. RUY ROSADO DE AGUIAR). "Se a obra é de notório interesse público, não se justifica a sua demolição uma vez já concluída. É judiciosa a sentença que manda indenizar a área invadida e adjudica esta à nunciada." (AC n.º 31.047, Des. JOÃO MARTINS). "Não é extra petita a decisão que, simplesmente, adotando o bom senso, converte demolição em indenização - Restando demonstrado que o desfazimento de obra edificada em terreno alheio é excessivamente oneroso, converte-se a demolição em indenização no valor correspondente." (TAMG, AC n.º 0302229-9, Juiz NEPOMUCENO SILVA). "Só em casos extremos se admite demolição de obra já praticamente terminada, devendo o pleito, se realmente comprovado o prejuízo, limitar-se a indenização, ante o interesse social na preservação de construções." (TJRJ, AC n.º 35.680, Des. PAULO PINTO, apud PAULA, Alexandre de. Código de processo civil anotado. 5ª ed. V. 4. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1993. p. 3556).
E por fim, da Jurisprudência Catarinense, que bem se ajusta, podemos invocar:
DIREITO AMBIENTAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - EDIFICAÇÃO DE PRÉDIO À MARGEM DE RIO - DISTÂNCIA PREVISTA NO CÓDIGO FLORESTAL NÃO RESPEITADA - PEDIDO DE DEMOLIÇÃO - CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO - PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE - EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS. Se da demolição do prédio nenhum benefício resultar ao meio ambiente - e, por via de conseqüência, à sociedade -, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e também a teoria do fato consumado, positivada nos arts. 1.258 e 1.259 do C. Civil -, autorizam a conversão da obrigação de fazer (demolição) em obrigação de dar (indenização). O quantum do prejuízo que suportaria o dono do prédio com a sua demolição parcial deve ser transmudado em indenização a ser aplicada na recuperação da mata ciliar - destinatária da tutela judicial reclamada pelo autor na demanda aforada. (Embargos Infringentes n. 2004.022725-6, de Joaçaba, Relator designado:Des. Newton Trisotto, em 8/06/2005).
Somente a fase da liquidação poderá, diante do auxílio a ser prestado à Justiça por expertos a serem nomeados em equipe multidisciplinar, dizer se é caso de demolição, justamente em função do interesse público, que pode exigir justamente a demolição em lugar da manutenção da obra. Ora, somente a ponderação de elementos e dados técnico-científicos poderá indicar qual a melhor decisão.
Quanto ao pedido de aplicação de medida compensatória, por verificar desde já que o dano perpetrado é impassível de reparação integral, ainda que haja demolição das obras, em fase futura, é caso de serem condenados os réus a compensarem o meio ambiente. Acerca da condenação financeira, ÉDIS MILARÉ disserta: "(...) há duas formas principais de reparação do dano ambiental: a) o retorno ao status quo ante e b) a indenização em dinheiro. Não estão elas hierarquicamente em pé de igualdade." (ÉDIS MILARÉ. Direito do Ambiente. 5ª ed. Rio de Janeiro: RT, 2007. p. 817-818).
Quanto à possibilidade da cumulação das obrigações de fazer com a verba indenizatória, podemos citar do STJ o julgamento do REsp 625249 / PR, relator o Ministro LUIZ FUX, de 31/08/2006, que bem se ajusta ao caso em análise:
PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA.POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85.INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL.1. A Lei nº 7.347/85, em seu art. 5º, autoriza a propositura de ações civis públicas por associações que incluam entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, ou a qualquer outro interesse difuso ou coletivo. 2. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral.3. Deveras, decorrem para os destinatários (Estado e comunidade),deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. 4. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III) e submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material, a fim de ser instrumento adequado e útil. 5. A exegese do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). 6. Interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor ("Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.") bem como o art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção,prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (...)”.7. A exigência para cada espécie de prestação, da propositura de uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa. 8. Ademais, a proibição de cumular pedidos dessa natureza não encontra sustentáculo nas regras do procedimento comum, restando ilógico negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito. 9. Recurso especial desprovido.
Assim, a definição da forma como deverá ser a reparação material do dano deve se pautar por uma liquidação de caráter técnico multidisciplinar, com definição da necessidade de se demolir as obras dos réus, tenho que também a fixação do valor da reparação depende da liquidação.
Ora, a fixação do valor indenizatório depende necessariamente do quanto poderá ser restaurado, bem como do que remanescer alterado, tudo ligado diretamente ao valor da obra, como entende parte da jurisprudência.
Saliento que tudo deverá ser devidamente comprovado nos autos, mediante juntada de laudos técnicos, bem como fotografias de evolução das obras e da recuperação ambiental, devidamente atestada pelos peritos do juízo e pelos órgãos competentes integrantes do SISNAMA.
Por fim, cumpre-me consignar, lamentavelmente, que embora não tenha havido a revogação ou cassação expressa da decisão liminar que embargou as obras dos réus, é sabido que no local do dano foi construído um notável galpão depois de finda a terraplanagem, com estacionamento interno para caminhões, sem ter havido em Juízo qualquer definição expressa, em sede de decisão interlocutória, acerca das questões controvertidas na lide, pelo que se sujeitam agora os réus às conseqüências da ação civil pública, posto que indisponíveis os interesses tutelados nesta ação. Note-se que na audiência do dia 27.11.2006 (fl. 373), ficou consignado que o Ministério Público não se opunha à edificação do galpão dos réus, no local onde promoveram o dano ambiental (e que se confunde com este), "(...) desde que observadas as exigências legais, inclusive alvarás de construção junto à municipalidade."
Porém, nunca vieram aos autos tais documentos, como já frisado na fundamentação da procedência dos pedidos, não tendo mesmo havido uma revogação expressa da liminar que embargou a obra já concluída dos réus. Frise-se, ainda, que tal audiência se deu em 27.11.2006, quando há muito cancelada as licenças ambientais de que incialmente dispunham os réus para sua terraplanagem.
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados em face de DEYCON COMÉRCIO E REPRESENTAÇÕES e FIORELO PEGORARO, para o fim de confirmar as medidas liminares e assim:
a) CONDENAR os réus ao cumprimento da obrigação de fazer, consistente na contratação e pagamento da elaboração um projeto técnico multidisciplinar elaborado no mínimo por um Engenheiro Civil e um Engenheiro Geólogo, escolhidos e nomeados por este Juízo, os quais avaliarão e estabelecerão a eventual necessidade e os detalhes técnicos da ampliação da contenção da encosta (muro), com a finalidade de impedir novos deslizamentos de terra e prevenir mais danos à incolumidade pública (inclusive mortes), ou que indicarão subsidiarimente a necessidade da DEMOLIÇÃO das obras realizadas;
b) CONDENAR os réus à obrigação de fazer, consistente na restauração de toda a Área de Proteção Ambiental - APA, o que deverá se realizar conjunta ou imediatamente após a execução das eventuais obras contenção da encosta, tudo mediante contratação de projetos e serviços previamente licenciados na FATMA e nos departamentos municipais;
c) CONDENAR os réus na obrigação de sujeitar o projeto técnico da equipe multidisciplinar antes referido aos órgãos públicos, em 15 (quinze) dias, até a sua homologação, para ser executado nos 6 (seis) meses imediatamente seguintes;
d) CONDENAR os réus ao pagamento de uma indenização, nos termos do item "f" do pedido inicial, como medida compensatória do art. 9º, IX, da Lei n.º 6.938/81, valor a ser arbitrado em liquidação, revertido para o Fundo para a Reconstituição dos Bens Lesados – FRBL, previsto na Lei n.º 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto Estadual n.º 1.047/87;
e) FIXAR MULTA diária no valor de R$1.000,00 (mil reais) até o limite de R$5.000.000,00 (cinco milhões de reais), também revertidos para FRBL, para o caso do descumprimento de quaisquer das determinações;
f) CONDENO também os réus ao pagamento das custas e demais despesas processuais, inclusive honorários advocatícios que fixo em R$10.000,00 (art. 20, §4º, do CPC), posto não acolher como acertado o entendimento que reza que “tendo em vista que a propositura da ação civil pública constitui função institucionalizada, uma das razões porque dispensa patrocínio por advogado, não cabe o ônus do pagamento de honorários” (CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Ação civil pública. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1995. p. 368). Ora, nada impede ser ressarcido o Estado pelo gasto havido com seu órgão ministerial, pela via da sucumbência, como de fato ocorre com outros sucumbentes em face do Estado, em outras ações análogas, emprestando-se, ademais, tratamento igualitário aos demais réus condenados em processos cíveis comuns.
PUBLIQUE-SE, REGISTRE-SE e INTIMEM-SE, inclusive os réus, pessoalmente, por mandado, porquanto há condenação em obrigações de fazer.
Independentemente do trânsito em julgado, oficie-se ao FRBL com cópia desta sentença, nos termos do art. 219 do CNCGJ, comunicando a propositura e o andamento da presente ACP.
Em caso de apelação, atente-se que eventual efeito suspensivo recursal, em prejuízo da eficácia desta sentença, deve ser concedido motivadamente (art. 14 da Lei n.º 7.347/85).
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