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quarta-feira, 24 de junho de 2009

"Agilizar licenciamento ambiental é inconstitucional", diz pesquisadora


Durante uma audiência pública ocorrida na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro no dia 15 de junho, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc anunciou um novo programa para agilizar o processo de licenciamento ambiental. Nomeado “Destrava 2″, o projeto tem o intuito de dar continuidade ao primeiro “Destrava” anunciado em julho do ano passado.

Desta vez, Minc pretende reduzir o tempo que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) leva para avaliar um pedido de licença para um ano e dois meses. A notícia despertou grande desconfiança do setor ambientalista quanto a legitimidade e manutenção da qualidade do procedimento.

Entre os principais críticos da postura do ministro é a pesquisadora da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, Telma Monteiro, que desde o anúncio do programa, fez críticas por meio de artigos em seu blog. Para a pesquisadora, a combater a idéia de Minc não é somente uma questão de proteção ao meio ambiente, mas também legal.

Em entrevista ao site Amazonia.org.br, Telma Monteiro pontua as razões da ilegalidade de um novo modelo de licenciamento, faz críticas à gestão de Minc e comenta a situação do modelo hidrelétrico atual. Confira abaixo.

Amazonia.org.br - Durante o anuncio do novo programa, Minc afirmou que “Vamos lançar o ‘Destrava 2′ com novos mecanismos, sem perder o vigor, sem afrouxar no que é importante, que é o critério ambiental”. A julgar pela experiência do primeiro “Destrava”, agilizar os licenciamentos é compatível com manter o rigor nos critérios ambientais?

Telma Monteiro - É absolutamente impossível. Quando ele anuncia um novo modelo de licenciamento, nós devemos perguntar como é que ele pensa um novo modelo. Porque, para fazer isso, ele teria de usar algum tipo de ferramenta legal.

No caso de hidrelétrica, por exemplo, ele só poderia fazê-lo ou por meio de uma Medida Provisória, que seria uma forma do presidente alterar a lei usando uma justificativa como caráter de urgência, dizendo que as hidrelétricas são necessárias para o desenvolvimento do país, ou ele poderia mudar este modelo através de um projeto de lei, que teria de passar pelo congresso. Neste caso, ele teria de ferir a constituição, alterando a lei 6938 de 81, da política nacional do meio ambiente.

Outro caminho seria instrução normativa do Ibama, ou portarias do Ministério do Meio Ambiente. De qualquer forma, um novo modelo de licenciamento seria ferir a constituição, pois estaria alterando uma política nacional do meio ambiente. Então, ele não pode criar um novo modelo, até por que este modelo depende de resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente [Conama]. Se ele alterar qualquer uma destes itens, ele estará ferindo a constituição.

Amazonia.org.br - E não é possível diminuir o tempo do licenciamento sem criar estes novos mecanismos?

Telma Monteiro - Não, por que o problema do tempo é que este ele é necessário para que se proceda com todas as análises técnicas de um estudo ambiental, do Estudo de Impactos Ambientais / Relatório de Impactos no Meio Ambiente (EIA/RIMA). Quer dizer, não tem como você dimensionar o tempo que vai levar para uma equipe técnica analisar todos os estudos ambientais, todos os impactos, prever programas de mitigação, etc.

O Minc está prevendo, inclusive, a mudança de um novo modelo calcado em licenciar bacia hidrográfica. Se fizer isso, na realidade, você estará primeiro ferindo todas estas leis, inclusive a constituição.

Você imagina que ele pretende, licenciando uma bacia hidrográfica, que o sistema abrigue quantos empreendimentos hidrelétricos eles quiserem. Ou seja a bacia hidrográfica vai virar um grande sistema lacustre? Ao invés de rios, teremos vários lagos?

O ministro precisa ser questionado. Outro dia ele estava berrando contra a bancada ruralista sobre a MP 458, foi chamado a atenção pelo Lula e agora está ai dizendo “Poxa, olha só como a administração dele é competente, ele obteve celeridade nas licenças”. Alguma coisa está muito errada, principalmente nesta história de inventar um novo mecanismo.

E como é que ficam as resoluções Conama, que regem a matéria do licenciamento ambiental? Como é que ele vai alterar isso? De qualquer forma terá de passar pelas instâncias. E se passar, vai ferir a constituição. Ai vai precisar de uma emenda. Então não pode sair por ai falando que vai mudar o licenciamento ambiental com um novo modelo que ele está inventando.

Amazonia.org.br - Em tempo normal, os licenciamentos são baseados em estudos com qualidade? Há falhas no licenciamento?

Telma Monteiro - Eu quero dizer que os pareceres técnicos do Ibama são impecáveis. Eles abordam, dizem e provam porque não atestam a viabilidade ambiental dos empreendimentos. São claros ao dizer o porquê de não poderem ser concedidos.

Como no caso das hidrelétricas do Madeira, os estudos foram muito claros, quando concluíram que não estava comprovada a viabilidade das duas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio). E quando foi dado a licencia de instalação, o Ibama reafirmou que, apesar das condicionantes da licencia prévia até aquele momento do parecer técnico que analisou o cumprimento das condicionantes da licencia prévia e o plano básico ambiental, que não conseguiam atestar a viabilidade ambiental. Concluíam pela não concessão.

O problema é que a equipe técnica conclui que não são viáveis e aí o presidente do Ibama se senta no gabinete com algumas autoridades, inclusive Dilma Rousseff, e determina que a licença tem que ser concedida. Marca-se, inclusive, o dia e dão uma licença política. Agora, onde está o compromisso que aquela hidrelétrica tem que ser feita? Em que medida aquele projeto vai resolver os problemas do futuro?

Amazonia.org.br - O ministério pode estar agindo sobre pressão do setor hidrelétrico para implementar o Destrava?

Telma Monteiro - Este é o resultado de uma necessidade de fazer hidrelétrica. Os dois grandes negócios no Brasil hoje é fazer uma grande hidrelétrica e fazer uma pequena hidrelétrica. Porque, nos dois casos, o consórcio ganha para construir, porque a construtora geralmente é parte do consórcio e a construtora vai ganhar também na geração de energia.

Pegando por exemplo o anuncio de uma empresa chamada Areva: “A pergunta chave para o futuro: O que falta para você escolher investir em PCH(Pequena Central Hidrelétrica)?”
Estão construindo PCH como se fosse produzir cerveja. O rio está lá, a água está lá, então vamos fazer PCH. Então, qual é a conta que diz que todo mundo pode investir, que já não é mais necessidade de gerar energia, é investimento, é como se você abrisse uma fábrica para fabricar cerveja. Estas políticas estão acontecendo é para facilitar investimento em grandes e pequenas hidrelétricas.

Amazonia.org.br - Já existe alguma uma movimentação da sociedade civil organizada contra o “Destrava 2″?

Telma Monteiro - Claro e temos que começar um movimento muito grande contra o “Destrava 2″. Primeiro nós temos esta questão: de que forma vai fazer o modelo para hidrelétrica se o ministro vai ferir a constituição. E, segundo, com relação ao barramento dos rios como um investimento hoje, para único e exclusivamente para ganho dos investidores.

Além disso, o governo está pensando que em todos estes rios que serão barrados, o projeto é fazer eclusas. Existe uma coisa muito mais ampla do que hidrelétricas. Precisa começar a gritar em cima disso. Inclusive, deixar bem claro a postura da sociedade civil. Ninguém está entendendo pra que vamos gerar tanta energia. Ninguém nos explicou ou discutiu a energia que vai ser gerada: para onde e vai e quanto é.

A sociedade civil não quer mais barrar nenhum rio. Não quer mais destruir nenhuma cachoeira. Isso tem que ficar claro. Não é possível mais barrar nem os que já estão barrados e nem os novos rios. Nós não precisamos disso.

Amazonia.org.br - Você acredita que o prazo de um ano e dois meses é o bastante para obtenção de licenciamento?

Telma Monteiro - Ele está prometendo fazer licenciamento em um ano e dois meses. Não faz sentido isso. Quem faz o licenciamento não é o ministro, é a equipe técnica. Como é que ele pode saber em quanto tempo a equipe vai fazer isso? Então o que eles querem: analisar para dar logo a licença.

Então para que precisa? Faz o seguinte, dispensa equipe técnica, dispensa o Ibama, vai lá numa maquininha, coloca no nome do rio, o nome da concessionária e aperta um botão e sai um ticket licenciado. Vamos licenciar como se fosse um ticket de um caixa eletrônico.

Amazonia.org.br - Você acredita que medidas como estas podem aumentar a velocidade de degradação da floresta Amazônica?

Telma Monteiro - Sim, não tenha dúvida nenhuma. Se estão prometendo que vamos licenciar hidrelétricas mais rapidamente, vamos imaginar quantas hidrelétricas sairão. A idéia é licenciar a bacia hidrográfica. Estão falando em novo código ambiental. O ministro Minc está delirando, isso só pode ser delírio.

Amazonia.org.br - A atual “relação de troca” entre vetar hidrelétricas e liberá-las tornou-se uma necessidade para o MMA sobreviver às pressões? O Minc poderia ser mais rígido?

Telma Monteiro - Mas ele não tem que ser nem rígido e nem fazer troca. Isso não depende dele, isto depende dos estudos ambientais e sociais. Não tem que ter troca. Não é este o espírito da coisa. Por isso existe o licenciamento.

Se ficar provado que o empreendimento é apto, então a licença vai ser dada. Agora ,se for provado que os empreendimentos não são viáveis, então não tem que trocar nada. Não é um escambo. Não se pode transformar a questão do licenciamento ambiental em meras trocas entre ministros, que é uma decisão unicamente política.

Amazonia.org.br - Você acredita que a indicação do Minc para o ministério foi devida a esta política de agilização de licenciamentos?

Telma Monteiro - Ele não foi indicado nem por isso, nem por nada. Ele apenas preencheu um espaço que precisava ser ocupado e como ele é um fraco, tão fraco que está tornando mais difícil ainda, e o governo está passando com um rolo compressor em cima da sociedade, e o Minc está na frente, sendo amassado.
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FONTE : Flávio Bonanome, do Amazonia.org.br (Envolverde/Amazônia.org.br)

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