02 de agosto de 2015
Por Augusta Scheer (da Redação da ANDA)
Há mais de dois milhões de anos, os mamutes e elefantes asiáticos tomaram caminhos evolutivos diferentes, de acordo com pesquisas genéticas. Costumávamos pensar que os elefantes asiáticos constituíam uma espécie única, mas um novo conjunto de pesquisas provou recentemente que existem duas espécies, segundo reportagem do New York Times.
Para ver a diferença entre as duas espécies (os elefantes “de floresta” e os “de savana”), basta olhar cuidadosamente para os animais, mas, até o ano de 2010, essa constatação ainda dependia de evidências genéticas. Os elefantes de floresta são bem menores e têm apenas metade do peso dos elefantes de savana, tendo evoluído nas matas tropicais da África central e ocidental. Suas orelhas são mais redondas do que as dos outros elefantes, e suas presas, menos curvadas.
Os elefantes de savana, por outro lado, possuem orelhas mais triangulares e presas grossas e curvadas. Costumam habitar os espaços abertos de arbustos, da África oriental até o sul do continente, onde são bastante abundantes. Pesquisas mostram que as duas espécies diferem uma da outra tanto quanto, por exemplo, leões diferem de tigres.
Ao longo dos últimos dez anos, vem se formando um forte consenso científico sobre a biologia dos elefantes. Em junho, o Centro pela Diversidade Biológica enviou um pedido ao Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos Estados Unidos, demandando que os elefantes africanos sejam reclassificados como duas espécies separadas e que ambas sejam protegidas sob a categoria “em perigo”, de acordo com a Lei federal de Espécies Ameaçadas.
Pode parecer estranho que os Estados Unidos deem esse status legal a animais que vivem em outros países, mas, na verdade, essa proteção de animais “estrangeiros” sob a lei norte-americana pode trazer benefícios importantes a essas espécies, por exemplo, impedindo que partes desses animais sejam comercializadas nos Estados Unidos. Também pode resultar em financiamento de pesquisas e de esforços de conscientização do público.
A questão destas duas espécies de elefantes africanos (em oposição à crença de que esses animais formam uma só espécie) não se resume a uma discussão retrógrada sobre genética. É uma questão de vida ou morte para essas criaturas majestosas. Sem os elefantes, a paisagem africana seria irreconhecível, mas, ainda assim, a população desses animais vem sendo reduzida em centenas de milhares de indivíduos, graças a duas grandes ondas de caça que ocorreram ao longo do presente século. A primeira delas se deu nas décadas de 1970 e 1980 e a segunda começou em 2009 e está acontecendo atualmente. O pedido feito pelo Centro ao Serviço de Pesca e Vida Selvagem vem para ajudar a combater essa tendência.
Atualmente, as duas espécies de elefante são tratadas como se fossem uma só, e consideradas “ameaçadas” sob a lei norte americana. Esse status oferece menos proteção do que o rótulo “em perigo”, o qual indica que não há muitos indivíduos remanescentes e que a espécie corre o risco de ser extinta.
Ao reconhecer o fato de que esses animais pertencem a duas espécies distintas, o Serviço reconheceria também que as populações foram drasticamente reduzidas, especialmente se comparadas à abundância desses animais no passado.
O Serviço considera atualmente que há cerca de meio milhão de indivíduos remanescentes na espécie, ao invés de levar em conta que restaram somente entre 50 e 100 mil indivíduos de floresta, e cerca de 400 mil elefantes de savana. Importante lembrar que esses números podem ser bem inferiores, já que é muito difícil contar elefantes.
As populações de ambas as espécies vêm sendo reduzidas drasticamente pelas caçadas frenéticas que vêm ocorrendo. Dezenas de milhares de animais são brutalmente assassinados a cada ano por contrabandistas interessados em suas presas, o que resultou num declínio de 62% na população de elefantes de floresta em menos de uma década. Além da caça, outros fatores que vêm dizimando essas populações incluem a destruição de seu habitat e conflitos civis. Assim, os elefantes de floresta estão sob perigo mais urgente que os seus primos da savana, mas as populações dessa última espécie também declinaram significativamente em todo o continente africano, particularmente na Tanzânia, onde uma das maiores populações (que contava com cerca de 109 mil animais) foi reduzida a 43 mil indivíduos ao longo de apenas cinco anos, entre 2009 e 2014.
Se os Estados Unidos reconhecerem e protegerem as duas espécies, a International Union for Conservation of Nature e o tratado internacional CITES (que regula o comércio internacional envolvendo vida selvagem ameaçada) podem seguir o exemplo, destacando a urgência em proteger a espécie mais ameaçada de elefantes.
A nova classificação também endureceria as restrições à importação, exportação e venda de produtos de marfim nos Estados Unidos. Depois da China, os Estados Unidos possuem o segundo maior mercado de marfim no mundo, sendo que a maior parte desse comércio se dá com marfim ilegal. No mês passado, um importante fiscal florestal da China se comprometeu a eliminar esse comércio se os Estados Unidos fizerem o mesmo.
Isso quer dizer que, se os Estados Unidos tomarem a decisão de reclassificar os elefantes africanos, essa postura poderá transformar o tratamento conferido aos elefantes pelas duas maiores economias do mundo (que são também os dois maiores consumidores de marfim no planeta).
O comércio de marfim vem literalmente dizimando as espécies de elefantes africanos. É necessário agir agora, antes que seja tarde demais.
Breve histórico do tráfico de marfim:
1979: primeira grande onda de assassinatos. Caçadas que ocorreram entre 1979 e 1989 reduziram as populações de elefantes africanos de 1,3 milhão de indivíduos para menos de 600 mil, numa taxa de redução de 7,4% ano ano.
1989: com a proibição do comércio de marfim, as caçadas praticamente terminaram. A maior parte das populações começou a se recuperar.
1997: reinicia o comércio de marfim em alguns países africanos, com um relaxamento na proibição. Mesmo nos lugares em que a proibição foi mantida, falhas de fiscalização permitem que o comércio siga acontecendo. Somente as vendas internacionais são proibidas, sendo que o comércio doméstico é permitido.
Início dos anos 2000: com a ascensão econômica de países como China e Tailândia, cresce a demanda por produtos de marfim. No mercado negro chinês, o valor de venda do marfim dispara, passando de 120-170 dólares por kg em 2002, para 2100 dólares em 2014.
2002-2013: estudos comprovam a devastação massiva das populações de elefantes. Os elefantes de floresta, que vivem no centro do continente, foram reduzidos em cerca de 65%, numa taxa de 9% ao ano. Desde 1970, foram assassinados nove décimos das populações históricas desses animais, que já desapareceram de 75% da área originalmente habitada por eles. Os elefantes de savana, que vivem mais espalhados pelo continente, estavam se recuperando até 2009. Naquele ano, as caçadas aumentaram e vêm crescendo até hoje. Numa população queniana que está sendo acompanhada por cientistas, 21% dos elefantes foram assassinados em quatro anos. É impossível que as taxas de natalidade deem conta de repor essas populações.
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