Dossiê Abrasco adverte sobre os danos causados pelos agrotóxicos, mas também aponta caminhos possíveis para a produção de alimentos limpa
Versão impressa do Dossiê Abrasco Foto: Leslie Chaves |
Profissionais, gestores públicos, professores e estudantes de diversas áreas do conhecimento, mas principalmente das graduações e pós-graduações em nutrição, engenharias ambiental e de alimentos, e de outros cursos ligados ao campo da saúde, tiveram a oportunidade de discutir as contribuições do “Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde” com dois dos organizadores do trabalho, a biomédica e doutora em saúde pública Karen Friedrich, o biólogo e doutor em Epidemiologia,Fernando Carneiro; e ainda com o engenheiro agrônomo e doutor em engenharia de produção,Leonardo Melgarejo.
Os debates aconteceram durante o lançamento do Dossiê que, à noite, fechou a programação doSeminário Agrotóxicos: Impactos na Saúde e no Ambiente, promovido na Unisinos ao longo da última segunda-feira, 24-08-2015. O livro reúne em suas cerca de 600 páginas uma série de informações científicas que buscam o diálogo com a sociedade a partir de uma linguagem, diagramação, e inserção de recursos gráficos que procuram facilitar a compreensão e o uso do material.
O Dossiê começou a ser dissecado já durante a tarde na conferência de Fernando Carneiro, que é professor da Fundação Osvaldo Cruz, a Fiocruz Ceará, e da Universidade de Brasília – UnB. O pesquisador mergulhou na publicação para falar dos efeitos e impactos dos agrotóxicos no meio ambiente e da sustentabilidade como alternativa ao agronegócio. “Vende-se a ideia de que o uso de sementes transgênicas e mais agrotóxicos são necessários para aumentar a produção. Mas dados do IBGE mostram que quem mais põe alimento na mesa do brasileiro é a agricultura familiar”, diz o pesquisador.
Signorá Konrad, professora do curso de Nutrição da Unisinos (à esquerda), Fernando Carneiro, Leonardo Melgarejo e Karen Friedrich no evento Foto: Leslie Chaves |
Depois de fazer um resgate histórico do uso dos agrotóxicos, Carneiro aborda o poder da propaganda das empresas detentoras das patentes das substâncias. “É assim que se dissemina e cristalizam falsas verdades sobre o tema. E vive-se essa hegemonia do agronegócio também dentro da academia. Um percentual de 95% das pesquisas sobre agrotóxicos visam à maximização de seu uso e não medir e avaliar seus efeitos no ambiente”, destaca. É nesse contexto que o Dossiê se insere. A ideia é promover o pensamento complexo e se afastar do marketing do agronegócio e da assepsia da ciência que busca distanciamento na relação entre problema e objetivo.
De acordo com o pesquisador, esse é um dos motivos de o Dossiê buscar inspiração em autores como Edgar Morin, Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, entre outros. “Uma das grandes novidades é a metodologia, o olhar multidisciplinar, a forma como trazemos e organizamos as informações que já estão por aí. Afinal, já vimos que temos teoria crítica. O problema é que ainda temos o pensamento careta”, provoca.
Para Karen Friedrich, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz, professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural – AGAPAN e coordenadora do GT de Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia; o Dossiê discute os problemas causados pelos agrotóxicos, mas também aponta trilhas para a mudança. Uma dessas opções é a agroecologia, que possibilita a produção de alimentos sem produtos químicos e ainda é um meio para a promoção da justiça social a partir da valorização dos saberes de famílias que há muito tempo produzem alimentos de uma maneira saudável e rica, em diversas dimensões, para a sociedade. “Os consumidores têm o direito de saber sobre todas as informações a respeito dos agrotóxicos, de que forma esses químicos estão presentes nos alimentos e onde buscar alternativas, para poder escolher o que vão adquirir para compor sua alimentação”, defende.
Profissionais, gestores públicos, professores e estudantes acompanharam o evento Foto: Leslie Chaves |
Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, membro do Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade, e coordenador do GT Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia, ressalta a questão da alimentação processada, que também é produzida a base de produtos químicos. Para o pesquisador, é necessário que se incentive o consumo de alimentos naturais cultivados a partir de métodos orgânicos e sustentáveis. Os debates suscitados pelo Dossiê podem ser uma forma de fomentar essa mudança de hábito. “Quando consumimos, por exemplo, suco industrializado de fruta, seu gosto se parece com o da fruta, mas estão longe de ser a fruta. Ainda, esses alimentos são produzidos para serem consumidos até o final, não importando o tempo que se leve para terminar com o conteúdo da embalagem. São produtos cheios de conservantes, que não estragam, e isso é preocupante, pois nem as bactérias e fungos querem se alimentar deles. Nós queremos que as pessoas consumam alimentos de verdade, produzidos de maneira saudável e sustentável”, ressalta.
O “Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde” continuará sendo debatido nos diversos eventos de lançamentos que estão agendados para acontecer em várias cidades do Brasil. Ainda, o material tem sido recebido em países da América Latina e em breve será concluída sua tradução para o espanhol. Essa versão em língua espanhola tem previsão de ser lançada em outubro deste ano na Argentina, no Congresso Latino-Americano de Agroecologia, da Sociedade Latino-Americana de Agroecologia – SOCLA.
É possível acessar a versão eletrônica do Dossiê aqui.
Por Leslie Chaves e João Vitor dos Santos
(EcoDebate, 31/08/2015) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Um comentário:
James, quem vende a ideia de que os transgênicos são necessários para combater a fome no mundo são os próprios ativistas anti-transgênicos: tanto os fornecedores de sementes quanto os agricultores sabem muito bem que a tecnologia ajuda ao agricultor a ter mais lucro e ao produtor de semente a ganhar seu dinheiro. É por isso que hoje 98% da soja e do milho são transgênicos no Brasil e isso vai acontecer em todos os países onde o agricultor for livre para comprar a semente que quiser e for muito tecnificado.
Por outro lado, o uso de agrotóxicos nada tem a ver com a transgenia, e sim com a agricultura intensiva, principalmente. Sugiro a leitura do link http://genpeace.blogspot.com.br/2015/08/desmascarando-ligacao-entre-aumento-do.html. Lá você verá que a soja convencional e a tolerante a herbicida, ambas, usam agrotóxicos, e a diferença é de apenas 15%, ao menos no MS. Também lembro que as plantas encontradas com resíduo de agrotóxicos nos nossos mercadinhos são todas não transgênicas, a maioria advinda da agricultura familiar e do pequeno agricultor (http://genpeace.blogspot.com.br/2015/03/agrotoxicos-tamanho-real-do-problema-e.html) . Então, não é o modelo agrícola do agronegócio que usa agrotóxicos: todos usam, inclusive os pequenos.
Seria maravilhoso se pudéssemos alimentar todos os brasileiros e ainda exportar para fazer divisas empregando apenas a agroecologia, mas eu duvido muitíssimo que isso seja viável.
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