Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS –
Manágua, Nicarágua, 26/8/2015 – A caixa de ferramentas da América Central para tirar da pobreza 23 milhões de pessoas, quase metade de sua população, deve conter sem falta três instrumentos: acesso universal à água, disponibilidade de energia elétrica sustentável e adaptação à mudança climática. “Essas são as pré-condições básicas, mínimas e necessárias para que seja garantida a sobrevivência”, disse à IPS o nicaraguense Víctor Campos, subdiretor do não governamental Centro Humboldt, especializado em gestão ambiental no istmo centro-americano.
As três ferramentas são especialmente importantes para a agricultura, o motor econômico da região, e particularmente nas zonas rurais e nos territórios indígenas, as áreas com maior incidência de pobreza. Campos destacou que essa é a base mínima a partir da qual trabalhar a agenda “de outros temas que devemos prestar atenção, como educação, saúde ou grupos com vulnerabilidades, mas antes é preciso ter essas condições que nos garantam a sobrevivência mínima”.
Na América Central, 48% da população está abaixo da linha de pobreza e enfrenta, com o conceito de sobrevivência muito presente, a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, que a comunidade internacional lançará em setembro, porque diariamente milhões de seus habitantes lutam para ter água e alimento.
A vulnerabilidade da região e de sua população foi um tema em que coincidiram os participantes do encontro centro-americano Unidos na Ação Para o Bem Comum, realizado no dia 21 deste mês na capital nicaraguense para analisar a Agenda Pós-2015 e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses 17 ODS constituem o pilar da agenda e serão adotados em uma cúpula de chefes de Estado e de governo, que acontecerá entre os dias 25 e 27 de setembro na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, para que seja cumprida até 2030.
Os temas de energia sustentável, disponibilidade e gestão da água, e resposta à mudança climática têm cada um seu ODS, mas os especialistas que participaram do encontro de Manágua indicaram que nos países do istmo os três estão entrelaçados com o da redução da pobreza em todas as suas dimensões. “Temos em nossos países uma luta contra a pobreza que nos deixa complexados”, disse Campos.
Com população de 48 milhões de habitantes e produto interno bruto por pessoa bem abaixo da média mundial (US$ 3.035 contra US$ 7.850), a região precisa descobrir caminhos para fugir da espiral de pobreza que atinge quase um em cada dois habitantes.
Segundo o informe A Economia da Mudança Climática na América Central, divulgado em 2012 pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), “a redução e instabilidade da disponibilidade de água e dos rendimentos agrícolas podem afetar os mercados trabalhistas, o fornecimento e o preço dos bens básicos e o fluxo migratório para as zonas urbanas”.
Isso teria impacto nos cultivos de subsistência, como milho ou feijão, ou nos produtos tradicionais de exportação, como o café, fundamentais na região composta de sul a norte por Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Belize e Guatemala. As agências da ONU também acrescentam a insular República Dominicana. Uma área estratégica é o chamado Corredor Seco, uma faixa de clima árido que vai da Guatemala até a Costa Rica e que os especialistas afirmam ter expandido seu impacto.
“Estamos modificando o uso do solo, associado ao fenômeno climático, e consequentemente o Corredor Seco já não é simplesmente o Corredor, mas sim que estamos convertendo o país inteiro em uma espécie de corredor seco”, pontuou à IPS o secretário executivo da nicaraguense Mesa Nacional para a Gestão do Risco, Denis Meléndez.
No estudo Panorama da Segurança Alimentar e Nutricional da América Central, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) indica que isso pode complicar o objetivo de eliminação da fome na região. Nos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), estabelecidos em 200o em outra cúpula mundial e que agora serão substituídos pelos ODS, o primeiro era “erradicar a pobreza extrema e a fome”, com a meta de reduzir pela metade os dois fenômenos com relação aos níveis de 1990.
A FAO determinou que os países centro-americanos se aproximaram da meta, ao diminuir o número de pessoas que passam fome de 24,5% para 13,2% da população total, mas a porcentagem mais do que duplica a média da América Latina, que é de 6,1%. Porém, o impacto da mudança climática sobre os mais vulneráveis vai além da agricultura, do acesso à água ou contar com energia sustentável.
Segundo a Cepal, dois em cada três habitantes da região moram em assentamentos que combinam pobreza com condições insalubres, onde a mudança climática aumentará a maior prevalência esperada de algumas doenças associadas à pobreza, como malária e dengue.
“Sendo a mudança climática o maior desafio que a humanidade tem pela frente, no momento e nas décadas futuras, então temos que pensar na adaptação não necessariamente como um eixo transversal, mas como algo que cai por seu próprio peso”, afirmou à IPS o coordenador da Mesa de Mudança Climática de El Salvador, Francisco Soto.
Esse impacto já é reconhecido pelos governos regionais, e o Sistema de Integração Centro-Americana (Sica) o adicionou em 2010 à sua Estratégia Regional de Mudança Climática, um fenômeno que “fará com que os desafios sociais, como redução da pobreza e governabilidade, sejam mais difíceis de alcançar”.
Por essa razão, especialistas, como a boliviana Andrea Rodríguez, destacaram durante o encontro que cada projeto que os governos dedicarem à redução da pobreza também deve incluir considerações sobre os impactos da mudança climática. “Se não forem considerados, não poderemos ter uma solução efetiva, porque a mudança climática e o desenvolvimento são como gêmeos, seguem lado a lado e devem ser tratados ao mesmo tempo, para que a cooperação seja efetiva”, destacou Rodríguez à IPS.
Essa especialista, assessora legal do Programa de Mudança Climática da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente, insistiu na necessidade de planejar de maneira conjunta e em longo prazo o investimento em infraestrutura energética e no desenvolvimento sustentável. “A única forma de combater a mudança climática e contribuir para o desenvolvimento econômico é deixar de lado os combustíveis fósseis e buscar alternativas mais limpas”, enfatizou.
A sociedade civil do istmo agrupada na Aliança Centro-Americana para a Sustentabilidade Energética (Accese) propõe as instalações renováveis em pequena escala como solução para suprir a crescente demanda por energia e ao mesmo tempo empoderar as comunidades mais vulneráveis. Segundo a Accese, 15% das pessoas na região não estão incluídas na cobertura elétrica e até 50% cozinham com lenha. Essa parcela da população está localizada majoritariamente em ilhas, zonas montanhosas e áreas rurais de difícil acesso.
Pobreza se desdobra nos ODS
Nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o primeiro Objetivo de Desenvolvimento do Milênio, o de erradicar a pobreza extrema e a fome, foi dividido em dois. O primeiro dos 17 ODS é “colocar fim à pobreza em todas suas formas em todo o mundo” e o segundo, “colocar fim à fome, conseguir a segurança alimentar e a melhoria da nutrição, e promover a agricultura sustentável”.
Além disso, o sexto afirma: “garantir a disponibilidade de água e sua ordenação sustentável, e o saneamento para todos”, o sétimo, “garantir energia acessível, segura, sustentável e moderna para todos”, e o 13º, “adotar medidas urgentes para combater a mudança climática e seus efeitos”. Envolverde/IPS
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