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segunda-feira, 5 de novembro de 2012
Evolução (do sistema econômico e social planetário) e não apenas exaustão, artigo de Washington Novaes
[O Estado de S.Paulo] Por mais que se queira não se consegue fugir ao tema que o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chamou durante a conferência Rio+20, em junho, de “exaustão do sistema econômico e social planetário” – 868 milhões de pessoas que passam fome todos os dias, 1,3 bilhão vivendo abaixo da linha da pobreza, população total de 7 bilhões avançado para 9 bilhões até meados do século, recursos naturais usados em ritmo superior à reposição, “crise de finitude de recursos”, impasse na produção de alimentos. Como produzir para mais 2 bilhões de pessoas no atual quadro?
Segundo a Rádio ONU, estudos do Banco Mundial dizem que, embora a pobreza venha diminuindo, 22% da população do mundo “em desenvolvimento” ainda vive com menos de US$ 1,25 por dia (era 1,94 bilhão em 1981, baixou para 1,29 bilhão no fim da década passada; em 2015 ainda haverá 1 bilhão). Na África Subsaariana, uma em quatro pessoas na população de 856 milhões é subnutrida. Mesmo nos Estados Unidos 18,2% da população tem, segundo o Gallup, dificuldade para comprar alimentos (TV-Novosti, 28/9) – embora a própria Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) venha advertindo sobre o desperdício de 1,3 bilhão de toneladas anuais de alimentos no mundo, principalmente nos países mais ricos.
Um dos documentos mais contundentes, divulgado na semana passada em Nairóbi (Quênia) pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), diz que “os sustentáculos da segurança alimentar e da biodiversidade no mundo estão sendo minados”. É urgente, por isso, incluir na agricultura e no seu planejamento os serviços prestados pela natureza para avaliar a situação em cada lugar – da mesma forma que, na Rio+20, a Universidade da ONU propôs um novo indicador, em lugar do produto interno bruto (PIB); esse Índice de Riqueza Inclusiva, avaliando o crescimento da China entre 1990 e 2008, e incluindo a perda de recursos naturais, baixou a taxa de 422% para menos de 20%; no Brasil, o índice caiu de mais de 40% no mesmo período para 13%.
O documento do Pnuma avalia a situação nas áreas da sobrepesca, do uso insustentável da água, das práticas agrícolas que degradam o ambiente e propõe novos caminhos – como na estocagem de alimentos de pequenos produtores (para eliminar desperdícios), uso restrito de fertilizantes e pesticidas, redução da mecanização. Tudo é fundamental, diz o Pnuma, já que a agricultura provê 90% do consumo mundial de calorias e a pesca, os outros 10%. Mas, na primeira a competição pelo uso da água na irrigação, a perda da biodiversidade (com consequências na erosão e desertificação) e os desastres climáticos estão levando a situações insustentáveis. Na pesca, 55% dos estoques de espécies estão “plenamente explorados”, 32% “explorados em excesso”, 3% esgotados e 15% “moderadamente explorados”. Os hábitats costeiros de espécies, recifes de corais e mangues já se reduziram quase à metade. E o aquecimento e acidificação da água são causas importantes. Também nas culturas em áreas continentais os problemas são graves.
As recomendações incluem ainda a eliminação dos subsídios à pesca (US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões anuais) e a criação de impostos pesados para a pesca irregular; na agricultura, várias práticas para a conservação do solo, da diversidade biológica, da microfauna associada à fertilidade nas culturas, a redução de fertilizantes que provocam a eutrofização, a proibição do desmatamento.
No Brasil, estudo do Ministério do Desenvolvimento Social e da Universidade Rural Federal do Rio de Janeiro (26/10) tenta identificar as causas da alta dos preços dos alimentos para as camadas mais pobres da população, superior ao aumento inflacionário. E já aponta “o pico do preço do petróleo”, os baixos estoques, fatores climáticos e os sistemas de financiamento e de especulação financeira (já se mencionou neste espaço que há commodities agrícolas brasileiras que ao final de sua trajetória no “mercado futuro”, ao serem entregues concretamente ao consumo, já passaram por até 40 intermediários, cada um deles aumentando o preço). Diz ainda o estudo que, após a alta de preços, estes não retornam ao estágio anterior. Apesar de todos esses fatores, com o crescimento do salário mínimo e a ampliação dos programas de assistência às famílias de mais baixa renda no Brasil a situação nessa faixa melhorou. O Instituto Data Popular confirma (Estado, 22/1) que a classe E representava em 2001 cerca de 10% da população (17,3 milhões de pessoas) e em 2011 caíra para 3,6% (7 milhões).
De qualquer forma, é tudo tão preocupante que economistas da Unicamp lançaram (Carta Maior, 22/10) um Manifesto em Defesa da Civilização, no qual afirmam que vivemos um período de “profunda regressão social” nos “países ditos desenvolvidos”, com taxas muito altas de desemprego na Espanha e na Grécia. Por isso, pergunta: “Estamos vivendo crise que nega os princípios fundamentais da vida civilizada e democrática? E se isso for verdade, quanto tempo mais a humanidade suportará tamanha regressão?” Termina o texto dizendo que para não haver “uma reação inevitável, violenta e incontrolável” dos estratos mais prejudicados “é preciso colocar novamente em movimento as engrenagens da civilização”.
Talvez possa ajudar nos lembrarmos de Teilhard de Chardin (O Fenômeno Humano, Editions Du Seuil, 1955), quando diz que “avançamos, como que em meio às dores de um grande parto, que traz à memória a história de crises da humanidade” – a Guerra de Troia, a queda do Império Romano, a invasão dos bárbaros, a aventura das cruzadas, as grandes navegações, as grandes descobertas e invenções, a Revolução Russa, o existencialismo, o movimento hippie, a Teologia da Libertação. Estaríamos evoluindo “para um mais-ser, um ser mais pleno e definitivo; porque o Universo, o nosso Universo, não apenas está em evolução, mas é uma evolução”.
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FONTE : Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.
EcoDebate, 05/11/2012
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