Powered By Blogger

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Ao armazenar 30 vezes mais calor que a atmosfera, os oceanos exercem papel fundamental no clima global


Oceanos, os “radiadores” do planeta
Ao armazenar 30 vezes mais calor que a atmosfera, os oceanos exercem papel fundamental no clima global, acentua Luís Valdés. A combinação entre aquecimento e acidificação trará efeitos nos ecossistemas e biotas marinhos ainda não mensurados
Por: Márcia Junges | Tradução: Silvia Ferabolli

Alterações climáticas modificam os ecossistemas marinhos
“A principal preocupação do nosso tempo é a mudança climática, que afetará os oceanos, em termos globais, de duas maneiras: com o aquecimento e a acidificação. O oceano absorve quase um 1/3 de todo o dióxido de carbono emitido a cada ano, e a acidificação dos oceanos aumentou 30% desde o início da revolução industrial; finalmente, espera-se que a taxa de acidificação acelere nas próximas décadas. A acidificação dos oceanos e o aumento das temperaturas oceânicas contribuem para a ameaça estimada de 58% dos recifes de corais do mundo, muitos dos quais já terão sido extintos em 2040”. A ponderação é do cientista Luís Valdés, da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco, em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail. Segundo ele, “a combinação de aquecimento e acidificação está tendo impactos substanciais, mas ainda mal definidos, em ecossistemas marinhos e nas biotas”. Outros fatores preocupantes para a vida oceânica são os derramamentos de petróleo e o lixo marinho, acrescenta. Valdés ressalta que a “gestão e a governança dos oceanos estão muito atrasadas em relação às ameaças existentes aos ecossistemas marinhos, daí a clara necessidade de uma avaliação profunda e abrangente e de uma ampla melhoria das estruturas institucionais para a gestão de costas e oceanos”. Em seu ponto de vista, “a delimitação de Áreas Marinhas Protegidas – AMP parece ser uma das poucas alternativas para realmente proteger a resiliência dos ecossistemas marinhos e preservar a diversidade biológica nos oceanos e assegurar o uso sustentável desses recursos”.
Jorge Luís Valdés é chefe do setor de Ciência Oceânica da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da Unesco.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os maiores problemas dos oceanos?
Jorge Luís Valdés – Cerca de 4,3 bilhões de pessoas vivem associadas às zonas costeiras. Além disso, usamos o oceano costeiro e mar aberto como fontes de alimento, transporte, eliminação de resíduos, água, energia, etc. Em muitos casos, esses usos não são bem regulados ou não seguem boas práticas e, em consequência disso, nós criamos graves problemas ambientais nos oceanos, muitas vezes aumentados pela falta de governança e gestão.
A principal preocupação do nosso tempo é a mudança climática, que afetará os oceanos, em termos globais, de duas maneiras: com o aquecimento e a acidificação. O oceano absorve quase 1/3 de todo o dióxido de carbono emitido a cada ano, e a acidificação dos oceanos aumentou 30% desde o início da revolução industrial; finalmente, espera-se que a taxa de acidificação acelere nas próximas décadas. A acidificação dos oceanos e o aumento das temperaturas oceânicas contribuem para a ameaça estimada de 58% dos recifes de corais do mundo, muitos dos quais já terão sido extintos em 2040.
Viveiros marinhos
A pesca pode ter dois tipos de impacto ambiental, isto é, o dano físico direto do substrato e a alteração das espécies e ecossistemas. No que concerne à alteração das espécies e ecossistemas, essa inclui a pesca excessiva e o descarte de espécies de peixes que não se quer. Isso deve ser mantido nos níveis mais baixos possíveis para que se evitem alterações na abundância relativa de espécies diferentes, causando alterações em cadeias alimentares e perdas para a biodiversidade e para o funcionamento do ecossistema.
Práticas de aquicultura insustentáveis em algumas partes do mundo têm causado degradação, especialmente em áreas costeiras. Esses impactos estão frequentemente associados à produção excessiva de nutrientes nas fazendas dedicadas à piscicultura e ao depósito de matéria orgânica nos habitats bentônicos . Em alguns casos, a liberação de substâncias químicas e a fuga de espécies cultivadas podem ter impactos negativos sobre os ecossistemas. O uso da farinha de peixe e de peixes de baixo valor financeiro para alimentar os peixes de viveiros marinhos pode exercer uma pressão adicional nos recursos haliêuticos .
Ecossistemas em colapso
Fontes terrestres são responsáveis por aproximadamente 80% dos resíduos e da poluição marinha. Nutrientes excessivos despejados no mar pelo esgoto e pelo escoamento agrícola contribuíram para um aumento do número de zonas mortas (áreas hipóxicas ou anóxica) de 149 em 2003 para mais de 200 em 2006, resultando no colapso de alguns ecossistemas. O risco de grandes derramamentos de petróleo aumenta com o avanço da tecnologia que permite perfurações de maior profundidade. O lixo marinho, incluindo plásticos, é outro elemento de preocupação. Pedaços plásticos usados em manufaturas e fragmentos de plástico estão por todos os lugares nos oceanos.
A perda da biodiversidade e de habitats-chave (tanto físicos quanto biológicos) reduz a resiliência do ecossistema, exercendo uma pressão crescente no restante da biodiversidade e dos habitats para manter os valores do ecossistema em face do impacto humano. A perda de biodiversidade devido à bioinvasões marinhas, facilitadas por cracas nos cascos dos navios e outros vetores, também é uma questão fundamental.
A gestão e a governança dos oceanos estão muito atrasadas em relação às ameaças existentes aos ecossistemas marinhos, daí a clara necessidade de uma avaliação profunda e abrangente e de uma ampla melhoria das estruturas institucionais para a gestão de costas e oceanos. Isso já foi claramente reconhecido pela comunidade global e reformas institucionais são necessárias para implementar as convenções e obrigações já existentes, principalmente em nível nacional.
IHU On-Line – Em que sentido os oceanos são os “radiadores” do planeta e qual papel desempenham na regulação do clima?
Jorge Luís Valdés –Os oceanos do planeta cobrem quase três quartos da superfície da terra e regulam o clima agindo como um grande radiador, lentamente liberando calor armazenado nos meses anteriores. A importância dos oceanos é que eles armazenam uma quantidade muito maior de calor do que a atmosfera. Os primeiros 200 metros dos oceanos armazenam 30 vezes mais calor que a atmosfera. Portanto, o fluxo de energia entre os oceanos e a atmosfera é um condutor do clima global.
Correntes de convecção oceânicas transferem calor de um lugar para outro (os trópicos são mais aquecidos que os polos) pelo movimento em massa. A função de transferência de calor das correntes de convecção modula o clima da terra. Alterações na configuração da latitude e da terra causam alterações regionais na temperatura, ventos e chuvas. Cientistas usam modelos acoplados de circulação geral oceano–atmosfera para estudar as características da circulação oceânica em grande escala e seus impactos climáticos em cenários diferentes.
IHU On-Line – Quais são os impactos do aquecimento global no clima da terra?
Jorge Luís Valdés –A mudança climática já está perturbando padrões meteorológicos típicos ou climas ao redor do mundo. Desde o início do século XX, a temperatura média da superfície da Terra aumentou cerca de 0,8ºC e as previsões do IPCC é que durante o século XXI a temperatura da superfície global eleve-se em mais 1,1ºC, para 2,9ºC, mas este aumento não é uniformemente distribuído e os impactos do aquecimento global variam de país e região.
Alterações esperadas incluem a) ondas de calor mais frequentes em mais áreas do mundo; b) aumento de períodos de secas extremas em algumas áreas do mundo (porque temperaturas mais elevadas causam uma maior taxa de evaporação); c) chuvas mais pesadas e inundações em várias regiões; e d) eventos extremos como furacões vão mudar em termos de frequência e força.
IHU On-Line – Você acha que os limites biológicos e geofísicos dos oceanos são tidos em conta quando se determina que 2ºC é um limite aceitável para o aquecimento global? Por quê?
Jorge Luís Valdés –O acordo de Copenhague foi feito com vistas a reduzir as emissões globais para o dobro da linha de base e, portanto, para manter o aumento da temperatura global abaixo de 2ºC. Já em 1938 o professor Callendar concluiu que a duplicação dos níveis de CO2 na atmosfera aumentará a temperatura da superfície em 2ºC. Isso não implica necessariamente um aumento de 2ºC nos oceanos, mas poderia ser assim em algumas regiões (por exemplo, as temperaturas da água do mar da Nova Escócia em agosto de 2012 estavam cerca de dois graus acima do normal). Isso significa que a variação de temperaturas anuais em terra (ou ar) para uma determinada região é muito maior do que no oceano, onde a temperatura varia em alguns graus ao longo do ano. Portanto, um aumento de 2ºC é muito para os ecossistemas marinhos.
Se chegarmos a alterações sistemáticas nas temperaturas em torno de 2ºC, a estratificação da coluna d’água em regiões temperadas vai alcançar as águas mais profundas e permanecer por mais tempo. Isso irá resultar em um declínio da produtividade oceânica. Mares mais quentes absorvem menos dióxido de carbono, deixando mais para acumular na atmosfera, intensificando o aquecimento global, e no nível de 2ºC o oceano liberará de CO2 em vez de agir como sumidouro.
Correntes oceânicas
O metabolismo e as taxas fisiológicas exigirão substancialmente mais energia quando passarem a viver em um oceano 2ºC mais quente, consumindo mais O2 e produzindo mais CO2. Por outro lado, o clima no dia a dia do mundo mais quente pode permanecer o mesmo, mas picos extremos de temperatura tornar-se-ão mais frequentemente, e isso irá exacerbar alterações nas taxas de sobrevivência de muitas espécies.
Um artigo científico recente com modelagem ampla revelou que o aquecimento atmosférico de 2ºC é demais para ecossistemas de recifes de corais de quase todo o mundo. Isso vai ser agravado devido à redução do pH nos valores atuais de cerca de 8,2 para 7,8 quando o CO2 duplicar na atmosfera. Em termos de correntes oceânicas, há consenso entre os cientistas de que a circulação termoalina não será prejudicada se o aquecimento global for limitado a 2ºC, mas poderia ser se nós ultrapassarmos esse limite.
IHU On-Line – Como as espécies marinhas e o ecossistema oceânico reagem a esse aumento de temperatura?
Jorge Luís Valdés –Mesmo que nos ecossistemas terrestres os impactos das alterações climáticas sejam impulsionados principalmente por mudanças de temperatura, nos oceanos eles são duplos: o aquecimento do oceano e a acidificação dos oceanos. Tanto o aquecimento quanto a acidificação podem alterar os processos fundamentais da fisiologia de organismos marinhos em um nível que põe em risco a sustentabilidade de ecossistemas inteiros (como os recifes de coral, por exemplo).
Como consequência do aquecimento dos oceanos, as características fundamentais dos ecossistemas marinhos serão alteradas. O aquecimento irá aumentar a estratificação da coluna de água e ampliar sua sazonalidade e, portanto, menos nutrientes vão chegar à camada eufótica . Como consequência, a produtividade primária e a distribuição das espécies migratórias, bem como outros recursos da pesca, já estão mudando em algumas áreas, enquanto outras áreas irão beneficiar dessas alterações. Além da produtividade diminuída dos oceanos, outros impactos do aquecimento oceânico incluem a fenologia (alterações no calendário de ciclos sazonais) e acoplamento de espécies/comunidades interdependentes, alterando a dinâmica da cadeia alimentar, reduzindo a abundância das espécies de formação de habitats, modificando a distribuições das espécies e a evolução das rotas migratórias, além da vulnerabilidade contra espécies invasoras.
Acidificação
A acidificação dos oceanos é conhecida por ter um impacto significativo em certas áreas oceânicas, incluindo a redução da capacidade de muitos organismos marinhos-chave, como calcários fitoplâncton (a base de grande parte da cadeia alimentar marinha), de construir suas conchas e estruturas-esqueleto; maior estresse fisiológico, diminuição do crescimento e da sobrevivência nos primeiros estágios de vida de algumas espécies.
A combinação de aquecimento e acidificação está tendo impactos substanciais, mas ainda mal definidos, em ecossistemas marinhos e nas biotas. Ecossistemas de recifes de corais de hoje podem não ser viáveis a níveis de CO2 acima de 450-500 ppm e aumentos de temperatura de 2ºC. Trata-se de um risco não só para os corais, mas para todo o seu ecossistema, que inclui milhares de espécies, com cerca de metade destas em risco de desaparecimento.
Embora haja uma incerteza considerável sobre os detalhes espaciais e temporais, a mudança climática está clara e fundamentalmente alterando ecossistemas oceânicos, e nós temos apenas um entendimento rudimentar sobre a sensibilidade e a adaptação de espécies e ecossistemas às mudanças climáticas e, consequentemente, dispomos de poucos dados para medidas de adaptação e mitigação.
IHU On-Line – De acordo com cientistas americanos, o gás metano que, foi bloqueado por milhares de anos no Ártico, está sendo liberado para a atmosfera devido ao derretimento das calotas polares. Como isso afetará os oceanos e o clima global?
Jorge Luís Valdés –Existem algumas controvérsias em relação a essa questão. O fato é que há milhares de Pg de carbono aprisionados como hidratos de metano congelado em sedimentos marinhos. A maior parte disso está armazenado no Ártico, entre 300 e 600 metros, onde águas mais frias permitem que hidratos de metano se estabilizem em profundidades mais rasas. Mas essa estabilidade é ameaçada pelo aquecimento das águas mais profundas, devido às alterações climáticas. A hipótese é a de que o metano lançado na atmosfera afetaria o clima e, por outro lado, se prendido pelo oceano, sua eventual oxidação reduziria o oxigênio e aumentaria a acidificação.
Simulações demonstram que a maior parte do metano injetado em águas profundas acima de sedimentos em declive do Ártico permaneceria no oceano. No caso de um elevado aumento das temperaturas nessas águas profundas a uma alta taxa de liberação de 0,6 Pg CH4 yr-1 dos sedimentos árticos em profundidades entre 300-600 m, a maior parte do CH4 é oxidada no oceano para dissolver o carbono inorgânico. O pouco que escapa é perdido para a atmosfera, mas não necessariamente no Ártico. Contudo, conforme indicado, sua eventual oxidação reduziria o oxigênio e aumentaria a acidificação. Esta é outra área de ativas pesquisas.
IHU On-Line – Qual é a sua opinião sobre a proteção dos oceanos através de unidades de conservação? Quais são as deficiências desse tipo de proteção nos cinco oceanos?
Jorge Luís Valdés –A delimitação de Áreas Marinhas Protegidas – AMP parece ser uma das poucas alternativas para realmente proteger a resiliência dos ecossistemas marinhos e preservar a diversidade biológica nos oceanos, assegurando o uso sustentável desses recursos. Embora alguns esforços tenham sido tomados na delimitação de AMP dentro de Zonas Econômicas Exclusivas, ainda existe uma vasta área oceânica esquecida com biodiversidade abundante e rara que se encontra sobre o oceano profundo e alto mar, ou seja, além da competência nacional dos Estados costeiros. O alto-mar é o refúgio de espécies e ecossistemas únicos e vulneráveis e que precisam urgentemente de proteção.
De acordo com relatórios nacionais apresentados na Convenção sobre Diversidade Biológica, quase todos os países agora têm uma ou mais áreas marinhas protegidas. Muitos deles estabeleceram redes nacionais. No entanto, a distribuição permanece desigual. De acordo com estimativas recentes, a maioria das áreas protegidas marinhas e costeiras estão na plataforma continental e em águas costeiras, com 4,3% das áreas de plataforma a uma profundidade de 200 m sendo protegidas. Cerca de 65% da área total protegida encontra-se nos trópicos (entre 30óN e 30oS), com a maior parte do restante localizado no hemisfério Norte. Já as latitudes intermediárias, aquelas temperadas e polar Sul, são bem menos protegidas. Em resumo, menos de 2% dos oceanos são cobertos por áreas marinhas protegidas. Enquanto esse número fica aquém da meta de 10% fixado pela Convenção sobre Diversidade Biológica e reiterado pelo Compacto de Biodiversidade de Nagoya (2010) e na Rio+20, ele demonstra, no entanto, que países deram passos enérgicos para a conservação do meio marinho, individual ou coletivamente. Ele também demonstra que áreas de mar aberto e águas profundas para além da jurisdição nacional permanecem sendo uma das regiões mais desprotegidas da terra.
IHU On-Line – Os oceanos e seus ecossistemas são desconhecidos para uma grande parte da população. Esta poderia ser uma razão por que eles não são preservados ou por que não estão em primeiro plano da atenção das pessoas?
Jorge Luís Valdés –Promover a melhora da cultura científica da sociedade deve ser um objetivo primordial da ciência moderna. Isso é particularmente importante nas ciências ambientais; um exemplo claro é que, apesar da evidência esmagadora para os cientistas, a conscientização pública sobre a mudança climática ainda é relativamente baixa.
A comunidade científica tem a responsabilidade de fornecer o conhecimento necessário para mover a sociedade para uma gestão eficaz do meio ambiente da terra para a sustentabilidade. Cientistas marinhos encontram-se frequentemente na posição de ter informações relevantes disponíveis que precisam compartilhar com outras pessoas fora da comunidade científica. Tais informações não só aumentam o conhecimento científico, mas a observação direta das mudanças por parte de indivíduos dentro da comunidade também podem criar mais compreensão e disponibilidade para atuar no desenvolvimento de estratégias de adaptação e mitigação em níveis locais (por exemplo, onde mudanças em níveis extremos de água poderiam representar uma ameaça às comunidades costeiras). Além disso, a consciência pública sobre as consequências das alterações climáticas pode ajudar a aumentar a pressão sobre as grandes organizações e agentes políticos para que esses abordem esses impactos em escalas maiores. A necessidade de um envolvimento depende da quantidade de confiança que os cidadãos têm em seu governo, que pode variar fortemente de país para país.
IHU On-Line – Qual a sua opinião a respeito das decisões sobre os oceanos tomadas durante a Rio+20? Quais foram os limites enfrentados e os avanços alcançados?
Jorge Luís Valdés –Na Cúpula da Terra Rio+20 ficou mais claro que nunca que todos nós devemos desempenhar a nossa parte para proteger os nossos oceanos e o planeta. Embora a Rio+20 tenha produzido uma declaração não vinculativa, comprometendo líderes políticos mundiais com objetivos modestos, foi extremamente importante que ela tenha abordado a questão da investigação marinha e encorajado esforços para expandir essas investigações.
O acordo final apresenta algumas questões importantes. O documento que resultou da Rio+20, O futuro que queremos, menciona especificamente a necessidade de investigação científica marinha e acompanhamento e observação da acidificação dos oceanos, o que é uma excelente notícia para a comunidade científica sobre a acidificação dos oceanos. O acordo também inclui o compromisso de tomar medidas para reduzir a poluição proveniente de fontes terrestres, especialmente plásticos, como poluentes orgânicos persistentes, metais pesados e compostos à base de nitrogênio. Destacar o plástico como um poluente de especial preocupação é um passo muito importante. Com a nomeação do plástico como uma das formas mais problemáticas de detritos marinhos, poderemos melhorar o foco na busca de soluções adequadas. O acordo também inclui um compromisso para agir sobre subsídios de pesca e pesca excessiva. Se todas essas ações forem executadas, elas ajudarão a reverter o declínio dos nossos oceanos.
Em relação à opinião pública e as pessoas seguindo a Rio+20 online, em diálogo, especialistas discutiram tópicos que tinham sido indicados através de votação via internet nas semanas anteriores por centenas de milhares de pessoas ao redor do mundo. Na pré-votação, ações para “evitar a poluição do mar por plásticos” foi a escolha número um entre as questões de oceano e o número cinco dentre todas as questões em todas as áreas tópicas. Então, nos diálogos oficiais, centenas de especialistas votaram que proteger o alto mar e criar uma rede de áreas marinhas protegidas estavam entre as ações mais importantes necessárias para proteger os nossos oceanos. No entanto, foi uma pena que nenhuma decisão tenha sido alcançada para negociar um novo acordo para a conservação e a gestão da biodiversidade além da jurisdição nacional.
IHU On-Line – Quais são os principais avanços alcançados pela comissão oceanográfica intergovernamental da Unesco?
Jorge Luís Valdés –O processo preparatório para a Rio+20 consistia em muitas tarefas diferentes, incluindo a revisão das realizações desde a primeira e segunda conferências sobre desenvolvimento sustentável realizadas no Rio de Janeiro (1992) e Joanesburgo (2002). Este foi um exercício interessante para configurar onde estamos e para traçar o plano de ação para o futuro. O progresso foi substancial, na medida em que agora temos melhores sistemas de amostragem, redes de monitoramento de locais mais completas, um conhecimento mais profundo de alguns processos do ecossistema, etc. No entanto, nosso conhecimento está longe de ser intelectualmente completo ou de cobertura global e novas ameaças e desafios inesperados têm surgido, necessitando atenção urgente.
Entre as realizações da Comissão Oceanográfica Intergovernamental – COI podemos citar os seguintes exemplos: a) aplicação de programas de amostragem global, como o Sistema Global de Observação dos Oceanos (Goos), mesmo que o nível global de implementação seja de apenas 63%, ele é muito promissor e permite que a comunidade científica ofereça novos serviços em termos de clima e de conhecimento. Além disso, a tendência constante em dados oceanográficos armazenados no International Oceanographic Data and Information Exchange – IODE desde 1992 é indicativa do interesse entre os cientistas em preservar e compartilhar seus dados; b) a implementação da gestão de base ecossistêmica (Ecosystem based management approach) está longe de ser totalmente implementada, mas é encorajador que muitos países de diferentes regiões do mundo tenham adotado as diretrizes do Marine Science for Integrated Coastal Area Management (ICAM) e Marine Spatial Planning (MSP) como um padrão a ser seguido; e c) a biodiversidade marinha atingiu níveis de conhecimento inéditos e o Census of Marine Life (CoMl) e seu banco de dados OBIS (sistema de informações biogeográficas oceânicas), recentemente adotado pelo Intergovernmental Oceanographic Commission (IOC) e incorporado ao IODE, tem sido fundamental para a aquisição de novos conhecimentos e ciências.
Mudanças sem precedentes
Do lado da política temos que mencionar a aprovação pela Assembleia Geral da ONU de um novo processo de reportagem de questões oceânicas: o Processo Regular das Nações Unidas de rever o estado do ambiente marinho (renomeado como Avaliação Oceânica Mundial), incluindo aspectos socioeconômicos, que integrará os dados e informações existentes de várias disciplinas em diferentes escalas geográficas, variedade de habitats e regiões climáticas. Essa avaliação nos ajudará manter os oceanos e mares do mundo sob revisão contínua e melhorar as respostas dos governos nacionais e a comunidade internacional face às mudanças ambientais sem precedentes que estão acontecendo.
IHU On-Line – Existe uma política internacional para a proteção dos oceanos? Como funciona?
Jorge Luís Valdés –Políticas e direitos oceânicos são vitais para a conservação dos oceanos. Existem vários níveis de políticas para a proteção dos oceanos, de escala regional e global, cobrindo diferentes elementos em seus mandatos (por exemplo, água de lastro, espécies ameaçadas de extinção, poluição, etc.).
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar – UNCLOS (sigla em inglês) é o único instrumento vinculante com jurisdição sobre águas internacionais. A UNCLOS fornece um quadro jurídico integrado para construir regulamentos corretos e eficazes para os diferentes usos do oceano. Estes têm sido implementados pelos programas e agências especializadas da ONU nos últimos 30 anos. No entanto, graves limitações existem para o monitoramento e a aplicação destes regulamentos. Instituições nacionais e internacionais são fundamentalmente fracas. Elas geralmente são compartimentadas em divisões setoriais de deveres e responsabilidades, deixando pouco espaço para elaboração de políticas integradas ou para a resolução de questões que se cruzam em vários domínios.
Entre as convenções das Nações Unidas que contribuem para a proteção dos oceanos podemos citar a Convenção sobre Diversidade Biológica (só se aplica a diversidade biológica em áreas dentro dos limites da jurisdição nacional), a Convenção sobre a Prevenção da Poluição Marinha, a Convenção Internacional sobre Controle e Gestão de Água de Lastro e Sedimentos de Navio, o Código de Conduta da Food and Agriculture Organization (FAO) para Pesca Responsável, Conservação e Gestão das Unidades Populacionais de Peixes e Peixes Altamente Migradores, a Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes, o Protocolo Relativo à Poluição Proveniente de Fontes Terrestres e Atividades, além de muitos outros.
Finalmente, o sistema das Nações Unidas lançou uma série de relatórios de processos para informar e avaliar a situação do ecossistema marinho e do planeta. Estes incluem o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática), IPBES (Plataforma de Política Científica Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços de Ecosistemas) e a WOA (Avaliação Mundial Oceânica); e eu acho que nós temos que incluir também o Estado do Mundo das Pescas e Aquicultura – SOFIA que é a principal publicação da FAO. Como podemos ver, é suficiente se nós fomos capazes de implementar o que já foi acordado.

*******************************

FONTE : (Ecodebate, 21/11/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

Nenhum comentário: