Por Vitor Leal* –
Eu estava lá quando as pessoas tomaram a avenida símbolo da cidade de São Paulo com bicicletas, skates, patins, cachorros e crianças. Estava lá quando o barulho de buzinas e motores foi substituído pelo de risadas e sorrisos. E, se você também estava em São Paulo nesse frio e ensolarado domingo (28/6), espero que tenha pedalado ou caminhado numa Avenida Paulista aberta às pessoas.
Foi na segunda volta pela Paulista que me encontrei com as lembranças na ghost bikeda Márcia Prado. Num susceder de imagens, vieram as memórias daquela triste noite de janeiro de 2009 quando, sob chuva forte, tomamos a rua para chorar mais uma vítima da violência imposta a quem decide não ser parte do problema e tornar-se solução. Mais uma vítima da disputa diária entre o carlor humano e o motor.
Lembrei-me vivamente do peso do guidão daquele 14 de janeiro enquanto empurrava sua ghost bike em frente ao parque Trianon, encharcado por uma mistura de lágrimas de nuvens e chuva do coração. Quando morrem ciclistas, o céu também chora. Apertou aqui dentro ao encontrar outras pessoas que, com olhos marejados, paravam em frente à ghost bike da Julie Dias para celebrar o amargor doce deste domingo.
Se puxo essas memórias é para lembrar que o que conquistamos tem um custo, e às vezes perdemos gente especial nesse processo. É para recordar que as ciclovias da cidade podem ser obra da prefeitura, mas são o resultado de mais de duas décadas de luta diária de quem se coloca sem armadura na batalha por uma cidade melhor. Ontem foi um dia especial, porque não só inaugurou-se a ciclovia que começa a sacramentar a ideia de bicicleta na cabeça de cada morador e visitante desta cidade, mas por que a rua foi ocupada por uma miríade de pessoas, por risos e alegrias. Este domingo ficará pra sempre na memória de milhares de pessoas que retomaram aquele espaço e agora sonham uma outra São Paulo.
Infelizmente, a felicidade na capital paulista ainda tem hora marcada e, às 17h, polícia e CET, numa atitude exagerada, invadiram o espaço tornado humano com suas motos e caminhonetes, suas sirenes e buzinas e foram expulsando quem havia vivido um novo tipo de cidade para seus devidos cercados – calçadas e ciclovia – e sequestrando aquele espaço novamente para os carros.
Ciclovias não são a única solução. Mas éramos invisíveis e precisávamos ser vistos. Ontem, na Paulista, uma vez mais, fomos vistos. E, desta vez, viemos para ficar. Porque mais nenhuma foto da Avenida Paulista será feita sem a linha que separa a São Paulo que foi da São Paulo que será.
Como diz Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá e um dos principais responsáveis pela sua transformação em cidade-modelo, a ciclovia serve para mostrar que um cidadão em uma bicicleta de cem dólares vale tanto quanto outro num automóvel de cem mil. Mas estamos longe do fim.
Agora, mais urgente do que nunca, é preciso levar as ciclovias para a periferia, conectar o centro expandido ao seu entorno para garantir a mesma qualidade e segurança a quem atravessam as pontes para chegar ao coração da cidade. A luta não acabou, mas ontem foi um marco a ser celebrado e recordado. Continuaremos a tomar a cidade pelas bordas e pelo centro, para conectar a cidade que queremos. #vaiterciclovia #ciclovianaperiferia
* Vitor Leal é da campanha de Clima e Energia do Greenpeace Brasil.
** Publicado originalmente no site Greenpeace Brasil.
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