Eles trabalham de sol a sol a procura de papelão, garrafa pet. Buscam um emprego menos perigoso, dentro de uma cooperativa, mas temem que a renda diminua. Querem que a importância da reciclagem se sobressaia à invisibilidade social enfrentada. Dentro deste cenário estão os catadores de materiais recicláveis, que foram alvo de um estudo realizado pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP. Os resultados apontam que eles sofrem com problemas osteomusculares, ansiedade, estresse e complicações derivadas de acidentes de trabalho. Além dos problemas de saúde, estão entre os principais desafios da classe o improviso de instrumentos de trabalho e a obtenção de melhores recursos financeiros.
Catadores sofrem com com problemas osteomusculares, ansiedade e estresse
Na pesquisa, realizada entre os meses de maio e dezembro de 2013, a enfermeira Tanyse Galon entrevistou um grupo de 23 catadores autônomos de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Com 10 deles trabalhamos com fotografias, a fim de discutir o seu cotidiano de trabalho e condições de saúde.”
Depois do processo, a enfermeira concluiu que, embora esse trabalho traga ganhos ambientais à sociedade e econômicos à cadeia de reciclagem, os catadores estão inseridos em um contexto de informalidade e invisibilidade social. “Ao mesmo tempo em que eles renovam aquilo que não tinha valor algum (resíduos ou ‘lixo’), gerando lucro para o mercado da reciclagem, eles também desgastam a sua saúde nesse processo”, afirma a enfermeira.
A pesquisa identificou que os catadores são, no geral, adulto-jovens que possuem dependentes financeiros e apresentam baixo nível educacional, conta Tanyse, ao lembrar que muitos idosos aderem a prática para complementar a aposentadoria. “A maioria também vive em domicílio alugado e não possui renda superior a um salário mínimo”, completa a pesquisadora.
Saúde prejudicada
Segundo Tanyse, os catadores de materiais recicláveis enfrentam cargas de trabalho biológicas, mecânicas, fisiológicas e psíquicas. “Eles ficam expostos a materiais contaminados, como seringas, agulhas, cacos de vidro e resíduos hospitalares, que são as cargas biológicas. Além disso, quanto às mecânicas, ainda correm o risco de serem atropelados no trânsito ao carregarem seus carrinhos de mão pesados e não adaptados.”
Quanto às cargas fisiológicas, ela ressalta o grande esforço físico feito para carregar o peso transportado. E, por fim, apresentam problemas psíquicos, pois “os catadores são vistos como pessoas de má índole e não como trabalhadores dignos que sustentam suas famílias”, conta a enfermeira.
O peso das cargas trazem como consequências problemas osteomusculares, como dores na coluna e membros inferiores, e os expõem a acidentes de trabalho — cortes pelo corpo, quedas e contusões. E, ainda, diz a pesquisadora, amargam suas vidas a ansiedade e estresse. “Ambos são distúrbios causados pela instabilidade de renda, pressão enfrentada no trânsito, preconceito e desvalorização sofridos”, diz Tanyse.
“O catador se vira como pode”
Uma das temáticas trabalhadas na tese aborda a improvisação dos instrumentos de trabalho dos catadores. De acordo com a pesquisadora, os trabalhadores tentam adquirir veículos motorizados ou de tração animal em substituição aos ‘carrinhos de mão’, com o objetivo de reduzir a carga de trabalho, porém, o baixo valor obtido com a reciclagem impossibilita a manutenção desses recursos.
“A falta de recursos de proteção laboral e falta de direitos de saúde no trabalho em termos legais levam os catadores a cuidarem sozinhos da própria saúde (automedicação) e procurarem os serviços de saúde apenas em situações que consideram graves”, fala Tanyse.
Ela ressalta que “o que os catadores mais demandam não é serem reconhecidos como pessoas que precisam de ‘ajuda social’, mas sim de serem vistos como trabalhadores, recebendo todos os direitos que lhe são imputados a partir desta condição”.
A tese Do lixo à mercadoria, do trabalho ao desgaste: estudo do processo de trabalho e suas implicações na saúde de catadores de materiais recicláveis foi defendida em março de 2015 e orientada pela professora Maria Helena Palucci Marziale.
Por Marcela Baggini, USP de Ribeirão Preto / Agência USP de Notícias.
Publicado no Portal EcoDebate, 05/05/2015
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