“Nos últimos anos o Brasil virou as costas para o meio ambiente como se tivesse feito o suficiente para promover desenvolvimento sustentável no país”, critica o coordenador executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.
No final de mais um ano em que a agenda ambiental passou ao largo das decisões políticas, inclusive na 20ª Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP-20, que terminou no último domingo, “corre-se o risco de se chegar em Paris em 2015 sem condições de sair com um bom acordo, e isso, diante da emergência do clima, é inaceitável”, menciona Carlos Rittl à IHU On-Line. Na avaliação dele, o texto final da COP-20 pouco indica que aspectos irão nortear os compromissos de Paris no próximo ano, onde se espera a elaboração do acordo que substituirá o Protocolo de Kyoto em 2020.
Carlos Rittl é membro do Observatório do Clima, uma rede de organizações da sociedade civil que atua em mudanças climáticas e busca estimular políticas públicas no Brasil. A ONG tem acompanhado as implicações das mudanças climáticas no Brasil, apontando em seus relatórios não somente os números referentes ao aumento das emissões, mas destacando os problemas ambientais e sociais que estão correlacionados com as mudanças climáticas. Recentemente o Observatório do Clima publicou os dados sobre o aumento de 7,8% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil em 2013, alertando para a elevação das emissões em um cenário de baixo crescimento econômico. “Aumentamos quase 8% das emissões, enquanto a dinâmica do crescimento econômico foi muito baixa. Ou seja, não existiu uma associação entre crescimento econômico e maior uso de energia que justificasse esse aumento de emissões”. E dispara: “É um contrassenso imaginar que as emissões crescem enquanto a economia brasileira tem um dos índices mais baixos de crescimento na América Latina. Isso nos preocupa bastante, porque se tivermos uma dinâmica de crescimento nos próximos anos sem cuidar das emissões de forma estratégica, podemos seguir caminhos bastante perigosos num momento em que o mundo se esforça para reduzir emissões”.
Na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone, Rittl comenta a agenda ambiental brasileira, chamando atenção para os três setores que mais emitem gases de efeito estufa e para a necessidade de desenvolver políticas públicas que favoreçam uma economia de baixo carbono. “As mudanças climáticas são, de fato, o maior desafio ao desenvolvimento de qualquer nação neste século XXI. Essa questão precisa ser tratada como um tema estratégico para que se concilie o desenvolvimento e o crescimento através de um caminho de reduzir as emissões. Hoje temos uma série de políticas de clima e planos setoriais para a redução do desmatamento, plano setorial para a indústria, para o transporte, mas o conjunto desses planos não se reflete nos grandes projetos que são previstos para o Brasil em relação à infraestrutura, energia, agricultura e pecuária, e nas medidas que pretendemos tomar para fomentar a produção industrial. Nenhum desses programas está vinculado à lógica do baixo carbono”, conclui.
Carlos Rittl é mestre e doutor em Biologia Tropical e Recursos Naturais. Foi coordenador do Greenpeace Brasil, como coordenador da Campanha de Clima, e do WWF-Brasil, como coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia. Atualmente é coordenador executivo do Observatório do Clima.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual sua avaliação do texto final da COP-20? O acordo final tem recebido críticas por ter sido muito vago. Concorda com essa avaliação?
Carlos Rittl – De fato o texto final da Conferência é fraco e deixa muito trabalho pela frente em 2015. Esperava-se que se definisse a estrutura do novo acordo que será discutido em Paris no próximo ano, mas infelizmente os países chegaram a um rascunho que tem muitos aspectos que não dão clareza de onde vamos chegar em 2015.
Muitos aspectos do texto em relação às informações que os países precisarão emitir no ano que vem acerca de quais serão suas metas de emissões pretendidas para estabelecer o novo acordo, acabaram deixando incerteza de como se chegará a Paris.
IHU On-Line – Em quais aspectos os resultados foram fracos?
Carlos Rittl – Em três aspectos. O processo de negociação da COP-20 queria que se chegasse a um acordo no ano que vem para definir os futuros compromissos dos países em relação às mudanças climáticas, e três agendas foram tratadas: a parte de mitigação, de adaptação e de financiamento climático.
No que se refere às mitigações, os resultados foram fracos porque as grandes negociações se perderam na decisão da COP-20. Os países não explicitaram os compromissos que irão assumir para reduzir as emissões, qual será a escala que as emissões vão atingir, como isso se compara a emissões de anos anteriores, quais são os setores econômicos que vão gerar reduções de emissões e de que forma esses compromissos correspondem à urgência do clima do limite de dois graus; tampouco esclareceram a parcela de cada país para garantir esse limite de dois graus. Então, será difícil, no próximo ano — a não ser com a boa vontade de cada país — ter clareza do que cada país está pensando em fazer em termos de mitigação.
Em relação à adaptação houve pouco avanço na agenda de perdas e danos. Esse é um dos componentes que vem sendo negociado e não houve avanço, somente uma menção ao mecanismo de perdas e danos, ligada aos impactos sofridos pelos países. Esse componente é importante para países mais pobres, que não têm responsabilidade sobre os efeitos das mudanças climáticas, mas são atingidos por efeitos climáticos extremos.
Em relação aos financiamentos que vão financiar ações de mitigação e adaptação em países em desenvolvimento, pretende-se aumentar o recurso disponível do Fundo Verde Clima — que é um instrumento da Convenção da ONU para esse apoio — até se chegar ao compromisso que os países assumiram anos atrás, de 100 bilhões de dólares anuais em 2020, mas também não houve avanço sobre essa questão. O que houve foram recursos adicionais por países, mas isso não faz frente aos custos dos eventos extremos.
Então, houve pouco avanço com relação a esses três componentes, e se não houver um esforço de todos os países, corre-se o risco de se chegar em Paris em 2015 sem condições de sair com um bom acordo, e isso, diante da emergência do clima, é inaceitável.
IHU On-Line – Tem sido recorrente a sensação de que os acordos das Conferências do Clima serão sempre postergados.
Carlos Rittl – Exatamente, mas o clima não espera a boa vontade dos políticos; ele cobra e já vem cobrando um preço muito alto de todas as nações que estão sofrendo as consequências do aquecimento global. As consequências mais severas são sofridas pelas populações mais pobres. É uma pena que isso aconteça, porque se tinha uma expectativa de que se saísse com um acordo mais definido para o próximo ano, e poderia se ter avançado mais em relação aos compromissos de cada país. Obviamente não esperávamos sair da Convenção com números, até porque o prazo para os países apresentarem as suas metas é o próximo ano, mas poderíamos saber com clareza qual seria a parcela de responsabilidade de cada país ou como a parcela de responsabilidade seria distribuída entre os países. Mas agora não temos nada definido e tampouco sabemos o que irá nortear os compromissos de Paris. Por isso a agenda de 2015 deverá ser muito intensa. A sociedade espera que os governos resolvam o problema do clima e assumam compromissos compatíveis com a urgência que se vive.
IHU On-Line – Pode nos explicar em que consiste o conceito “estagflação climática”?
Carlos Rittl – Os dados que publicamos mostram um aumento de 7,8% de emissões de gases de efeito estufa para o Brasil no ano de 2013, num cenário de baixo crescimento econômico. Aumentamos quase 8% das emissões, enquanto a dinâmica do crescimento econômico foi muito baixa. Ou seja, não existiu uma associação entre crescimento econômico e maior uso de energia que justificasse esse aumento de emissões. A intenção desse conceito é chamar a atenção para a disparidade de um aumento significativo das emissões e o baixo crescimento econômico. É um contrassenso imaginar que as emissões crescem enquanto a economia brasileira tem um dos índices mais baixos de crescimento na América Latina. Isso nos preocupa bastante porque se tivermos uma dinâmica de crescimento nos próximos anos sem cuidar das emissões de forma estratégica, podemos seguir caminhos bastante perigosos num momento em que o mundo se esforça para reduzir emissões.
IHU On-Line – Quais as implicações do baixo crescimento econômico previsto para o próximo ano para a discussão climática, especialmente no que se refere à renovação da matriz energética brasileira? Como o baixo crescimento vai implicar na elaboração de uma agenda atenta às questões climáticas?
Carlos Rittl – Tudo depende da forma como a presidente e o governo vão tratar das mudanças climáticas. As mudanças climáticas são, de fato, o maior desafio ao desenvolvimento de qualquer nação neste século XXI. Essa questão precisa ser tratada como um tema estratégico para que se concilie o desenvolvimento e o crescimento através de um caminho de redução das emissões. Hoje temos uma série de políticas de clima e planos setoriais para a redução do desmatamento, plano setorial para a indústria, para o transporte, mas o conjunto desses planos não se reflete nos grandes projetos que são previstos para o Brasil em relação à infraestrutura, energia, agricultura e pecuária, e nas medidas que pretendemos tomar para fomentar a produção industrial. Nenhum desses programas está vinculado à lógica do baixo carbono.
A ciência já nos alerta sobre a gravidade do problema das mudanças climáticas. Somado a essas informações, já podemos visualizar as consequências dos eventos extremos que acontecem hoje, os quais custam muito caro e levam à morte de milhares de pessoas, sendo que um município a cada cinco passa por situações de calamidade por conta das mudanças climáticas. Então, precisamos trazer o tema para a agenda ambiental do país e caso não se faça isso, corre-se o risco de continuar aumentando as emissões de gases de efeito estufa, porque está se investindo em energias fósseis enquanto o etanol foi deixado de lado à medida que não houve mais políticas claras de incentivo do uso de etanol. Também não conseguimos reduzir mais as taxas de desmatamento na Amazônia e o desmatamento no Cerrado se mantém ainda mais alto. Estamos perdendo cerca de 1 milhão e 200 mil hectares entre florestas na Amazônia e áreas de vegetação no Cerrado. Isso pode continuar daqui para frente e o Brasil pode aumentar as emissões, quando o mundo quer fazer um esforço para reduzi-las. Essa agenda tem que deixar de ser uma segunda opção e passar a ser prioritária.
IHU On-Line – É possível estimar que percentual do Cerrado e da Amazônia já estão desmatados? Como o desmatamento interfere na produção de energia?
Carlos Rittl – O desmatamento é e foi, historicamente, muito importante no que diz respeito ao total das emissões brasileiras, porque, historicamente, houve uma destruição das florestas brasileiras. A Amazônia e o Cerrado, juntos, representaram cerca de 36% de todas as emissões do Brasil: mais de 500 milhões de toneladas de gases de efeito de estufa vieram do desmatamento e da degradação florestal. O efeito do desmatamento é bastante direto no equilíbrio tanto climático local, regional, quanto no equilíbrio do regime hídrico nacional. Quando se desmatam áreas de florestas ciliares nas beiras de nascentes, há perda de nascentes e assoreamento dos rios. O sistema Cantareira de São Paulo teve mais de 70% da vegetação do entorno de sua bacia distribuída ao longo do tempo. Se tivesse uma medida de recomposição e manutenção dessas áreas a médio e longo prazo, hoje possivelmente não haveria essa crise.
Estudos já mostram que não somente desmatamento local afeta a disponibilidade de água. No caso do Brasil, há uma circulação muito grande de umidade que é bombeada pela floresta amazônica e que pelas correntes de vento circulam para o resto do país. O Sul e Sudeste do país dependem da circulação de umidade que vem da floresta amazônica. Ao destruir as florestas, pode-se agravar ainda mais a falta de água em determinados períodos. O desmatamento é bastante grave e devemos reverter essa situação.
IHU On-Line – Recentemente o Observatório do Clima lançou os dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa – SEEG, indicando para o alto índice de emissão de gases, mas o governo federal não reconheceu os dados. Como o Observatório do Clima contabiliza esses dados para chegar a essa conclusão? Pode explicar as diferentes metodologias utilizadas pelo Observatório e pelos órgãos do governo federal para avaliar as emissões de gases de efeito estufa?
Carlos Rittl – Nós começamos a produzir essas estimativas porque os dados mais recentes que temos disponíveis — quando eles são lançados — têm um lapso entre o momento em que são lançados e o período a que correspondem. O Brasil está produzindo o seu terceiro inventário sobre as emissões de gases de efeito estufa para comunicar na Convenção do Clima, e esse período coberto pelo inventário terminou em 2010. Ocorre que o Brasil produziu estimativas de gases de efeito estufa até o ano de 2011/2012, ou seja, os dados do governo têm sempre dois anos de atraso em relação à atualidade. Por isso, começamos a produzir dados para que tivéssemos condições de fazer uma análise mais próxima da realidade entre o rumo que as emissões estão tomando, onde estão aumentando as emissões e onde estão diminuindo, para que pudéssemos avaliar o sucesso da implementação das políticas públicas. Então, a nossa intenção era essa.
Neste ano apontamos o aumento de 7,8% das emissões em relação a 2012, especialmente em dois setores: o uso da terra, que se refere ao desmatamento — somente na Amazônia a taxa de desmatamento aumentou 29% em relação ao desmatamento anterior e isso levou a um aumento de 16% das emissões de setores do uso da terra —, e energia, indicando um aumento de 7,3% por causa do aumento do consumo de gasolina, diesel e por conta do acionamento de gás natural e carvão mineral na matriz de eletricidade.
Metodologia adotada pelo Observatório do Clima
Chegamos a esses números utilizando dados públicos do IBGE, da produção industrial brasileira, de monitoramento das florestas, da produção da agricultura e da floresta, da situação do tratamento de resíduos, e seguimos o quanto possível a metodologia do IPCC para geração de inventário. Como não estamos reproduzindo totalmente o inventário, porque isso requer uma análise muita detalhada e uma grande mobilização de especialistas, acabamos tomando, na ausência de algumas informações, decisões metodológicas para seguir o caminho mais robusto possível para oferecer a toda a sociedade a informação de melhor qualidade. Fizemos uma análise dos nossos dados e chegamos acima de 90% de confiança sobre a qualidade deles.
O que diferencia a metodologia utilizada pelo Observatório do Clima daquela utilizada pelo governo federal é o fato de o governo apresentar, para o uso da terra (floresta e desmatamento), apenas o dado de emissões líquidas, ou seja, as estimativas de florestas em relação ao que foi retirado da atmosfera pela própria floresta, pela regeneração natural ou pelo reflorestamento. Nós apresentamos os dois dados e discutimos mais as estimativas de emissões, porque do ponto de vista de política pública, é onde tem de focar, ou seja, saber quais são as fontes de emissões.
Cada governo, ao fazer o inventário nacional, pode caracterizar a categoria de uso da terra, que é denominada floresta sob manejo, ou seja, florestas que estão sob a intervenção do homem e vão aumentar a geração de emissões. Ocorre que o Brasil decidiu categorizar, dentro dessas florestas sob manejo, todas as áreas de conservação ambiental e terras indígenas. Ao fazer isso, o IPCC define que uma quantidade fixa de carbono seria retirada da atmosfera por hectare de área em floresta sob manejo. Então, é algo que do ponto de vista metodológico, para efeito de inventário, o Brasil pode fazer, ou seja, pode informar à Convenção do Clima quais são suas áreas de floresta sob manejo e quais são as áreas somente de florestas para evitar que se gere uma base de dados que não corresponde à realidade. Por exemplo, no ano passado, ao aplicar a metodologia do IPCC, só em florestas da Amazônia perdemos algo em torno de 500 mil hectares e, nos cálculos do governo, chegaríamos a emissões negativas na Amazônia, ou seja, é como se tivéssemos resolvido o problema de emissões na Amazônia, mesmo perdendo 500 mil hectares de floresta num único ano.
Consideramos que há um problema nos dados, por isso apresentamos os dois dados, e não somente o dado das emissões menos as remoções por conta dessa artificialidade na metodologia. Como disse, o governo não faz nada que o IPCC não permita nas suas recomendações ao produzir os inventários, mas como o que nos interessa é discutir políticas de clima e averiguar onde estão os problemas, quais são as causas das emissões e os problemas relacionados às emissões, como, por exemplo, o fato de o desmatamento gerar perda de energia, perda de qualidade de vida das populações de dependem das florestas, e consequências como impactos do balanço hídrico, consideramos que é fundamental ter um enfoque nas discussões de emissões no Brasil a partir das causas, das fontes e os contextos associados a elas.
IHU On-Line – Nesse sentido, os dados publicados pelos relatórios do IPCC também estão sempre dois anos desatualizados, porque o relatório desse ano apontou que o Brasil cumpriu a meta de desmatamento, embora os dados do Observatório do Clima apontem um aumento do desmatamento neste ano? A metodologia que o Brasil utiliza, a partir das indicações do IPCC, deveria ser revista em algum ponto?
Carlos Rittl – Os métodos do IPCC vão sendo atualizados a partir do conhecimento científico que é gerado e vai se transformando em recomendações para a produção de inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa. O que nos parece importante é que haja uma reflexão de como o Brasil define a categoria de florestas sob manejo. São florestas sob intervenção e que geram a remoção fixa de determinada quantidade de carbono por ano, eternamente. Mas sabemos que de fato isso não acontece e que existem unidades de conservação no país que sofrem desmatamento, do mesmo modo que terras indígenas também. Então, é necessário haver ajustes.
O fato de que o Brasil reduziu o desmatamento nos últimos dez anos nos leva a crer que o país irá cumprir com a sua meta de redução de emissões de gases de efeito estufa. Está previsto na lei 12.187/2009, que estabeleceu a Política Nacional de Mudanças Climáticas, o compromisso que o Brasil assumiu com a comunidade internacional ao comunicar suas metas de redução de emissões junto à Convenção do Clima. O Brasil caminha e vinha caminhando para o cumprimento da meta. Agora, o país estabilizou nesses últimos anos, desde 2009, num patamar de aproximadamente 4 mil Km², e não conseguimos ultrapassar esse limite. Houve uma queda do desmatamento de 18% este ano, mas que sequer recupera a taxa de desmatamento do ano passado, que foi de 29%.
Desmatamento zero
Existe um desafio para progredir até atingir a meta do desmatamento zero previsto no Plano Nacional de Mudanças Climáticas. Deveríamos não só atingir a meta decidida junto à Convenção do Clima, mas voltar àquele objetivo estabelecido em 2008, de chegar em 2015 com desmatamento zero em todas as regiões do Brasil. Entretanto, por enquanto estamos perdendo 1 milhão e 200 mil hectares só na Amazônia e no Cerrado, além de áreas da Caatinga e da Mata Atlântica. Então, temos de retomar essas metas para ver se vamos seguir um modelo de desenvolvimento que signifique a conservação das florestas. Setores da agricultura e da pecuária reconhecem que não é preciso nenhum hectare de floresta destruída para atender a demanda de produção de alimento para o país e para a exportação.
No que se refere às emissões, é preciso haver um aprimoramento da metodologia de forma que as recomendações sejam feitas aos países para que eles aprimorem suas metodologias de inventário. É necessário, contudo, que na negociação de compromissos que o Brasil irá assumir na Convenção do Clima, a contabilidade de emissões não seja a mesma do terceiro inventário por conta da questão de que as estimativas de remoções são superestimadas. Sobre a possibilidade de agregar outras informações no que tange aos inventários, o Brasil deve definir as ações que vêm tomando e agregando informações de contexto que vão além das informações sobre as emissões, que transformam seus inventários na comunicação nacional, ou seja, é preciso apresentar os números e as fontes dos números agregados ao que vem sendo adotado de medidas políticas para redução de emissões. Ao levar o seu terceiro inventário e comunicá-lo à Convenção do Clima, tem de associá-lo à comunicação nacional, que tem um relatório mais amplo e que diz respeito às ações que serão implementadas.
IHU On-Line – Além do desmatamento, quais são hoje as principais causas que contribuem para a emissão de gases de efeito estufa no Brasil e com quais medidas o país poderia se comprometer para reduzir essas emissões?
Carlos Rittl – No passado o desmatamento chegou a representar até 75% das emissões de CO². Hoje em dia a diferença entre o desmatamento e as ações de outros setores diminuiu bastante, porque as emissões dos outros setores subiram bastante. No ano de 2012 o desmatamento era responsável por 34% das emissões, energia, 32%, e agricultura e pecuária, 30%. Esses três setores ainda são os principais emissores e as emissões são complementadas com produção industrial e tratamento de resíduos. No ano de 2013, o desmatamento correspondeu a 36% das emissões, a energia, a 30%, e a agricultura e pecuária, a pouco mais de 26%. O Cerrado e a Amazônia são as principais fontes de emissões, e o setor de transporte é a maior fonte de emissão do setor de energia.
Energia
Nos últimos anos, pela falta de políticas adequadas para o setor de energia, para biocombustíveis e pela manutenção de preços artificiais da gasolina, aumentou o consumo desse combustível gerando uma emissão maior por parte desse setor. Ainda que o setor de energia represente uma fatia pequena nas emissões, o Brasil vem aumentando o uso de fontes térmicas na matriz energética, acionando todas as térmicas a carvão, a gás natural, óleo diesel. Ou seja, fontes que eram para ser usadas apenas em momentos de emergência, vêm sendo acionadas durante quase o ano todo, e isso representa uma emissão maior do setor de energia.
Agricultura e pecuária
Na agricultura e pecuária, a pecuária é a principal fonte de emissão. É preciso aumentar a eficiência da pecuária no país, porque em algumas regiões tem menos de um animal por hectare, a produção é de baixíssima eficiência e adota técnicas do século XVII, sem muita modernização. Então, é preciso medidas que deem eficiência na produção da pecuária e que levem à redução das emissões. Hoje tem um plano importante de agricultura de baixo carbono, mas é um plano que representa somente 3% do investimento total para a agricultura no país, enquanto o Plano Safra, que é anual, soma 97% dos investimentos de agricultura e pecuária no país, sem estar, necessariamente, desenvolvendo práticas de baixo carbono. Temos de transformar o Plano Safra em um plano de baixo carbono.
Fontes renováveis
Além disso, tem que haver políticas mais claras para os biocombustíveis, políticas para diversificar e aumentar o uso de modais alternativos e investir em fontes de energia e eletricidade a partir de fontes renováveis, mais do que se investe hoje. Houve um investimento importante em energia eólica, mas em outros setores, a exemplo da utilização de fonte solar na matriz energética, o processo é muito lento. Neste ano o Brasil fez o primeiro leilão em escala nacional de energia solar, contratando mais de 1 gigawatt de energia solar para os próximos anos; houve muito interesse dos investidores, mas a velocidade com que esse setor deve crescer no país é muito lenta em comparação ao que outros países vêm fazendo. Os EUA vêm se tornando líder nesse setor, e só no ano passado geraram 23 mil novos empregos por conta do desenvolvimento da tecnologia, e a China deve chegar em 2017 com 70 gigawatts de energia solar na sua matriz. Então, são países que estão investindo em fontes que serão importantes para as suas necessidades e serão os exportadores de tecnologias que serão compradas por países como o Brasil, que tende a se desenvolver muito devagar.
IHU On-Line – Que avaliação faz da agenda ambiental brasileira? Qual será o grande desafio do governo Dilma no próximo mandato em relação à agenda ambiental?
Carlos Rittl – Nos últimos anos o Brasil virou as costas para o meio ambiente como se tivesse feito o suficiente para promover desenvolvimento sustentável no país. O Brasil precisa mudar essa lógica: tem de assumir um compromisso de que não reduzirá as áreas de conservação, de que colocará em prática a Política Nacional dos Resíduos Sólidos, além de estar atento para os recursos hídricos e avançar em políticas de clima.
A impressão que se tem é de que as florestas e os rios são obstáculos e devem ser dominados — não devem ser dominados, mas fazer parte do desenvolvimento sustentável. Estudos mostram que a qualidade de vida em ambientes preservados é melhor do que naqueles em que as florestas e os rios foram destruídos. O meio ambiente tem de ser uma agenda transversal e todos os ministros devem ter responsabilidade sobre essa agenda em suas áreas de atuação.
Hoje São Paulo tem dois grandes rios, o Tietê e o Pinheiros, com um volume de água que poderia ser importante para o abastecimento num momento de crise hídrica, mas eles estão completamente poluídos. Ao mesmo tempo, a Assembleia Legislativa de São Paulo acaba de aprovar uma lei que permite a diminuição de florestas no entorno das nascentes. Além disso, a votação da PEC que tira os direitos dos povos indígenas sobre seus territórios e passa para o Congresso a prerrogativa de reconhecer sobre esses territórios, são demonstrações de que estamos caminhando na contramão num momento de crise gravíssima ambiental. Com a tendência de esse cenário piorar, é necessário que o Brasil reveja o caminho que quer tomar.
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.
(IHU On-Line)
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