Miami, Estados Unidos, dezembro/2014 – O espetacular anúncio, no dia 17 deste mês, de uma nova relação entre Washington e Havana, incluído o possível restabelecimento de amplas relações diplomáticas, pode ser (se forem cumpridos os prazos da agenda anunciada pelo presidente Barack Obama) o princípio do fim de um enfrentamento histórico, que durante várias décadas teve apenas um ganhador e um principal perdedor.
O embargo decretado nos anos 1960 só beneficiou predominantemente o governo (politicamente, claro) de Cuba. Dessa forma conseguiu justificar quase todas suas carências econômicas e políticas culpando o bloqueio dos Estados Unidos.
Durante décadas, até o final da Guerra Fria, Washington justificava seu assédio econômico como represália pelos confiscos da Revolução Cubana das propriedades, onipotentes desde a independência.
Baseava sua oposição política pelo divórcio de credos de governo. O enfrentamento ideológico entre as duas grandes potências (União Soviética e Estados Unidos) sustentava um status quo, reforçado pela lei Helms-Burton e outras legislações punitivas, que ainda condicionam legalmente (até sua eventual revogação) a manutenção do embargo, com base na rejeição ao sistema político e econômico cubano.
Já o grande perdedor deste longo impasse foi sistematicamente o povo cubano, tanto os que foram impelidos ao exílio, como a maioria que reside na ilha e que apoiou pela repressão ou voluntariamente o sistema, sem alternativas por canais tradicionais de eleições.
A ameaça da reimposição da histórica hegemonia de Washington em Cuba, sensível fator que se instalara precocemente na psique cubana, continua pesando até hoje.
Diante da evidência de que o embargo fracassou em seu objetivo essencial (derrubar o regime de Cuba) e do impacto da evolução demográfica do exílio (que já não se guia exclusivamente por critérios ideológicos), o governo norte-americano não conseguiu vencer a fronteira de encarar a total normalização das relações.
Isso se baseia em uma razão essencial: nenhum presidente norte-americano queria passar para a história negativamente como o primeiro a ter claudicado diante da teimosia de Fidel Castro, e agora de seu irmão Raúl. Previa-se que durante a vida de ambos não haveria caminhos substanciais na atitude de Washington, pela manutenção das bases fundamentais do regime cubano.
O estabelecimento de um regime marxista-leninista bem próximo da localidade de Cayo Hueso, no Estado da Flórida, continuava sendo um insulto difícil de engolir, nem mesmo com a passagem do tempo. Para a Casa Branca, dar um passo além de ligeiras reformas migratórias e viagens familiares não lhe renderia votos adicionais ou retiraria apoios.
Entretanto, Cuba, já há mais de duas décadas, não representava um perigo como antes: não apoiava revolucionários em outros países, não apoiava terroristas, garantia, paradoxalmente, a segurança de Guantânamo, não se implicava no crime organizado (como o tráfico de drogas) e, inclusive, colaborava nas tarefas de mediação e pacificação (Colômbia).
Um a um, os líderes da América Latina (e do resto do mundo, da China à Rússia) visitavam Havana. A Organização das Nações Unidas (ONU) seguia sistematicamente, ano após ano, condenando o embargo.
Por outro lado, Cuba havia melhorado suas operações econômicas exteriores, e reconvertido parte de seu sistema em modesta competição profissional, não era ainda um competidor em investimentos ou turismo em sua região natural do Caribe ampliada.
Para Washington, só o que interessava é que não se convertesse em um risco de segurança ao sofrer mais problemas internos que provocassem emigração descontrolada (como um segundo Mariel, como é conhecida a grande onda migratória de 1980).
Daí os militares e serviços de inteligência norte-americanos confiarem nos cubanos para manter a ordem em futuras épocas difíceis.
Nesse cenário, considerando a precária situação econômico-social de Cuba, chegara o momento de garantir a estabilidade. Entre o velho dilema composto por dois argumentos aparentemente opostos, mas, na realidade, complementares.
De um lado persistia a obsessão wilsoniana, em alusão ao presidente Woodrow Wilson (1913-1921), de “bom governo” e de missão civilizadora no resto do continente, e de um vergonhoso intervencionismo, reforçado pela insistência no respeito aos direitos humanos.
Por outro lado, se impunha o pragmatismo da alternativa prática da estabilidade. Washington se decantava inexoravelmente por esta segunda opção.
O mundo hoje é mais complicado do que o anterior aos atentados de 11 de setembro de 2001. Esteve ou ainda está em um par de guerras reais ou virtuais, diante de inimigos difusos e mais perigosos. Precisa do flanco sul bem protegido.
Diante das incertezas da América Latina, Obama jogou esta carta. Corre um risco e agora depende da sábia correspondência de Raúl Castro.
Porém, em outros capítulos da relativa calma na relação entre Estados Unidos e Cuba, quando uma acomodação era vista como factível, um dos dois extremos (em Washington-Miami e Havana) optava pela tática do descarrilamento e formava uma coalizão com seu homônimo ou o outro lado.
De um lado ou de outro, ou os dois unidos, lhes convém a tensão. Falta ver se esse perigo se repetirá. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami.
(IPS)
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