A sonda Rosetta da Agência Espacial Europeia (ESA) descobriu que o vapor de água do cometa que está estudando, o 67P/Churyumov–Gerasimenko, é significativamente diferente daquele encontrado na Terra. A descoberta reacende o debate acerca das origens dos oceanos no nosso Planeta. As medições foram feitas no mês que se seguiu à chegada da nave a esse cometa, fato que aconteceu no dia 6 de Agosto último. Este é um dos resultados mais esperados da missão, já que a origem da água na Terra ainda é uma questão em aberto.
Uma das hipóteses para a formação da Terra postula que ela estava tão quente quando se formou, há 4,6 bilhões de anos, que qualquer água que existisse teria se evaporado. Mas, hoje, dois terços da superfície da Terra estão cobertos de água.
De onde veio essa água? Ela deve ter sido “entregue” após a Terra ter esfriado, muito provavelmente depois de colisões com cometas e asteroides. A contribuição relativa de cada classe de objetos no fornecimento de água ainda está em discussão.
A chave para determinar as origens da água está no seu “sabor”, no caso, a proporção de deutério – uma forma de hidrogênio com um nêutron extra – em relação ao hidrogênio normal. Essa proporção é um indicador importante da formação e evolução do Sistema Solar, com as simulações teóricas mostrando que esta deve ter mudado com a distância do Sol e com o tempo, nos primeiros milhões de anos. Um dos principais objetivos é comparar os valores entre diferentes objetos cósmicos com os medidos nos oceanos terrestres, de forma a determinar quanto de cada um deles pode ter contribuído para a água na Terra.
Os cometas, em particular, são peças-chave no estudo do Sistema Solar primitivo: contêm material que sobrou do disco protoplanetário, a partir dos quais os planetas se formaram, e por isso deverão refletir a composição primordial dos seus locais de origem. Mas, graças à dinâmica do Sistema Solar primitivo, este não é um processo simples. Os cometas de período longo, que vêm da distante nuvem de Oort, formaram-se na região de Urano-Netuno, a uma distância suficiente do Sol para que a água gelada pudesse sobreviver.
Espalhando-se depois pelo Sistema Solar, como resultado das interações gravitacionais com os planetas gigantes gasosos, à medida que estes estabilizavam nas suas órbitas. Já em relação aos cometas da família de Júpiter, como o cometa de destino da missão Rosetta, acredita-se que se formaram no Cinturão de Kuiper, muito além de Netuno.
Ocasionalmente, estes corpos são desviados e enviados na direção do Sistema Solar interior, onde as suas órbitas passam a ser controladas pela influência gravitacional de Júpiter. De fato, o cometa da Rosetta viaja agora em volta do Sol, entre as órbitas da Terra e Marte, no ponto mais próximo, e um pouco além de Júpiter, no ponto mais afastado, com um período de 5 anos.
Medições anteriores da relação entre deutério/hidrogénio em outros cometas mostraram uma ampla margem de valores. Dos 11 cometas nos quais foram feitas medições, só o 103P/Hartley 2, da família de Júpiter, apresenta uma relação compatível com a composição da água na Terra, em observações feitas pela sonda Herschel, em 2011. Por outro lado, os meteoritos, vindos do Cinturão de Kuiper, também coincidem com a composição da água na Terra. Apesar dos asteroides terem menos água, o impacto de uma grande quantidade deles poderia ter resultado na água dos oceanos terrestres.
É neste cenário que as investigações da Rosetta são importantes. O rácio entre o deutério e o hidrogénio medido pelo espectrômetro “Rosina” (Rosetta Orbiter Spectrometer for Ion and Neutral Analysis), da Rosetta, é mais de 3 vezes maior que o dos oceanos na Terra e que o do cometa Hartley 2. Aliás, é mais elevado que o de qualquer outro cometa da nuvem de Oort. “Esta surpreendente descoberta poderá indicar uma origem diferente para os cometas da família de Júpiter – é possível que tenham se formado numa área maior do Sistema Solar do que se pensava anteriormente. A nossa descoberta também exclui a hipótese de que os cometas da família de Júpiter contenham apenas água semelhante à dos oceanos da Terra, e dá força aos modelos que apresentam os asteroides como a origem preferencial para a água dos oceanos terrestres”, disse Kathrin Altwegg, investigadora principal para o Rosina.
“Nós sabíamos que os resultados da análise in situ do cometa seriam sempre uma surpresa para a ciência do Sistema Solar e esta extraordinária observação vem com certeza reacender o debate sobre as origens da água na Terra. Enquanto a nave Rosetta continuar acompanhando o cometa na sua órbita à volta do Sol, durante o próximo ano, estaremos analisando como evolui e como se comporta, o que nos dará uma visão única acerca do misterioso mundo dos cometas e sua contribuição para a nossa compreensão da evolução do Sistema Solar”, comentou Matt Taylor, cientista do projeto da Agência Espacial Europeia.
* Daniel Scuka é jornalista, Editor de Operações Espaciais da ESA.
** Publicado originalmente na edição de dezembro da Eco21.
(Eco21)
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