por Charlton Doki, da IPS
Juba, Sudão do Sul, 18/6/2014 – O presidente do Sudão do Sul, Salva Kiir, e o ex-vice-presidente, Riek Machar, acordaram o fim da guerra civil com a formação de um governo de transição nos próximos dois meses, mas o pacto pode chegar muito tarde para os animais silvestres deste país, que combatentes dos dois lados matam para se alimentar.
A caça ilegal é comum nesse país da África oriental, mas os conservacionistas dizem que a matança e o tráfico de animais silvestres recrudesceram após o início da guerra civil, em dezembro de 2013. “Os rebeldes e as forças do governo praticam a caça ilegal, já que todos lutam nas zonas rurais e essa é a única comida disponível”, explicou à IPS o tenente-general Alfred Akuch Omoli, assessor do Ministério de Conservação da Vida Silvestre e Turismo.
As autoridades afirmam que os elefantes são mortos por causa de sua carne e suas presas, enquanto os animais migratórios que se deslocam em grande número, especialmente os antílopes kob de orelhas brancas, tiang e reedbuck, são sacrificados especialmente pela carne.
“Nossas forças também matam os animais silvestres para se alimentar. Entre Mangale e Bor (na periferia de Juba,capital do país ) se encontra uma grande quantidade de carne à venda ao longo do caminho”, disse o diretor-geral para a Vida Silvestre, Philip Majak, a uma rádio local. A guerra civil também complica o trabalho dos funcionários que combatem a caça ilegal, bem como suas patrulhas de rotina nos parques nacionais e nas reservas de fauna.
“Os oficiais conservacionistas fugiram de seus postos de trabalho, o que significa que já não podem realizar patrulhamento para prevenir a caça. Por isso os criminosos agora podem matar facilmente os animais”, apontou Omoli. “As coisas só vão melhorar quando a paz for restabelecida, os combatentes voltarem para os quartéis e o governo desarmar os civis que possuem armas ilegais”, acrescentou.
Funcionários do Ministério de Conservação dizem que, antes da guerra civil travada durante 20 anos entre o que antes era o norte e sul do Sudão, o Sudão do Sul tinha mais de cem mil elefantes. Quando o conflito terminou em 2005, restavam apenas cinco mil animais.
Em 2013, a Sociedade para a Conservação da Vida Silvestre (WCS), uma organização com sede em Nova York, equipou 34 elefantes com colares com GPS que os rastreavam por satélite . Entre janeiro e abril deste ano, a WCS confirmou que alguns dos colares já não eram visíveis no satélite.
“Temos prova de que alguns dos elefantes nos quais colocamos colares morreram. Quando o conflito se intensificou pudemos determinar que um dos colares estava atrás das linhas das forças rebeldes no Estado de Jonglei. Isso significa que o elefante muito provavelmente tenha sido morto”, afirmou à IPS o subdiretor da WCS para o Sudão do Sul, Michael Lopidia.
Outro problema é a existência de armas. Antes da independência, em 2011, calculava-se que havia em circulação entre 1,9 e 3,2 milhões de armas leves no território atual. Dois terços delas estavam em poder da população civil, segundo o informe Desarmamento Civil no Sudão do Sul: Um Legado de Luta, publicado em fevereiro de 2012 pela Safer World, uma organização independente com sede em Londres.
Acredita-se que esse número duplicou ou triplicou nos três últimos anos, devido em parte ao crescimento dos grupos insurgentes nos Estados de Jonglei e Alto Nilo. “A caça ilegal é grave no Sudão do Sul simplesmente porque há uma grande quantidade de armas sem controle. Os civis que possuem armas de fogo vão à floresta e começam a caçar, sem autorização do Ministério”, disse Omoli.
O conflito étnico também complica os esforços de conservação. Os guardas florestais do Parque Nacional de Boma e a população local foram deslocados durante a insurreição de 2013 no condado de Pibor, em Jonglei, liderada por David Yau Yau, da comunidade murle. “O conflito armado entre Yau Yau e o exército, entre fevereiro e maio de 2013, interrompeu nossos esforços de conservação dos animais. A WCS perdeu mais de US$ 5 mil em equipamentos. Toda nossa infraestrutura, inclusive barracas de campanha, foi saqueada”, contou Lopidia.
Outro fator de preocupação é que os guardas florestais carecem da capacidade para enfrentar os caçadores ilegais militarizados. Fontes do Serviço de Vida Silvestre do Sudão do Sul e da WCS afirmam que os caçadores estão fortemente armados. “Uma vez fomos atender uma ocorrência. Havia sete guardas florestais que e mais de dez caçadores ilegais com rifles automáticos G3, enquanto os guardas tinham apenas fuzis AK47. Tivemos que voltarporque os caçadores superavam os funcionários em armas”, detalhou Lopidia.
O país carece de leis específicas contra a caça ilegal e o tráfico de vida silvestre. Embora as autoridades detenham os caçadores e traficantes, a lacuna legislativa faz com que “às vezes os tribunais perguntem sob qual artigo a pessoa está sendo acusada”, pontuou Omoli. Muito frequentemente, os suspeitos são libertados. “Por isso queremos acelerar as leis para que sejam colocadas em prática o mais rápido possível”, acrescentou.
As autoridades dizem que se a diversa fauna do Sudão do Sul – que inclui elefantes, girafas, búfalos, kobs de orelha branca, gazelas, diferentes espécies de antílopes e leões – tivesse uma gestão sustentável, o turismo motivado pela vida silvestre poderia contribuir com até 10% do produto interno bruto do país no prazo de dez anos.
Centro do tráfico da fauna silvestre
Nos quatro primeiros meses do ano, as autoridades de conservação da vida silvestre do Sudão do Sul apreenderam numerosas presas de elefantes. Em um incidente, foi preso um comerciante egípcio que tentava despachar vários quilos de marfim pelo Aeroporto Internacional de Juba.
“As autoridades apreenderam 30 presas de elefantes em Juba, bem como outras 12 em um distribuidor em Lantoto, no condado de Yei, no Estado de Equatoria Central. Isso equivale a 21 elefantes mortos”, explicou Lopidia. “Se é possível apreender tanta quantidade de presas em um curto período, então se pode observar que a caça ilegal aumenta com os conflitos armados”, acrescentou.
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