Em entrevista, Carlos Scaramuzza e Karen Suassuna, superintendente de conservação e analista de Mudanças Climáticas do WWF Brasil, comentam alterações no Código Florestal, refutam a ideia de que investimento em uma economia de baixo carbono é perda econômica e incitam o país a forçar posições avançadas de outras nações em desenvolvimento.
Os embates a respeito do Código Florestal são antigos, datam do ano de 1996. Na sua opinião, o Código realmente precisa ser reformulado?
Scaramuzza – Não. A legislação vigente precisa é ser implementada. E, nesse processo de implementação, as questões que precisam de alguns ajustes devem ser enfrentadas. Na verdade, um ponto que precisa de mudança é o mito de que as propostas de alteração do Código que estão correndo pelo Congresso são baseadas em ciência.
Tanto ambientalistas quanto ruralistas concordam que qualquer eventual mudança deve ser baseada na ciência. Mas a discordância está na escolha do tipo ciência que vai embasar essas alterações. Uma ciência enviesada, como aquela na qual se baseia o projeto de reformulação do Código, não pode ser caracterizada como ciência. É preciso sempre ter em mente que os resultados científicos nem sempre vão ser favoráveis a sua posição política.
Em alguns momentos, os ruralistas chegam até a admitir um Código mais rígido na Amazônia. Mas fora deste bioma eles defendem uma legislação mais frouxa. Nós podemos considerar este foco concentrado na Floresta Amazônica como uma estratégia para desviar a atenção dos problemas enfrentados em outros biomas do país?
Scaramuzza – Sim. Para se ter uma ideia, o Cerrado é o bioma brasileiro mais ameaçado. Metade de sua área está desmatada. E existe uma série de estratégias voltadas a colocar o foco da atenção na Floresta Amazônica, inclusive nas próprias lideranças políticas. O ex-ministro da agricultura, Reinhold Stephanes, por exemplo, concordava com o fim do desmatamento na Amazônia, mas não demonstrava interesse em recuperar áreas de outros biomas. Não se pode aceitar esse tipo de troca, pois precisamos também de um ordenamento territorial robusto para as outras áreas do país.
É claro que não podemos esquecer que a Amazônia é a maior floresta do mundo, apresenta uma biodiversidade fantástica. Além disso, é possível promover o desenvolvimento sustentável da região com base na manutenção da floresta em pé. Mas não devemos negligenciar o que ocorre de grave no restante do país.
Essas alterações nos biomas brasileiros podem ser refletidas em setores produtivos do país, e não apenas na área ambiental?
Scaramuzza – Sem dúvida, os eventos climáticos extremos têm um grande impacto na economia. O aumento da incidência desses eventos está relacionado principalmente à Região Sudeste, onde está concentrada a maior parte da população brasileira e da atividade econômica. Recentemente, fortes temporais e enchentes pararam São Paulo e Rio de Janeiro. E o caos nessas duas cidades podem trazer grandes prejuízos financeiros para o país. Imagine quantos negócios deixaram de ser fechados.
Isto, claro, sem mencionar as outras consequências das alterações do clima, como a mudança completa da estrutura da produção agrícola do país – que vai gerar um forte impacto econômico no setor.
Karen – Vale ressaltar que alguns analistas financeiros europeus têm identificado uma tendência de crescimento e uma capacidade de recuperação maior nos negócios que envolvam a economia verde. Nas empresas norte-americanas que investiram em tecnologia de produção mais limpa e geração de energia sustentável, por exemplo, o crescimento foi maior do que a média da economia dos Estados Unidos. A mesma coisa ocorreu na Europa: as empresas e os fundos de investimento que tinham capital nesses setores sentiram menos os impactos da crise do que aquelas que investiram em outras áreas.
Há como utilizar estes dados e tentar mostrar o lado positivo do investimento em desenvolvimento sustentável?
Karen – Eu não chamaria de lado positivo, mas sim de um efeito necessário, já que é imprescindível uma profunda transformação na forma de produção atual. Ou seja, não podemos usar a energia, produzir bens materiais e commodities agrícolas e explorar florestas como vem sendo feito até hoje. Este é um grande desafio a se percorrer.
E é preciso ficar mais claro o envolvimento dos vários setores da sociedade com as ações de preservação do meio ambiente. O custo inicial é mais alto, mas sem investimento o negócio não prospera e fica insustentável. Acredito que vamos ver uma transformação tecnológica que influencie a maneira de se produzir e lidar com a conservação da natureza nos processos produtivos.
Aqui no Brasil, por exemplo, o setor de cosméticos vem crescendo muito e apresentando em vários de seus negócios alguma ação relacionada à conservação da natureza. Isto se reflete claramente no padrão de negócio, agregando valor ao produto, conquistando clientes que demonstram preocupação ambiental, enfim trazendo resultados positivos. As duas grandes líderes brasileiras no setor têm esse perfil.
Scaramuzza – E vale lembrar que o risco de uma mudança climática abrupta é muito maior do que qualquer benefício econômico que possa surgir a partir da manutenção do atual modo de produção ou do aquecimento de algumas partes do planeta. O Canadá, por exemplo, pode se tornar um país agrícola. E sem dúvida tem gente fazendo especulação imobiliária na Noruega, ou ainda trabalhando no desenvolvimento de projetos que seguem essa linha. Mas nada disso tira a importância de uma ação rápida de mitigação para evitar os riscos das alterações do clima.
Em relação às negociações internacionais, quais são os principais desafios enfrentados para se alcançar um acordo que contribua no combate às alterações do clima?
Scaramuzza – O grande desafio é ultrapassar o limite do modelo de convenções das Nações Unidas. É muito difícil conseguir avanços em um mecanismo baseado na necessidade de construir consenso, porque o papel de quem quer bloquear as negociações fica facilitado.
Os Estados Unidos, uma das nações mais importantes para a mitigação das mudanças climáticas, representam um outro limite no processo da Convenção, porque precisa da aprovação de qualquer medida com uma maioria na Câmara e no Senado, o que dificulta as negociações.
Nós estamos próximos de um momento que vamos ter que passar a trabalhar em outros tipos de iniciativas multilaterais para avançar com a agenda, como aquelas entre blocos de países, ou um trabalho mais junto ao setor produtivo. Tudo no sentido de fazer a agenda se mover.
Nesse sentido, grupos como o Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) pretendem concretizar uma mudança de cenário. Qual o papel do Brasil nesse grupo?
Scaramuzza – O Brasil precisa fazer com que as outras nações do Basic avancem no tratamento do tema. É o país mais progressista do grupo, com as posições mais avançadas. Fazer com que as outras nações, como China e Índia, avançassem nas posições adotadas é mais importante do que pedir mais ousadia da postura brasileira. O que o Brasil não pode aceitar é diminuir sua opinião, ou ser freado pela falta de ambição de outros países, ou ainda defender posições tímidas em função de um alinhamento político com outros países do Basic.
* Publicado originalmente no site Andi – Mudanças Climáticas.
(Andi - Mudanças Climáticas)
Os embates a respeito do Código Florestal são antigos, datam do ano de 1996. Na sua opinião, o Código realmente precisa ser reformulado?
Scaramuzza – Não. A legislação vigente precisa é ser implementada. E, nesse processo de implementação, as questões que precisam de alguns ajustes devem ser enfrentadas. Na verdade, um ponto que precisa de mudança é o mito de que as propostas de alteração do Código que estão correndo pelo Congresso são baseadas em ciência.
Tanto ambientalistas quanto ruralistas concordam que qualquer eventual mudança deve ser baseada na ciência. Mas a discordância está na escolha do tipo ciência que vai embasar essas alterações. Uma ciência enviesada, como aquela na qual se baseia o projeto de reformulação do Código, não pode ser caracterizada como ciência. É preciso sempre ter em mente que os resultados científicos nem sempre vão ser favoráveis a sua posição política.
Em alguns momentos, os ruralistas chegam até a admitir um Código mais rígido na Amazônia. Mas fora deste bioma eles defendem uma legislação mais frouxa. Nós podemos considerar este foco concentrado na Floresta Amazônica como uma estratégia para desviar a atenção dos problemas enfrentados em outros biomas do país?
Scaramuzza – Sim. Para se ter uma ideia, o Cerrado é o bioma brasileiro mais ameaçado. Metade de sua área está desmatada. E existe uma série de estratégias voltadas a colocar o foco da atenção na Floresta Amazônica, inclusive nas próprias lideranças políticas. O ex-ministro da agricultura, Reinhold Stephanes, por exemplo, concordava com o fim do desmatamento na Amazônia, mas não demonstrava interesse em recuperar áreas de outros biomas. Não se pode aceitar esse tipo de troca, pois precisamos também de um ordenamento territorial robusto para as outras áreas do país.
É claro que não podemos esquecer que a Amazônia é a maior floresta do mundo, apresenta uma biodiversidade fantástica. Além disso, é possível promover o desenvolvimento sustentável da região com base na manutenção da floresta em pé. Mas não devemos negligenciar o que ocorre de grave no restante do país.
Essas alterações nos biomas brasileiros podem ser refletidas em setores produtivos do país, e não apenas na área ambiental?
Scaramuzza – Sem dúvida, os eventos climáticos extremos têm um grande impacto na economia. O aumento da incidência desses eventos está relacionado principalmente à Região Sudeste, onde está concentrada a maior parte da população brasileira e da atividade econômica. Recentemente, fortes temporais e enchentes pararam São Paulo e Rio de Janeiro. E o caos nessas duas cidades podem trazer grandes prejuízos financeiros para o país. Imagine quantos negócios deixaram de ser fechados.
Isto, claro, sem mencionar as outras consequências das alterações do clima, como a mudança completa da estrutura da produção agrícola do país – que vai gerar um forte impacto econômico no setor.
Karen – Vale ressaltar que alguns analistas financeiros europeus têm identificado uma tendência de crescimento e uma capacidade de recuperação maior nos negócios que envolvam a economia verde. Nas empresas norte-americanas que investiram em tecnologia de produção mais limpa e geração de energia sustentável, por exemplo, o crescimento foi maior do que a média da economia dos Estados Unidos. A mesma coisa ocorreu na Europa: as empresas e os fundos de investimento que tinham capital nesses setores sentiram menos os impactos da crise do que aquelas que investiram em outras áreas.
Há como utilizar estes dados e tentar mostrar o lado positivo do investimento em desenvolvimento sustentável?
Karen – Eu não chamaria de lado positivo, mas sim de um efeito necessário, já que é imprescindível uma profunda transformação na forma de produção atual. Ou seja, não podemos usar a energia, produzir bens materiais e commodities agrícolas e explorar florestas como vem sendo feito até hoje. Este é um grande desafio a se percorrer.
E é preciso ficar mais claro o envolvimento dos vários setores da sociedade com as ações de preservação do meio ambiente. O custo inicial é mais alto, mas sem investimento o negócio não prospera e fica insustentável. Acredito que vamos ver uma transformação tecnológica que influencie a maneira de se produzir e lidar com a conservação da natureza nos processos produtivos.
Aqui no Brasil, por exemplo, o setor de cosméticos vem crescendo muito e apresentando em vários de seus negócios alguma ação relacionada à conservação da natureza. Isto se reflete claramente no padrão de negócio, agregando valor ao produto, conquistando clientes que demonstram preocupação ambiental, enfim trazendo resultados positivos. As duas grandes líderes brasileiras no setor têm esse perfil.
Scaramuzza – E vale lembrar que o risco de uma mudança climática abrupta é muito maior do que qualquer benefício econômico que possa surgir a partir da manutenção do atual modo de produção ou do aquecimento de algumas partes do planeta. O Canadá, por exemplo, pode se tornar um país agrícola. E sem dúvida tem gente fazendo especulação imobiliária na Noruega, ou ainda trabalhando no desenvolvimento de projetos que seguem essa linha. Mas nada disso tira a importância de uma ação rápida de mitigação para evitar os riscos das alterações do clima.
Em relação às negociações internacionais, quais são os principais desafios enfrentados para se alcançar um acordo que contribua no combate às alterações do clima?
Scaramuzza – O grande desafio é ultrapassar o limite do modelo de convenções das Nações Unidas. É muito difícil conseguir avanços em um mecanismo baseado na necessidade de construir consenso, porque o papel de quem quer bloquear as negociações fica facilitado.
Os Estados Unidos, uma das nações mais importantes para a mitigação das mudanças climáticas, representam um outro limite no processo da Convenção, porque precisa da aprovação de qualquer medida com uma maioria na Câmara e no Senado, o que dificulta as negociações.
Nós estamos próximos de um momento que vamos ter que passar a trabalhar em outros tipos de iniciativas multilaterais para avançar com a agenda, como aquelas entre blocos de países, ou um trabalho mais junto ao setor produtivo. Tudo no sentido de fazer a agenda se mover.
Nesse sentido, grupos como o Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China) pretendem concretizar uma mudança de cenário. Qual o papel do Brasil nesse grupo?
Scaramuzza – O Brasil precisa fazer com que as outras nações do Basic avancem no tratamento do tema. É o país mais progressista do grupo, com as posições mais avançadas. Fazer com que as outras nações, como China e Índia, avançassem nas posições adotadas é mais importante do que pedir mais ousadia da postura brasileira. O que o Brasil não pode aceitar é diminuir sua opinião, ou ser freado pela falta de ambição de outros países, ou ainda defender posições tímidas em função de um alinhamento político com outros países do Basic.
* Publicado originalmente no site Andi – Mudanças Climáticas.
(Andi - Mudanças Climáticas)
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