[O Estado de S.Paulo] Na semana passada, grande parte da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, Baixada Fluminense e região serrana voltou a ser atingida pelas chuvas muito intensas, que desalojaram milhares de pessoas e mataram algumas. E, depois de dois anos de seca, há uns dez dias a água de uma chuva de 130 milímetros – volume usual na região para um mês e meio – acumulou-se nos pontos mais altos do município de Lajedinho (4 mil habitantes), no interior da Bahia, e correu toda para a cidade, que foi destruída em 70%. Mais de dez pessoas morreram. É um fenômenos cada vez mais frequente no Brasil, onde não temos políticas capazes de remover mais de 5 milhões de pessoas de áreas de risco nem de impedir que prossiga o desmatamento sem controle e se criem condições para problemas como o de Lajedinho: a água escorre para as cidades e aumenta ali as inundações cada vez mais frequentes com os volumes de chuva muito intensificados com as mudanças climáticas em curso.
Já quase ninguém mais duvida desse quadro. Estudo do Lawrence Livermore National Laboratory, Califórnia, publicado pela Proceedings of the National Academy of Sciences, assegura que as emissões de poluentes que se acumulam na atmosfera afetam a distribuição de chuvas, tanto por causa do aumento de temperatura que geram como pela alteração dos padrões de circulação atmosférica, que “empurram tempestades de zonas de clima subtropical semiárido rumo aos polos do planeta”. Não se trata – dizem os pesquisadores – de fenômenos conhecidos como El Niño ou La Niña.
Nesta mesma hora, texto do jornal The New York Times (10/12) informa que o aquecimento global seria o dobro do que é hoje, não fosse o Protocolo de Montreal, tratado mundial assinado em 1987 e que levou ao banimento dos clorofluorcarbonos, que reduzem a camada de ozônio e agravam para os seres humanos as consequências das radiações ultravioleta, principalmente o câncer de pele. O tratado também impediu maior concentração de poluentes na atmosfera e mudanças climáticas ainda mais graves. Curioso também que as negociações do tratado tenham sido lideradas pelo então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan – um ultraconservador, mas que já sofrera um câncer de pele.
Mas é difícil constatar que os países ricos ainda precisariam reduzir a cada ano em 10% suas emissões de poluentes para evitar que a temperatura planetária continue a subir e ultrapasse dois graus Celsius – e no conjunto não o estão fazendo, dizem os cientistas do Tyndall Centre for Climate Change Research. Ainda há poucos dias, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) decidiu manter em 30 milhões de barris diários a produção (The New York Times, 5/12) – e os chamados combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) são responsáveis pela maior parte da produção de energia no mundo e pela poluição.
Esse panorama – como tantas vezes já se escreveu aqui – deveria levar o Brasil a tornar ainda mais forte sua possibilidade de manter matriz energética predominantemente “limpa” e renovável. Além da hidreletricidade, temos a energia eólica no País, que chegou em 2011 à capacidade instalada de 1.403 MW e em 2021 deverá atingir 15.563 MW. A venda de aquecedores solares no País chegará ao fim deste ano com aumento de 15%, por oferecer a vantagem de reduzir em 40% o consumo de energia elétrica. Estudo do governo paulista mostra que o Estado tem potencial solar de 12 milhões de MWh por ano, suficiente para abastecer 4,6 milhões de residências. As usinas solares já implantadas no País evitaram a emissão de 11.229 toneladas equivalentes de dióxido de carbono em 2012. E ainda podemos ter usinas movidas por marés e ondas, usinas geotérmicas e outras movidas a biomassas (inclusive a partir de dejetos animais – o que seria uma possibilidade extraordinária para Estados com grande plantel de gado).
Em muitos lugares do planeta a corrida pelas energias “alternativas” está forte. Nova York, por exemplo, está implantando no aterro sanitário de Fresh Kills – que se esgotou em 2001, com mais de 150 milhões de toneladas de lixo ali depositadas – uma usina solar de 10 MW, ao lado de áreas de lazer. O fechamento do aterro obrigou a cidade a mandar seu lixo em caminhões para mais de 500 quilômetros de distância, no Estado da Virgínia, a custos altíssimos. Em dez meses deste ano, as fontes renováveis responderam por 32,8% de toda a capacidade nova de geração de energia naquele país. No conjunto, significam 16% da capacidade instalada no país. E, segundo a Agência Internacional de Energia, 18% da eletricidade no mundo podem ser gerados pela energia dos ventos – o custo será de US$ 150 bilhões por ano.
Nesta hora, o Brasil anuncia que fará as primeiras explorações do chamado gás de xisto (que muitos cientistas preferem chamar de gás de folhelho), extraído mediante “fraturamento” de rochas no subsolo e a grandes profundidades. Vários estudos – como já se escreveu neste espaço – mostram que a injeção de água e produtos químicos no subsolo para o fraturamento pode ter consequências muito graves com o retorno do líquido para a superfície – nos aquíferos de passagem e nas camadas superiores. O senador Sarney Filho já apresentou projeto para impedir o desenvolvimento de qualquer empreendimento dessa natureza antes de feitos os estudos de impactos. Em alguns lugares, como o Paraná, áreas que se pretende explorar estão situadas a profundidades maiores que as do Aquífero Guarani e podem ter neste consequências graves.
Como quase sempre, informações não faltam. Faltam decisões políticas. Principalmente lembrando que os estudos mostram que caminhamos rapidamente para 90% das pessoas morando nas cidades brasileiras. E de que não há indícios de que se atenue a intensidade dos “eventos extremos” no clima.
*Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo e reproduzido pelo EcoDebate, 23/12/2013
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