Rio de Janeiro, Brasil, 13/12/2013 – Indígenas do povo amazônico munduruku fizeram ouvir em Brasília sua reclamação por demarcação de terras e direito a consulta prévia para frear o complexo hidrelétrico do rio Tapajós, que poderia inundar várias de suas aldeias. “Até hoje ninguém do governo veio falar com a gente. Para nós a terra é nossa mãe. Ali vivemos e criamos nossos filhos e netos. Se o governo nos tirar de lá, não teremos para onde ir”, disse à IPS por telefone, de Brasília o munduruku Juarez Saw, de 45 anos, cacique de Sawre Muybu, uma das aldeias afetadas.
Após a central de Belo Monte no rio Xingu, o governo brasileiro pretende erguer um grande complexo de represas hidrelétricas no rio Tapajós, também no Pará. Situado em plena Amazônia e em área de importantes reservas auríferas, o projeto implica a construção de cinco centrais na bacia do Tapajós, com potência estimada de 10.700 megawatts (MW). Uma mancha verde de sete unidades de conservação acompanha o leito do rio entre as cidades mais importantes de suas margens: Santarém, no baixo Tapajós, com cerca de 300 mil habitantes, Itaituba, no curso médio, com 130 mil pessoas, e Jacareacanga, no alto Tapajós, com 40 mil habitantes.
As hidrelétricas de São Luiz do Tapajós, com potência de 6.133 MW, será a principal, mas não estará sozinha. Também se prevê Jatobá, no mesmo rio, e Jamanxin, Cachoeira do Caí e Cachoeira dos Patos, no rio Jamanxin. O cronograma da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estabelece que o complexo estará operacional entre 2017 e 2020. Ao longo do Tapajós seriam afetados cerca de 13 mil indígenas munduruku, e o projeto terá impacto também nos povos kayabi e apiaká, o que eleva para 20 mil a população nativa prejudicada.
Dez caciques e 30 guerreiros munduruku chegaram, nos dias 10 e 11, a Brasília, reclamando do governo que apresse a demarcação dos territórios de suas aldeias no médio Tapajós. No dia 10, os indígenas protestaram contra as centrais do Tapajós e de outro rio próximo, o Teles Pires, na Câmara Federal e diante da sede da Procuradoria Geral da União, à qual pedem a revogação do Decreto 303. Esse decreto, que a Procuradoria proferiu em 16 de julho de 2012, regulamenta a atuação dos defensores públicos e promotores em processos judiciais sobre demarcação de terras indígenas em todo o país, com o fim declarado de garantir a estabilidade jurídica.
Entretanto, o decreto também permite que o Estado instale, dentro das reservas, equipamentos, redes de comunicação, ruas e outras vias de transporte, além das construções necessárias para a prestação de serviços públicos, como saúde e educação. Nesse aspecto, o decreto limita o poder dos povos indígenas de acesso e usufruto de seus territórios e vulnera seu direito à consulta prévia sobre atividades ou projetos desenvolvidos em suas terras, afirma o católico Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
“Mais uma vez temos o grito contrário às hidrelétricas na região. É uma situação difícil, e percebemos que há uma decisão política do governo de não demarcar qualquer terra indígena”, disse à IPS, de Brasília, o secretário-executivo do Cimi, Cleber César Buzatto. Em sua opinião, a situação de conflito se agravou pela “inércia do Poder Executivo, que não avança nos procedimentos administrativos”, determinados pela Constituição, como a demarcação e a consulta prévia aos povos indígenas.
“Confiamos no poder de resistência dos povos para a defesa e obtenção de seus direitos. A questão central é que o governo reconheça esses direitos e demarque a terra indígena dos munduruku na região do médio Tapajós, área de incidência das hidrelétricas de São Luiz”, explicou Buzatto. Para sair de Itaituba e chegar a Brasília, os munduruku percorreram cerca de dois mil quilômetros de ônibus, durante três dias. Os delegados procedem de diferentes aldeias: Sai Cinza, Missão Cururu, Trairão, Boca do Rio das Tropas, Buritituba, Aldeia Nova e Restinga, no alto Tapajós, onde já há um território demarcado, e Praia do Mangue e Sawre Muybu, do curso médio, que ainda não contam com títulos sobre suas terras.
Sem demarcação definitiva, as aldeias do médio Tapajós correm risco de serem deslocadas e que as represas inundem seus territórios. “Nossa luta principal é a demarcação. Não viemos ameaçar. Não nos dão atenção, só quando a gente vem para Brasília”, reclamou o cacique Saw à IPS por telefone. “É muito cansativo vir para voltarmos sem resposta”, acrescentou.
Sawre Muybu, fundada em 2008, é composta por 20 famílias com 150 pessoas e fica a 50 quilômetros de Itaituba pela Rodovia Transamazônica (BR-230), ou a mais de uma hora por rio. Segundo o cacique, antes que as aldeias do médio Tapajós fossem fundadas, os munduruku viviam em comunidades ribeirinhas onde acabavam perdendo seus costumes, além de não receberem atenção especial de saúde por parte do governo. “Estamos em Brasília para saber o motivo de a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Maria Augusta Assirati, não querer assinar o informe antropológico. Terá que justificar, ou vai passar fome”, ressaltou.
Na conversa por telefone, Juarez Saw afirmou que o primeiro informe antropológico que documenta as raízes históricas dos munduruku nessas terras do médio Tapajós foi feito em 2007, mas nunca foi entregue. Foi necessário um segundo estudo, que está pronto desde meados do ano e à espera da assinatura da presidente da Funai, para dar continuidade ao trâmite de demarcação. Saw comentou que sua aldeia soube em 2010 que pode ficar debaixo d’água, por meio de ativistas do Movimento Tapajós Vivo.
Os indígenas mobilizados se hospedaram em uma fazenda do Cimi, a 40 quilômetros de Brasília. “Eles nos procuraram pedindo apoio para fazerem essas exigências ao governo que, lamentavelmente, não reconhece que está passando por cima dos direitos do povo daquela região”, pontuou Buzatto. Em resposta à IPS, a Funai informou que a sua presidente não tinha em sua agenda uma audiência com os caciques e guerreiros munduruku, mas, diante dos clamores, decidiu recebê-los.
O povo munduruku é combativo e aceita somente a contragosto enviar representantes. Em maio, os munduruku invadiram e ocuparam durante duas semanas uma área dos construtores de Belo Monte, a 830 quilômetros por estrada de seus territórios, em solidariedade aos afetados do rio Xingu e para reclamar a suspensão dos projetos hidrelétricos em sua bacia.
Em junho, foram até Brasília para negociar com o governo. Como não aceitavam enviar delegados, as autoridades tiveram que dispor de dois aviões para transportar 144 indígenas. Pouco depois, nesse mesmo mês, fizeram de reféns três biólogos que analisavam a flora e a fauna locais para os estudos de impacto ambiental das hidrelétricas, conseguindo deter o processo até agosto. Para retomá-lo, o governo e a Funai tiveram que avisar previamente os indígenas. Envolverde/IPS
(IPS)
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