por Fernando Falcão (*)
O Pampa, comparado aos outros cinco Biomas Brasileiros – Mata Atlântica, Amazônia, Pantanal, Cerrado e Caatinga -, tem por característica geral e peculiar, ser predominantemente composto por campos e, historicamente, lugar da atividade pecuária. Possui aproximadamente 3.000 espécies de plantas, 500 espécies de aves e 100 espécies de mamíferos terrestres [2]. Embora só represente 2,07% da superfície do país e esteja limitado somente ao Rio Grande do Sul, é um bom exemplo da simbiose de uma atividade econômica, preservação e conservação ambientais.
Além disso, o Pampa é um Bioma transfronteiriço que também ocorre no Uruguai e Argentina e, está intrinsecamente ligado à construção das identidades nacionais destes países e culturais do Rio Grande do Sul, nas figuras, hoje idealizadas, dos gauchos, do gaúcho e de seu modo de vida. A relação meio ambiente/paisagem, a atividade econômica/pecuária e a cultura/identidade regional é bastante clara.
Neste Bioma, que foi o segundo Bioma mais destruído até 2009, a supressão da vegetação nativa (“taxa de desmatamento”) [3] já atingiu 63,97% da sua área (CSR/IBAMA, 2010). Esta supressão se dá principalmente pela conversão dos campos nas monoculturas de soja, arroz e eucaliptos, além da substituição das gramíneas nativas por espécies exóticas, muitas vezes, invasoras, como, por exemplo, é o caso do Capim Annoni (Eragrostis plana). Também contribuem e agravam a degradação do Bioma o manejo e o emprego de técnicas inadequadas.
Por falar em áreas degradadas e pecuária, recentemente no texto “Em vez de desmatar mais, usar melhor o que já foi desmatado” [4], o professor Ladislau Dowbor, utilizando informações do Censo Agropecuário do IBGE (2006), apresenta uma análise onde destaca a pecuária como a grande responsável pela subutilização de áreas já desmatadas/degradadas, o incremento da atividade na Região Amazônica e, o seu deslocamento das Regiões Sul / Sudeste para o Centro-Oeste / Norte, ou seja, para os Biomas Cerrado e Amazônico.
E qual a relação entre o Pampa e o artigo do Professor Dowbor? Ora, a associação linear entre pecuária e devastação ambiental, importante como generalização, não pode ser associada à realidade do Pampa. Como em toda regra há exceção. Neste Bioma, que conta com mais de 450 espécies de gramíneas nativas, a atividade pecuária, conduzida dentro de certos princípios e técnicas, é um ótimo exemplo da relação positiva entre preservação/conservação ambiental, atividade econômica e cultura.
A análise do professor talvez busque demonstrar, mais uma vez, o despropósito e a irresponsabilidade daqueles que aprovaram o Projeto de Lei nº 1.876 de 1999, o “Código Florestal do B”, vetado parcialmente pela Presidente da República, cujos vetos agora estão sob a análise do congresso nacional [5]. Todos sabemos que as razões que levaram à redação e à aprovação deste código do B não tem nenhuma base científica e qualquer compromisso com o País, sendo inúmeras as manifestações de cientistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) quanto a isso.
Mas afinal, “… que Pampa é essa que eu recebo agora … ”? [6] Sem dúvida a explicação é complexa e exige uma análise longa e multidisciplinar que está aquém do objetivo deste texto. O que está claro é nossa incapacidade de entender e superar adequadamente a situação. Buscando contribuir com esta compreensão, é que destacamos algo que, a primeira vista, é bastante contraditório. Por um lado, as notícias e análises sobre a Região do Pampa, oscilam, entre a descrição de cenários de desolação e depressão econômica vinculadas a propostas salvadoras, quase sempre superficiais, imediatistas e, por outro, nas elegias e epopeias cantadas nos inúmeros festivais e centros tradicionalistas, com referência a um passado glorioso, já mitológico.
De longa data, pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) desenvolvem pesquisas, com resultados positivos confirmados, que indicam que apenas com o manejo adequado dos campos é possível triplicar a produtividade pecuária na região, praticamente a um custo zero, isto é, sem a necessidade de grandes investimentos e financiamentos e, lógico, endividamento. Também é de amplo conhecimento que a carne bovina tornou-se uma commoditie com crescente demanda e, portanto, valorização. Além disso, temos o potencial de agregação de valor pela adequação da produção ao respeito ao meio ambiente e a práticas ecologicamente corretas.
Se todas estas condições são favoráveis, disponíveis e baratas, por quê não produzimos mais carne? Por quê o Pampa tem assistido ao abandono sistemático da atividade pecuária em troca de monoculturas duvidosas com todos os seus problemas – reconcentração fundiária em empresas transnacionais, usos abusivo de agrotóxicos, destruição das matas ciliares, assoreamento dos rios e por aí afora?
É claro que podemos intuir algumas das razões que, certamente, são parte da explicação: a Região, outrora celeiro de líderes gaúchos e nacionais, hoje, é um deserto de lideranças; carência de políticas para pecuária, em especial, para a pecuária familiar; despreparo dos produtores; falta de valor agregado na cadeia produtiva, comercializando, quase sempre, os produtos in natura; baixa autoestima da população, em contradição à glorificação do gaúcho, cantada pelos tradicionalistas, cuja identidade é estreitamente vinculada ao Pampa e à pecuária. Ninguém faz versos e canções para sua colheitadeira mecanizada ou para seu aplicador de agrotóxicos!
É num esforço de superar esta realidade que iniciativas como os Projetos Incentivos para la Conservación de los Pastizales Naturales en el Cono Sur (ARG, BR, UY), Producción Responsable (UY) e o RS Biodiversidade (BR), só para citar alguns, buscam chamar a atenção de produtores, da população em geral e de nossas lideranças.
As oportunidades estão postas, carentes de decisão política. Nossas míopes lideranças seguem agarrando-se em modelos insustentáveis e ultrapassados. Diferente do que herdamos, um Pampa ainda rico em biodiversidade e com grande potencial a ser explorado, caminhamos, a passos largos, para deixar às futuras gerações “… heranças feitas de promessas rotas, campos desertos que não geram pão, onde a ganância anda de rédea soltas …” tal qual cantavam os Engenheiros do Hawaii nos anos 90, na música “Herdeiro da Pampa pobre ”, de autoria do Gaúcho da Fronteira.
(*) Arquiteto)
[1] Referência ao título da música de autoria de Vaine Darte (Gaúcho da Fronteira) “Herdeiro da Pampa pobre”, gravada pelos Engenheiros do Havaí.
[3] Expressão, no mínimo inadequada, utilizada oficialmente também para se referir à supressão de vegetação nativa em biomas não florestais.
[5] Propositalmente em minúsculas.
[6] Trecho da música Herdeiro da Pampa pobre, de Vaine Darte (Gaúcho da Fronteira).
Fonte: RSUrgente
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