A explicação desse estranho fenômeno é simples. Trata-se da presença de metano, liberado pela exploração de gás de xisto nas redondezas da cidade. O metano é um gás tóxico que, supondo proporções iguais, contribui 25 vezes mais do que o dióxido de carbono para o Efeito Estufa e aquecimento global.
Além de água contaminada com metano, as áreas vizinhas aos poços de exploração de gás de xisto já tiveram de suportar explosões, contaminação do lençol freático e da terra agricultável, inviabilizando a produção agropecuária, além de pequenos abalos sísmicos, em regiões onde as construções não estão preparadas para tremores de terra.
A exploração de xisto utiliza o método de fraturação hidráulica, chamado em inglês de “fracking”. Trata-se de injeção de toneladas de água, sob altíssima pressão, misturada com areia e produtos químicos, com o objetivo de quebrar a rocha e liberar o gás nela aprisionado. Nos EUA, 90% dos poços de gás de xisto são perfurados com a utilização dessa técnica.
Após inúmeras manifestações e protestos da população, alguns Estados da América do Norte, como Nova York, Maryland e Ohio nos EUA, Quebec no Canadá, proibiram o “fracking”. Na Europa, a fraturação hidráulica está proibida na França, Bulgária e em diversos governos locais de vários países (Alemanha, Espanha, Irlanda e Holanda).
A fraturação hidráulica não é uma técnica nova. A primeira aplicação comercial ocorreu no Kansas em 1946, mas esse procedimento só conheceu um crescimento significativo no início dos anos 2.000, com a descoberta de jazidas de gás natural. Ele aumenta de forma considerável a produção nas jazidas que, em geral, situam-se a uma profundidade de mil e quinhentos a dois mil metros.
Esse tipo de extração utiliza vinte vezes mais recursos hídricos do que as técnicas convencionais. Com isso, as pequenas cidades norte-americanas nos arredores dos poços de gás de xisto enfrentaram problemas de falta d’água para consumo e agricultura, além da contaminação dos aquíferos subterrâneos e das reservas de água potável. Mas a falta de água não é o único problema. Destaca-se ainda a excessiva circulação de caminhões, a injeção de fluidos que provocam pequenos abalos sísmicos, a ausência de regulamentação, a presença na água de pequenas quantidades de produtos químicos e metais pesados cancerígenos bem como a acumulação de metano que pode provocar explosões. Tudo isso para uma duração de vida relativamente curta para os poços de gás de xisto: o pico de produção é alcançado em dez anos e a produtividade começa a cair a partir do primeiro ano.
Acredita-se que o Brasil tenha reservas de gás de xisto da ordem de 7 trilhões de m3 em bacias geológicas do Parnaíba, Solimões e Amazonas, Recôncavo, São Francisco e Paraná. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) decidiu realizar um leilão em 28/29 de Novembro para pesquisar as bacias de Parecis, Recôncavo, Acre, Parnaíba, São Francisco e Paraná.
A Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental e mais 12 entidades enviaram à Presidenta Dilma Rousseff um pedido para cancelar o leilão, até que se discuta melhor a exploração do gás não convencional no País. E um parecer técnico elaborado por um grupo de trabalho coordenado pelo IBAMA alertou que o Brasil não possui estudos geológicos suficientes que permitam a exploração segura de “gás não convencional”, eufemismo usado para o gás de xisto.
No caso do Paraná, a rocha a ser fraturada (o Folhelho Irati) se encontra a algumas centenas de metros abaixo do Aquífero Guarani, na Bacia Geológica do Paraná. O Aquífero Guarani é considerado a maior reserva subterrânea de água doce do mundo, abastecendo o Brasil e países vizinhos. Como se sabe, além da contaminação entre as camadas de rocha sedimentar, pelo menos metade da água injetada retorna à superfície com todos os aditivos químicos e componentes naturais da rocha como óleo, metano, enxofre e outros tipos de metais pesados. A contaminação do Aquífero Guarani seria uma catástrofe ecológica de impacto internacional.
Do ponto de vista econômico, especula-se que a expansão massiva da produção e oferta de gás poderá reduzir a demanda e preço do petróleo, o que desestimularia os pesados investimentos de longo prazo no pré-sal, que é prioridade do Governo. Parece estar faltando planejamento estratégico na área energética e, principalmente, planejamento integrado de energia e meio ambiente.
É bom lembrar que, do ponto de vista jurídico, o Brasil é signatário de tratados internacionais que recomendam o Princípio de Precaução, ignorado pela ANP ao decidir leiloar áreas para a exploração de gás de xisto sem regulamentação e estudos prévios de impacto ambiental, contando certamente com o silêncio complacente das autoridades ambientais.
* Liszt Vieira é ambientalista, Doutor em Sociologia pelo IUPERJ.
** Publicado originalmente no site Eco21.
(Eco21)
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