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sábado, 3 de outubro de 2015

DADOS ALARMANTES : Por que o Brasil massacra 1 milhão de animais por dia em suas estradas?

Onça-parda atropelada às margens da BR-101, em uma das áreas de mata atlântica mais preservadas do país (Foto: Leonardo Bercon/BBC)
Onça-parda atropelada às margens da BR-101, em uma das áreas de mata atlântica mais preservadas do país (Foto: Leonardo Bercon/BBC)
BR-101, norte do Espírito Santo, setembro de 2015. Um caminhoneiro sente um cheiro forte e localiza uma anta – o maior mamífero terrestre brasileiro – na margem da pista, em estado avançado de decomposição.
Cinco meses antes, no mesmo trecho da rodovia, biólogos encontraram uma fêmea adulta de harpia, a maior ave de rapina das Américas, debilitada por fraturas e hematomas. Por ali, restos de retrovisor de caminhão. No mês anterior, a vítima fora uma onça-parda.
As cenas com espécies ameaçadas de extinção são um retrato de um filme que não sai de cartaz no Brasil: a matança de animais por atropelamentos em estradas.
Essa é, de longe, a principal causa de morte de animais silvestres no país, superando caça, desmatamento e poluição. São 15 animais mortos por segundo, ou 1,3 milhão por dia e até 475 milhões por ano, segundo projeção do CBEE (Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas), da Universidade Federal de Lavras (MG).
Quem puxa a lista são os pequenos vertebrados, como sapos, cobras e aves de menor porte – respondem por 90% do massacre, ou 430 milhões de animais. O restante se divide em animais de médio porte (macacos, gambás), com 40 milhões, e de grande porte (como antas, lobos e onças), com 5 milhões.
A situação, dizem especialistas, é o resultado natural para um país que desconsiderou os animais ao planejar as rodovias e ainda dá os primeiros passos na adoção de medidas para minimizar os impactos das vias.
Corrida contra o tempo
“Está acontecendo uma desgraça total e não temos tempo nem de estudar o que ocorre”, disse à BBC Brasil Áureo Banhos, professor do departamento de biologia da Universidade Federal do Espírito Santo.
Banhos coordena um time que monitora os atropelamentos no trecho de 25 km da BR-101 que corta uma das manchas verdes mais intactas do país. É um mosaico de 500 km² (ou um terço da cidade de São Paulo) de unidades de conservação rasgado pela pista única da via.
Um exemplo do alerta do professor: das 70 espécies de morcegos identificadas na região, 47 já foram atropeladas na estrada – e uma delas era desconhecida da ciência até então. Ao todo, 165 espécies de diferentes animais perderam a vida por ali (10 anfíbios, 21 répteis, 63 aves e 71 mamíferos) – são 50 mortes por dia apenas nesse ramo da rodovia, ou 20 mil por ano.
Essa floresta integra as reservas de mata atlântica da Costa do Descobrimento, patrimônio natural da humanidade desde 1999. Por ser um raro fragmento contínuo de mata, é o último refúgio na região para várias espécies ameaçadas, como a anta, a onça-pintada, o tatu-canastra e a harpia.
Jabuti-tinga, espécie ameaçada, se arrisca na tentativa de atravessar a BR-101; perspectiva de 25 milhões de km de novas rodovias no mundo até 2050 exige ação urgente, afirmam especialistas (Foto: Leonardo Mercon/BBC)
Jabuti-tinga, espécie ameaçada, se arrisca na tentativa de atravessar a BR-101; perspectiva de 25 milhões de km de novas rodovias no mundo até 2050 exige ação urgente, afirmam especialistas (Foto: Leonardo Mercon/BBC)
O fotógrafo Leonardo Merçon, do Instituto Últimos Refúgios, fez um trabalho de registro da Reserva Biológica de Sooretama, a maior peça do mosaico verde da região. Impressionado pelos atropelamentos, acabou se engajando nas ações de conscientização para a gravidade do problema.
“Você nem precisa de dados para ver o impacto real do problema”, afirma ele. Um vídeo do instituto que registrou uma onça-parda atropelada na estrada teve mais de 1 milhão de visualizações.
Em locais como esse, a perda de um único indivíduo pode ter impacto muito grande sobre a biodiversidade. “Engenheira” dos ecossistemas, por dispersar sementes e servir de presa para grandes predadores, a anta, por exemplo, leva 13 meses na gestação (com um filhote por vez) e demora dois anos entre as concepções.
Um possível caminho para os animais cruzarem para o outro lado da via são os dutos de drenagem de água sob a pista, mas nem sempre é simples mudar os hábitos dos animais.
Pesquisador da UFES Áureo Banhos em trabalho para adaptar os dutos de água fluvial para passagem de fauna; ao alto, um morcego passa pela manilha: ao menos 47 espécies desse mamífero já foram atropeladas na rodovia
“No parque nacional Banff, no Canadá, os ursos demoraram oito anos para começar a usar esse tipo de passagem”, afirma Alex Bager, coordenador do CBEE. No caso da BR-101, apenas 15% dos animais atropelados usam as manilhas.
Ou seja, talvez seja mais fácil mudar os hábitos dos motoristas, por meio de ações como redução de velocidade, radares inteligentes que multam pela média de velocidade (e não em apenas um ponto) e placas de advertência.
A Eco-101, concessionária responsável pelo trecho da BR-101 em questão, diz que o segmento tem dois radares fixos, velocidade máxima de 60 km/h (especialistas defendem 25 km/h) e dez placas educativas. Afirma ainda promover ações de conscientização e que estuda a “ampliação dos dispositivos de segurança para os animais silvestres”.
Ausência de normas
A situação da BR-101 no Espírito Santo – que ainda enfrenta a perspectiva de duplicação até 2025 – é uma amostra aguda de um problema nacional. São mais de 15,5 mil km de estradas atravessando áreas de conservação.
Os pontos críticos estão por todo o Brasil. Um levantamento do Instituto de Pesquisas Ecológicas em três trechos de rodovias de Mato Grosso do Sul (1.161 km nas BRs 267, 262 e 163) entre abril de 2013 e março de 2014, por exemplo, localizou 1.124 carcaças de 25 espécies diferentes, como cachorro-do-mato (286 mortes), tamanduá-bandeira (136) e jaguatirica (7).
E não há normas nacionais específicas para a construção de rodovias que cortam reservas naturais. Tudo tramita como um licenciamento ambiental padrão.
O problema vem mobilizando a classe acadêmica no país. Paralelamente a um boom nos estudos em ecologia de estradas, há articulações institucionais em curso no Congresso e em órgãos ambientais.
Um fruto recente desse debate é o PL (Projeto de Lei) 466/2015, do deputado federal Ricardo Izar (PSD-SP), que busca tornar obrigatórias ações como monitoramento e sinalização em áreas “quentes” de atropelamentos, além da criação de um cadastro nacional de acidentes com animais silvestres.
Sobre essa última medida, um esforço nesse sentido já partiu da própria academia, com a criação do Sistema Urubu, uma espécie de rede social para compartilhamento e validação de informações sobre atropelamentos de animais.
No ar há um ano, a iniciativa do CBEE conta com um aplicativo gratuito pelo qual qualquer pessoa pode fotografar e enviar imagens de acidentes com animais. Os registros são enviados para uma base de dados central e são validados por especialistas cadastrados no sistema, tudo online.
Já são cerca de 15 mil usuários cadastrados e mais de 20 mil fotos enviadas. Para entrar no sistema, cada registro precisa ser validado por cinco especialistas, e ter o consenso de três deles sobre qual é a espécie em questão – são 800 “validadores” ativos na rede, cada um especializado numa classe animal.
“Muitas vezes, as pesquisas sobre o tema no Brasil são muito regionalizadas, restritas ao raio da universidade por falta de recursos. Com o sistema poderemos criar um mapa de áreas críticas de atropelamentos no país e usá-lo como política pública de conservação”, afirma Alex Bager, do CBEE.
Diante da perspectiva da fase mais explosiva de construção de estradas na história, com pelo menos 25 milhões de km de novas rodovias no mundo até 2050, especialistas defendem que essas intervenções passem, cada vez mais, por estudos de custo-benefício.
Seria um modo de evitar a proliferação de vias em regiões de alto valor ambiental mas potencial agrícola apenas modesto, como a bacia Amazônica. “Construir estradas é abrir uma caixa de Pandora de problemas ambientais, e ainda estamos na pré-história da mitigação de impactos”, afirma Banhos.
Fonte: G1

Um comentário:

INTERCEPTOR disse...

Seria interessante, além de medidas preventivas calcadas no planejamento adequado que haja também estudos sobre a capacidade de resiliência dessas populações animais, inclusive para conferir a capacidade de resposta reativa da espécie considerada e seus impactos no ecossistema local ao qual pertencem.