Masopane, África do Sul, 29/1/2014 – Em uma propriedade familiar entre as colinas de Masopane, a 40 quilômetros de Pretória, Sophie Mabhena, de 35 anos, sonha alto com seus cultivos de milho geneticamente modificado. “Este é meu sonho, e sei que estou contribuindo para a segurança alimentar na África do Sul”, disse à IPS. Porém, aumenta o debate sobre a política governamental de promover os cultivos transgênicos.
A África do Sul lançou este mês uma nova estratégia de bioeconomia, que segundo o governo impulsionará o acesso público à segurança alimentar, ao atendimento na área da saúde, a empregos e à proteção ambiental. A nova política promove associações multissetoriais e maior consciência pública sobre os benefícios da biotecnologia, incluído o uso de cultivos geneticamente modificados.
Mabhena planta milho transgênico em parte da Fazenda Onverwaght, de 385 hectares, propriedade de sua família, porque, segundo ela, com esse produto economiza por temporada US$ 218, que antes gastava no combate a pestes e ervas daninhas. “Cultivar milho reduziu meus custos com pesticidas e mão de obra, mas os principais benefícios são os bons rendimentos e a renda derivada de cultivar essa variedade melhorada”, contou. Nesta temporada ela espera colher até sete toneladas por hectare em sua propriedade.
O milho de resistência intrínseca aos insetos (Bt) é cultivado na África do Sul há 15 anos, apesar da oposição dos ativistas contra os transgênicos. Os benefícios do milho geneticamente modificado dos quais fala Mabhena não são compartilhados por Haidee Swanby, pesquisadora do Centro Africano para a Biossegurança, que está na primeira linha das campanhas contra os alimentos transgênicos na África do Sul.
Swanby afirmou que a tecnologia transgênica se ajusta a um sistema de agricultura concentrada, que exige grandes volumes baseados em economias de escala, mas que não dá meios de sustento ou alimentos saudáveis e acessíveis para os sul-africanos comuns. “Precisamos dar um passo atrás e olhar nosso sistema alimentar de modo integral e decidir qual sistema é equitativo, ambientalmente sadio e que fornece alimentos nutritivos para todos”, disse a pesquisadora à IPS.
“O sistema no qual entram os organismos geneticamente modificados não pode fazer isso. Além do fracasso tecnológico – por exemplo, para o desenvolvimento de superervas e ervas resistentes –, adotar essa tecnologia leva à concentração de poder, dinheiro e terras em mãos de pouquíssimos, e não necessariamente à segurança alimentar”, destacou.
Segundo Swanby, é uma profunda ironia os reguladores terem deixado de lado a controvertida pesquisa sobre o milho transgênico realizada pelo professor Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, na França, e, em troca, terem se baseado no que Swanby chama de “uma ciência muito escassa em matéria de detalhes e não avaliada por colegas”.
Um estudo de 2012 realizado por Séralini e sua equipe de pesquisadores vinculou o milho transgênico com o câncer. Desde então, o estudo foi desprezado por não cumprir os padrões científicos da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar, responsável por avaliar o uso e a autorização de organismos geneticamente modificados.
“Muito raramente vemos informação sobre quantos animais foram usados, durante quanto tempo, o que lhes deram para comer e exames completos dos resultados. Porque a pesquisa da Monsanto (empresa agrícola e fabricante de milho transgênico) não foi submetida ao mesmo tipo de análise que a de Séralini?”, perguntou Swanby.
Um informe do Centro Africano para a Biossegurança, intitulado África Bulliede to Grow Defective Bt Maize: The Failuer of Monsanto’a MON 810 Maize in South Africa, divulgado em outubro de 2013, estabelece que o milho Bt da Monsanto fracassou completamente na África apenas 15 anos depois de ter sido introduzido na agricultura comercial.
“Atualmente, 24% dos sul-africanos vão para a cama com fome, mas a indústria da biotecnologia habitualmente usa o rendimento como um indicador de sucesso, e isto é muito estreito e muito enganoso”, opinou Swanby. O Centro afirma que modificar genes é uma nova área da ciência cuja sustentabilidade no longo prazo é questionável, e declara que a tecnologia Bt foi adotada na África do Sul antes que as autoridades tivessem a capacidade de regulamentá-la adequadamente.
Porém, Nompumelelo Obokoh, presidente da AfricaBio, uma organização biotecnológica com sede em Pretória, disse que a Lei de Organismos Geneticamente Modificados foi aprovada em 1997, e que antes disso os cultivos transgênicos estavam regulados pela Lei de Pestes Agrícolas. “Os agricultores são empresários. Se é tão difícil ou pouco rentável cultivar milho Bt, por que quase 90% de nosso milho está baseado na biotecnologia? Se os agricultores sul-africanos viram que o milho transgênico é tão difícil de manejar, por que não se apressaram a volta às variedades de milho do passado?”, questionou.
Em 2011 e 2012 foram cultivados 2,3 milhões e 2,9 milhões de hectares, respectivamente, de transgênicos na África do Sul, tanto por produtores de pequena escala como comerciais.
“A segurança alimentar é um direito fundamental, e a biotecnologia oferece uma das muitas soluções disponíveis”, afirmou a presidente da AfricaBio. “Embora, sem dúvida, a África do Sul tenha segurança alimentar como país, ainda sofremos insegurança alimentar no âmbito das famílias, devido à carestia e à magra renda. É ali que a biotecnologia complementa e não compete com a agricultura convencional”, acrescentou.
Jeffrey Smith, ativista contra os transgênicos e diretor-executivo do Instituto para a Tecnologia Responsável, disse à IPS, por correio eletrônico, que a combinação de cultivos geneticamente modificados tolerantes a herbicidas com o próprio uso de herbicidas está em conflito com a agricultura. Também citou o desvio de dólares muito necessários para a pesquisa e o desenvolvimento de custosos transgênicos, afastando-os de tecnologias mais adequadas.
“Os defensores dos transgênicos também promoveram o mito de que a produtividade dos cultivos pode, por si só, erradicar a fome”, pontuou Smith, argumentando que nos últimos 14 anos informes importantes internacionais descrevem como a economia e a distribuição são mais importantes para solucionar esse problema.
Porém, em novembro, a Academia Africana de Ciências pediu urgência aos governos do continente para investirem fortemente em biotecnologia, declarando que as ferramentas e os produtos potencializados por este método podem ajudar a romper o ciclo da fome, da desnutrição e do subdesenvolvimento. Envolverde/IPS
(IPS)
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