Milho MON810 plantado este ano pelo agricultor Giorgio Fidenato em Tomba di Mereto. Foto: Leandro Taboga
Milho MON810 plantado este ano pelo agricultor Giorgio Fidenato em Tomba di Mereto. Foto: Leandro Taboga

Lucca, Itália, 29/5/2014 – “Quero cultivar organismos geneticamente modificados (OGM) porque quero alimentar minha família com produtos biotecnológicos. De forma alguma, quero comer alimentos biológicos porque acredito que não são saudáveis nem nutritivos”, afirmou um agricultor italiano. Giorgio Fidenato, presidente da organização Agricultores Federados, explicou à IPS o motivo de lutar contra a proibição do milho MON810, da gigante norte-americana da biotecnologia Monsanto, na Itália.
Esse tipo de milho é o único produto transgênico que é permitido no território da União Europeia (UE). A norma que regula a liberação deliberada de OGM no ambiente, a Diretriz 2001/18/EC, contém uma cláusula de salvaguarda que permite aos Estados membros proibir seu cultivo desde que tenham “razões suficientes para considerar que um OGM constitui risco para a saúde humana ou para o ambiente”.
Atualmente há 129 mil hectares, aproximadamente a superfície de Roma, cultivados com milho transgênico na Europa, 90% deles na Espanha e o restante na Eslováquia, Portugal, República Checa e Romênia.  Na Itália, três ministros – da Saúde, de Políticas Agrícolas e de Ambiente – assinaram um decreto no ano passado proibindo o milho transgênico da Monsanto.
“Há seis países na Europa que fizeram uso da cláusula de salvaguarda para proibir o cultivo de transgênicos: Alemanha, Áustria, França, Grécia, Hungria e Luxemburgo”, disse à IPS o produtor Giuseppe Croce, diretor da organização ambiental italiana Legambiente. “Por outro lado, a Itália recorreu a uma medida de emergência que só proíbe seu uso temporário”, acrescentou. O decreto ministerial tem 18 meses de validade. “Se nesse tempo nada ocorrer, no final de 2014 Fidenato poderá plantar milho transgênico”, esclareceu.
Mas Fidenato não tem intenção de esperar. Há três anos tem três hectares plantados com milho MON810, o que provoca duros protestos de organizações ambientalistas e desatou um grande debate no país. “Minha primeira colheita, em 2010, as autoridades confiscaram. Meu estabelecimento ficou sob intervenção, mas já plantei novamente este ano e me denunciei por isso”, acrescentou.
Apesar de o Tribunal Regional de Lazio, ao qual Fidenato recorreu em outubro passado, confirmar a proibição nacional, o agricultor não se rende e já apresentou outra apelação ao Conselho de Estado. “É minha oportunidade de mostrar a arrogância e a iniquidade da democracia porque aqui estamos diante da pretensão de que pela maioria não gostar dos transgênicos eu não posso comê-los. O que digo é: se não quer, não compre meus produtos”, afirmou.
Mas nem todos os agricultores veem com os mesmos olhos que Fidenato a atividade agrícola. Lucca fica na Toscana, a província italiana com maior concentração de fazendas biodinâmicas. Como a maioria delas, o estabelecimento de Gabriele Da Prato, na região montanhosa de Garfagnana, ao norte dessa cidade. produz vinho. Segundo ele, suas decisões e a dos agricultores da região determinarão o futuro do território no qual se criou.
Sua propriedade tem 3,5 hectares e ele é o único que produz cerca de 14 mil garrafas de vinho por ano. “Decidi assumir o negócio familiar em 1998, nos anos em que se usava muitos químicos, e praticar uma agricultura de subsistência”, contou à IPS. Em 2000, começou a notar que o solo de sua fazenda apresentava sinais de erosão, falta de potássio e de cálcio.
“O que mais me desagradou foi descobrir pedaços de terra que simplesmente não tinham vida por baixo. Isto é consequência de anos e anos usando químicos: fertilizantes artificiais empobreceram o solo, os herbicidas mataram toda a erva, as borboletas desapareceram, foi um desastre”, ressaltou. Foi então que tomou uma decisão radical e começou a aplicar métodos biodinâmicos, a usar apenas substâncias naturais, como adubos de origem animal, vegetal ou mineral para melhorar a qualidade do solo.
Para ele, abrir a porta aos transgênicos na Itália não tem sentido. “Primeiro, a superfície da Itália não é grande o suficiente para competir com gigantes como os Estados Unidos em matéria de transgênicos. Por outro lado, a alta qualidade, os produtos inigualáveis e nossa identidade territorial são nossos curingas”, argumentou Da Prato. Contudo, além do fator econômico, a ameaça ao ecossistema é o que mais preocupa.
Agricultor mostra pedaço de terra que “simplesmente não tem vida”. Foto: Silvia Giannelli/IPS
Agricultor mostra pedaço de terra que “simplesmente não tem vida”. Foto: Silvia Giannelli/IPS
“Em um campo cultivado com transgênicos, a água simplesmente desaparece. Meu terreno, que está saudável e cheio de vida, conserva 90% da água. No ano passado, houve uma grande inundação e agradeço ao meu vinhedo biodinâmico por minha casa permanecer intacta”, contou Da Prato. “Quando tivermos explorado o solo para engordar a bilheteria, e a terra não puder nos dar mais alimentos, então, talvez, comecemos a perguntar o que aconteceu”, ressaltou.
A batalha legal entre os dois pontos de vista não terminou. “A UE está em processo de reformar a diretriz sobre transgênicos, o que provavelmente acontecerá durante a presidência (rotativa) da Itália” (de julho a dezembro deste ano), pontuou Croce. “Considerando as atuais negociações, esperamos que a nova norma inclua uma cláusula adicional que permita aos Estados membros proibir os OGM também por razões econômicas, o que é crucial para as exportações made in Italy”, destacou.
Mas Fidenato se mantém firme em sua posição. “Quando criança costumava acompanhar minha mãe arrancando o mato com minhas próprias mãos. Sei o que significa e não voltarei a fazer isso. Outros podem continuar fazendo se quiserem, mas não eu”, enfatizou. Envolverde/IPS
(IPS)