Segundo os especialistas, cerca de 70% do corpo humano é formado por água. Ela é essencial para o transporte de alimentos, de oxigênio e de sais minerais, além de estar presente em todas as secreções (como o suor e a lágrima), no plasma sanguíneo, nas articulações, nos sistemas respiratório, digestivo e nervoso, na urina e na pele. Por isso é recomendado que um ser humano adulto tome, em média, dois litros e meio de água por dia. Para suprir a sua necessidade diária e por não confiar na qualidade da água do abastecimento público, boa parte da população recorre à água mineral.
Mas o que é uma água mineral? Qual a diferença desse tipo de água para águas comuns, provindas de lençóis freáticos? Será que o que nos é vendido realmente atende aos padrões mínimos para ser considerado água mineral? Responder a esses questionamentos é o objetivo da Pesquisa “As Águas Minerais na Região Metropolitana de Belém: diagnósticos e proposições técnicas e sociais”.
O Projeto, coordenado pelo professor Milton Matta, do Instituto de Geociências, foi motivado a partir de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), no qual o aluno Desaix Paulo Balieiro Silva propôs-se a coletar amostras de águas nas fontes de quatro das principais empresas de água mineral de Belém: Belágua, Nossa Água, Mar Doce e Indaiá, e compará-las com amostras de água tirada de garrafas comuns das mesmas marcas, compradas em supermercados, porque, assim, seria possível verificar como os processos físico-químicos se modificam depois da retirada da água, do envasamento e da venda. Para a surpresa dos pesquisadores, foi constatado que nenhuma das águas poderia ser classificada como “água mineral”, mas como uma “água potável de mesa”.
Na época da defesa do TCC, em 2005, o professor Milton Matta foi intimado a prestar depoimento no Ministério Público, acerca desse problema. O Ministério Público emitiu uma notificação dando prazo de 20 dias para que as empresas relacionadas se pronunciassem e tomou providências após ouvir as partes interessadas. Agora, o Ministério Público Federal, no Pará, formalizou o pedido de mudança nos rótulos das garrafas de água potável que estão sendo vendidas como água mineral no Estado. De acordo com o procurador federal Bruno Araújo Soares Valente, a fraude foi descoberta a partir do estudo realizado na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Ministério Público comprova irregularidades
De acordo com o Ministério Público, novas irregularidades foram encontradas em outras marcas de águas vendidas no Pará. De acordo com o Código das Águas Minerais, aprovado no ano de 1945, “para que seja considerada água mineral, ela precisa ter determinadas substâncias, em determinada quantidade, que possuam uma ação terapêutica comprovada. Isso não é constatado nessas águas”, disse Desaix Silva.
Por isso, baseado nessa pesquisa, o professor Milton Matta elaborou um projeto que visa estudar oito grandes marcas de água da Região Metropolitana de Belém, sobre diversos aspectos, tanto geológicos quanto sob o ponto de vista da engenharia sanitária, a fim de atestar vários fatores que podem estar interferindo na qualidade da água vendida como mineral.
Mas qual a diferença entre uma “água mineral” e uma “água potável de mesa”? Segundo o Artigo 1° do “Código de Águas Minerais” do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), as “águas minerais são aquelas provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas, que possuam composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns, com características que lhes confiram uma ação medicamentosa”. Já o Artigo 3° do Código diz que águas potáveis de mesa são as águas de composição normal, provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas, que preencham tão somente as condições de potabilidade para a região. Dentro desses parâmetros, as águas coletadas eram “águas potáveis de mesa”.
Essa similaridade foi facilmente identificada, pois o professor Milton Matta já tinha estudos com as águas de Belém e os resultados foram os mesmos. “Em minha tese de doutorado, em 2002, estudei as águas subterrâneas da região de Belém e de Ananindeua, e conheço-as muito bem. Então, as águas ditas minerais, das quatro marcas analisadas, apresentam, exatamente, a mesma composição que águas subterrâneas comuns de Belém. Nenhuma delas era diferente”, afirma o professor.
Potável ou mineral?
Mas qual a desvantagem de classificar o seu produto como água potável de mesa e não como água mineral? É o mercado e o apelo comercial. O professor Milton Matta comenta que as empresas preferem classificar as águas como minerais para trazer maior credibilidade e apelo comercial ao seu produto. Mas isso não é razoável, porque as pessoas, de uma maneira geral, não tomam água mineral por causa da mineralização, mas pela sua potabilidade.
Um fator que deve ser levado em conta para a classificação da água como mineral é a ação medicamentosa que essa água proporciona. E nenhuma das águas analisadas apresentava qualquer tipo de ação dessa natureza. Segundo Milton Matta, não existe nenhum problema no processo de extração, envasamento e comercialização da água, pelo menos em uma das fábricas que deu acesso aos estudantes. “Eu vi o trabalho que eles fazem lá, desde a captação até o engarrafamento. Não há nenhum problema com eles.”
O Projeto tem duração de 12 meses, e a proposta é que ele seja feito durante um ciclo hidrológico completo, com coletas de água tanto durante as estações secas, quanto durante as estações chuvosas. Para desenvolver a pesquisa, foram elaborados dez planos de trabalho, que serão executados por dez alunos, cinco de Geologia e cinco de Engenharia Sanitária. Cada aluno será orientado por um dos sete professores envolvidos no Projeto, entre eles, o próprio Milton Matta.
Assim, será possível apresentar um resultado mais abalizado com relação à qualidade das águas minerais vendidas em Belém, levando em consideração diversos parâmetros, como pH, salinidade, condutibilidade hidráulica, sódio total dissolvido, transparência, turbidez, dureza, oxigênio dissolvido, temperatura, nitrogênio, cloretos, ferro, oxigênio consumido e coliformes, critérios importantes para a comercialização e a garantia de qualidade. Dessa forma, também é possível reafirmar se as águas são realmente minerais ou não.
O Projeto das águas minerais conta com a parceria do governo do Estado do Pará, do Conselho Regional de Engenharia (CREA-PA), do Departamento Nacional de Produção Mineral, do Ministério Público, da Agência Brasileira de Água Mineral, do Congresso de Interação da Sociosfera da Amazônia, além da parceria das próprias empresas de água mineral. Dessa maneira, todos sairão ganhando: as empresas, pois ficaria comprovada a qualidade das águas comercializadas; a sociedade, que obtém informações sobre a qualidade das águas que consome e a comunidade científica, que realiza pesquisas importantes na área.
O perigo da água ácida
Outro aspecto que tem interessado o professor Milton Matta é em relação ao pH das águas minerais vendidas em Belém. Para o professor, esse é um problema importante. “Se você pegar qualquer garrafinha de água mineral, o pH varia de 3,6 a 4,2. Ora, isso é ácido. O pH tinha que ser entre 6.5 e 8.5, segundo a legislação vigente”. O pesquisador conta que, a longo prazo, o consumo frequente de uma água com característica tão ácida pode causar diversos males, como gastrite, úlcera, câncer estomacal. De acordo com o professor, essa não é uma característica somente das águas minerais, isso acontece com todas as águas da Amazônia. De uma maneira geral, as águas da região são ácidas, quer sejam de poços, de rios, quer sejam minerais. Um outro projeto que está sendo elaborado pela Faculdade de Geologia, em parceria com a área de Medicina, estudará, exatamente, os casos de doenças causadas pelas águas ácidas da Amazônia, entre outras doenças de veiculação hídrica.
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FONTE : reportagem de Yuri Rebêlo, no Jornal Beira Rio Nº 84, UFPA, publicada pelo EcoDebate, 22/07/2010
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