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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Pode a ciência que se utiliza de animais ser considerada ética? - Sérgio Greif

m sua tentativa de tornar a experimentação animal algo mais aceitável pelo público os defensores da vivissecção frequentemente recorrem a argumentos de ordem ética. Informam, por meio de sua propaganda, o quanto a ciência dos animais de laboratórios evoluiu nos últimos tempos, a ponto dos laboratórios de hoje em nada lembrarem as câmaras de tortura de outrora, que tanto proporcionaram em termos de material fotográfico para as campanhas anti-vivissecção.

A alegação, em verdade uma agressão à inteligência do público, quer fazer as pessoas crerem que os ratos de laboratório levam, atualmente, vida de reis. Cientistas graduados precisam usar de subterfúgios para convencer o público de que aquilo que eles fazem não é errado. E os argumentos são os mais pobres possíveis “Ratos de laboratório recebem ração balanceada e água limpa à vontade. É muito mais do que ratos em vida livre recebem; Ratos de laboratório vivem vidas confortáveis, em ambientes limpos, forrados com serragem e em condições de temperatura controlada.” Há ainda o argumento emotivo pseudo-racional “Se não forem usados animais serão usados o que? Você preferiria que se utilizassem crianças?”


A verdade é que a experimentação animal não é nem pode ser uma ciência com ética. Primeiramente porque, embora a experimentação animal seja praticada no contexto acadêmico, ela não pode ser defendida em termos científicos. Em segundo lugar, não há nenhuma racionalidade em argumentar que, porque animais experimentais são melhor tratados hoje do que eram 10, 20, 30 anos atrás, hoje eles recebem tratamento ético.

Diferente da ética envolvendo a experimentação com seres humanos, animais vivos jamais se oferecem para participar de experimentos. Animais não podem se candidatar a participar de experimentos, eles não podem ser informados em relação aos riscos envolvidos nem podem desistir de participar da pesquisa a qualquer tempo. Pelo contrário, sua participação é forçada e invariavelmente resulta em prejuízos para o animal, senão durante os procedimentos, ao fim, com sua morte.

Em uma comparação com seres humanos, animais de laboratório são tão vitimas quanto o foram as vitimas dos experimentos nazistas, ou das pesquisas sobre sífilis envolvendo negros americanos, ou qualquer outro experimento que utilizou seres humanos sem considerar seus interesses individuais.

A ética que aplicamos aos animais não pode ser diferente da ética que aplicamos aos seres humanos. Caso possuamos uma ética distinta para lidarmos com seres com sentimentos semelhantes estaremos incorrendo em discriminação. Nazistas certamente sabiam que suas cobaias tinham sentimentos e interesses particulares, mas eles ignoravam seus direitos mais básicos com base em uma auto-atribuída noção de superioridade. O mesmo em relação a doutores brancos que utilizaram como cobaias negros.

Todo o problema se encontra na noção de que o outro (o negro, o cigano, o judeu, a mulher, o animal), embora tenha sentimentos e interesses particulares, goza de menos direito simplesmente por ser considerado (por parâmetros nada racionais) inferior. Nesse caso a ética aplicada a seres superiores não parece fazer sentido quando aplicada a seres inferiores.

Todo organismo senciente tem interesses, e independente de quais sejam os interesses individuais particulares de cada espécie, todas partilham um interesse comum que é o de fugir ao sofrimento e à morte e buscar uma sobrevivência compatível com sua natureza.

O confinamento de animais ou sua utilização para finalidades distintas daquelas para as quais o animal naturalmente se desenvolveu, sua submissão, seu subjugo, a aplicação de qualquer ação prejudicial ao indivíduo que seja, vão de encontro aos interesses desse animal enquanto indivíduo.

Nenhum defensor da experimentação animal ousa afirmar que animais não sentem nem tem seus próprios interesses. Pelo contrário, eles reconhecem que animais sentem, mas que esses sentimentos podem ser negligenciados em favor do bem de um ser superior, no caso, o ser humano. Pois não é esse mesmo raciocínio, o da crença da superioridade de um grupo perante outro grupo, que leva muitas vezes à negligência dos direitos humanos?

Portanto para a pergunta: “Pode a experimentação animal ser considerada ética?” a resposta é obviamente não, pois o único caso em que ela poderia ser considerada ética (se animais pudessem entender os propósitos do experimento, conhecer os riscos envolvidos, pudessem assinalar a vontade de participar e pudessem desistir do experimento a qualquer momento) é impossível de ocorrer.

Quando tratamos de seres humanos como cobaias involuntárias, os argumentos utilitaristas de “prováveis benefícios” não tem lugar. Não nos interessa que poucos precisaram ser sacrificados para o benefício de muitos, pois a utilização de cobaias involuntárias contraria direitos individuais.

O questionamento em relação à ética que envolve a experimentação animal está acima de qualquer questionamento em relação à adequação da metodologia ou em relação à finalidade do experimento. Da mesma forma que em relação à pesquisa ética envolvendo seres humanos, ela é muito anterior e mais urgente.
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FONTE : Sérgio Greif, Biólogo, mestre em Alimentos e Nutrição, membro fundador da Sociedade Vegana, autor de livros, artigos e ensaios referentes à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao uso de animais na pesquisa e na educação, à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano e aos direitos animais, entre outros temas. (Colaboração do Grupo Sentiens para o EcoDebate, 05/07/2010)

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