Pesquisa apresentada em Natal revela a gigantesca biodiversidade guardada nas águas oceânicas, conhecidas como "Amazônia Azul".
A química de produtos naturais extraídos do mar é recente em todo o planeta. Iniciada na década de 1960, essa área de investigação começa agora a despontar no Brasil, país que guarda gigantesca biodiversidade em suas águas oceânicas, a ponto de receberem o apelido de “Amazônia azul”.
Foi o que apresentou Vanderlan da Silva Bolzani, professora titular do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da coordenação do Projeto Biota-FAPESP, em conferência na 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que está sendo realizada em Natal (RN) e segue até sexta-feira (30/7).
Segundo ela, a pesquisa de substâncias químicas oriundas do mar apresenta defasagem em relação à bioprospecção de elementos retirados de biomas terrestres.
Iniciada na década de 1960, a química de produtos naturais marinhos começou a isolar metabólitos secundários na década seguinte, diversificando as substâncias extraídas com o aprimoramento de tecnologias.
Para Vanderlan, o Brasil começa somente agora a formar uma quantidade de pesquisadores mínima para começar a responder à demanda nacional do setor. “Novas gerações de cientistas vêm expandindo as áreas de pesquisa e incluindo o mar”, observou.
Isso é importante, segundo ela, porque o país está muito atrás nesse conhecimento com relação a Japão, Estados Unidos, Chile, Canadá e Itália. Em um levantamento publicado por John Blunt, da Universidade Canterbury, na Nova Zelândia, o Brasil nem sequer aparece entre os países que apresentam atividades de pesquisa marinha.
“O número de pesquisadores é tão pequeno que desapareceu quando ele aplicou o desvio padrão. É como se não participássemos da pesquisa de marinhos do mundo”, disse Vanderlan.
A pesquisadora defende a abertura de oportunidades e de incentivos para que novos talentos ingressem nessa área de pesquisa. “Após dez anos de programa, nós do Biota-FAPESP percebemos que não bastava fazer renascer o verde. Precisamos também salvar o azul dos oceanos”, afirmou.
Por conta dessa deficiência, o programa lançou chamada de propostas, que anunciou os projetos apoiados na semana passada. A chamada busca promover o avanço do conhecimento em áreas relacionadas à biodiversidade do ambiente marinho.
“A SBPC foi muito feliz ao pensar no mar logo após a reunião [do ano passado] que tratou da Amazônia, pois são patrimônios importantes para o país que devem ser preservados”, afirmou.
“Além do conhecimento, a ciência poderia trazer desenvolvimento econômico e social tanto para a população amazônica como para aquelas que habitam o litoral brasileiro. Na reunião de Manaus, afirmei que o extrativismo não havia levado riqueza à Amazônia, mas a pesquisa em moléculas de alto valor agregado poderia cumprir essa função. O mesmo pode ocorrer com o mar”, disse.
O Brasil teria vocação, segundo Vanderlan, para avançar ainda mais longe no mar e participar do grupo de países que começam a explorar os ambientes marinhos extremos, marcados por condições severas de temperatura, pressão e outros fatores.
“A química encontrada nesses ambientes é diferenciada e muito mais diversificada, pois a natureza é obrigada a responder quimicamente aos imensos estresses impostos pelo ambiente”, disse, enquanto apresentava o mapa mundial dos chamados hot spots oceânicos desses extremos.
Entre as conquistas da química vinda do mar, a professora da Unesp salientou um peptídeo extraído do caramujo marinho Conus magus, que deu origem ao medicamento Prialt, considerado uma alternativa à morfina, analgésico utilizado há cerca de dois séculos no tratamento de dores crônicas.
Preservar o azul
Como os biomas terrestres, os marinhos também precisam ser explorados de maneira sustentável para que não sejam degradados. Vanderlan comparou o mar brasileiro ao Cerrado, bioma em boa parte degradado antes que a ciência descobrisse sua complexidade molecular.
O desenvolvimento da ecologia marinha, a criação de redes colaborativas internacionais, a aproximação com o setor industrial e a realização de encontros entre especialistas foram algumas sugestões da cientista para a consolidação do conhecimento dos mares.
A instalação de centros de pesquisa ao longo da costa brasileira também seria importante, segundo Vanderlan, para que fossem contempladas as diferentes características do mar do Brasil.
“Realizamos reuniões de altíssimo nível em São Paulo que podem ajudar muito, especialmente para aumentar os contatos entre pesquisadores”, disse, convidando os interessados para o primeiro Workshop de Biologia Marinha do Biota-FAPESP, que será realizado nos dias 9 e 10 de setembro na sede da Fundação.
As reuniões e as redes internacionais são, segundo Vanderlan, excelentes auxílios na formação de recursos humanos em ciências marinhas. Segundo ela, a investigação sobre o mar beneficiará o país não somente por gerar novos produtos químicos, mas também porque irá aumentar o conhecimento básico sobre o mar, que ainda é pequeno.
“A química de produtos naturais brasileiros ainda é tradicional e conservadora, precisamos pesquisar novos ambientes e o mar é um excelente laboratório”, destacou.
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FONTE : Fabio Reynol, de Natal (RN), da Agência FAPESP (EcoAgência).
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