Uma das razões mais frequentemente apontadas como causa das dificuldades para discutir as chamadas questões ambientais estaria na ausência de informações concretas sobre danos ambientais, que evidenciem em números os prejuízos provocados por esta ou aquela ação e demonstrem a superioridade de propostas alternativas mais adequadas. Mesmo quando estas existem, faz-se de conta que não.
Um exemplo: o economista Robert Constanza, coordenando um grupo de 13 outros estudiosos, demonstrou, na Universidade da Califórnia, já há uns 20 anos, que os serviços prestados gratuitamente pela biodiversidade e pelos ecossistemas, se tivessem de ser substituídos por ações e/ou produtos humanos, teriam um valor três vezes maior do que todo o produto bruto mundial em um ano. O estudo respondia a questões como estas: quanto vale a fertilidade natural dos solos, se tiver de ser substituída por insumos químicos? Quanto valem os serviços prestados pelos recursos hídricos? E a regulação natural do clima? Mas os valores encontrados não são considerados na prática.
Por isso precisa ser visto com atenção estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), sobre Pagamento de Serviços Ambientais Urbanos para Gestão de Resíduos Sólidos. É um passo importante, porque pode levar a avanços fundamentais nas políticas públicas na área do lixo, ao demonstrar com números o gigantesco desperdício implícito nas atuais práticas de depositar quase todos os resíduos em aterros ou lixões. E que o caminho do desperdício poderia ser substituído por políticas que fortaleçam cooperativas de catadores de lixo e permitam a geração de trabalho e renda.
O primeiro cálculo do Ipea é que a substituição da deposição em aterros pela reciclagem permitiria um ganho de R$ 8 bilhões por ano, que pode ser ainda maior se as estatísticas incluíssem os resíduos totais produzidos no País (dados do IBGE em 2002 mencionam 220 mil toneladas diárias coletadas no País); e se forem incluídos no estudo valores referentes a outros materiais, já que o Ipea considerou o aço, o alumínio, o papel (celulose), o plástico e o vidro; e ainda se houvesse sido possível calcular, como o próprio Ipea assinala, os custos da contaminação hídrica por lixões, da poluição da atmosfera (por gases), dos resíduos industriais. De qualquer forma, R$ 8 bilhões significam quase três vezes o orçamento anual do Ministério do Meio Ambiente em 2007, lembra o estudo.
O avanço da reciclagem permitiria também ganhos substanciais para as prefeituras, ao reduzir suas despesas com o pagamento da coleta do lixo, que, nos municípios analisados pelo Ipea, com 153 milhões de habitantes, chega hoje ao custo médio de R$ 80 por tonelada (quase R$ 2 milhões diários se for estendido a todo o País). Já o custo da coleta seletiva em 12 municípios foi calculado em R$ 215 por tonelada ? mas inclui desde a coleta seletiva de porta em porta até a entrega voluntária em postos públicos. E a deposição do lixo em aterros e lixões tem custo médio de R$ 22,64 por tonelada.
O estudo avalia ainda os ganhos possíveis comparando os custos de produção de certos itens quando utilizada matéria-prima virgem e quando ela se compõe de insumos reciclados. No caso do aço, por exemplo, o ganho por tonelada com matéria-prima reciclada é de R$ 88; no alumínio, R$ 2.941; na celulose, R$ 241; no plástico, R$ 1.167; e no vidro, R$ 18 ? já adicionados os valores dos ganhos ambientais.
No caso dos ganhos ambientais proporcionados pela reciclagem, há informações importantes sobre o custo de danos gerados na produção de energia, entre eles a perda de produtos madeireiros e outros na área inundada pelas barragens, o aumento da erosão do solo no entorno dos reservatórios, a redução da disponibilidade recursos minerais nessas áreas, a perda do potencial de desenvolvimento de drogas a partir de ervas medicinais, a perda da biodiversidade o aumento da emissão de carbono. E o ganho na redução do consumo de energia com a substituição da matéria-prima por recicláveis varia ? é de R$ 26,37 por tonelada no aço, R$ 168,86 no alumínio, R$ 9,72 na celulose, R$ 5,16 no plástico e R$ 3,18 no vidro. O ganho com a redução na emissão de gases fica entre R$ 169,77 por tonelada no alumínio, R$ 51,13 no plástico e R$ 48,12 no aço. Na redução do consumo de água o ganho chega a R$ 0,32 por tonelada na celulose, R$ ,025 no alumínio e R$ 0,11 no aço.
Permite ainda o estudo avaliar a geração de lixo no País pela dimensão dos municípios: nos grandes (mais de 1 milhão de habitantes), cada habitante produz em média 1,15 quilo de lixo por dia; nos médios, 0,84 quilo; e nos pequenos, 0,74 ? com a média de 0,88 quilo por pessoa/dia. Mas a coleta seletiva representa apenas 2,4% do total. Uma das consequências é que, na média, 25,5% do lixo total vai para vazadouros e lixões e 19,6%, para aterros “controlados”. Os aterros sanitários recebem 54,9% do lixo dos municípios analisados. Mesmo com a pequena parcela de resíduos destinados à reciclagem, esta gera um benefício total de R$ 1,36 bilhão.
Todas essas informações são decisivas para orientar uma política em relação a resíduos sólidos. Primeiro, porque evidenciam os ganhos econômicos com a reciclagem ? que evita o desperdício de materiais e energia e deve ser o primeiro objetivo de uma boa política no setor. Segundo, porque deixa claras as vantagens de associar tal política ao estímulo à geração de trabalho e renda por meio de cooperativas de catadores. Além disso, posturas corretas em relação à reciclagem podem evitar duas tendências muito questionáveis, como a de destinar o lixo a aterros cada vez mais distantes e a preços altíssimos, bem como avançar com a incineração, que implica desperdício de materiais, a custos altíssimos.
O estudo do Ipea precisa agora avançar em outras questões relevantes e servir de base para novas políticas no setor.
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FONTE : Washington Novaes,Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo. (EcoDebate, 31/05/2010)
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