A construção do complexo hidrelétrico do Rio Madeira, em Porto Velho, no estado de Rôndonia, é o tema da entrevista com o jornalista do Fórum dos Carajás Mayron Régis. A entrevista foi concedida, por telefone, à IHU On-Line, Mayron destaca como as hidrelétricas irão comprometer a biodiversidade da fauna aquática da região e como isto pode afetar a população que depende do rio onde serão construídas as barragens. “Os impactos não acabam quando a hidrelétrica for construída, eles vão permanecer por um bom tempo. Imagine como vai estar a população de bagres na bacia do rio Madeira daqui a 10 ou 20 anos. Como estará a população que vive da pesca do bagre? Temos que começar a calcular isso”, aponta.
Mayron fala ainda sobre as iniciativas do governo para a solução do caso. “O governo constrói as barragens, perde a biodiversidade, mas qual é a compensação em relação a isso? Eles vão fazer criatórios de espécies exóticas, mas não temos nenhuma informação de que isso irá compensar os impactos com relação às espécies”, diz.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são os custos da construção de barragens para a fauna aquática?
Mayron Régis – Acho que não é possível calcular. Desde que o Brasil começou a construir barragens, tanto para o fornecimento de energia elétrica como para a retenção de água, as empresas não contemplaram os impactos com relação à fauna aquática. Na verdade, este tema é meio melindroso, tanto para o setor de energia elétrica quanto para o de construção.
IHU On-Line – É possível saber o que se perde com a contrução da barragem?
Mayron Régis – Vou falar um pouco da bacia do rio Tocantins, que é a bacia que pega vários estados do Brasil, como Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Pará, Maranhão, Distrito Federal. A primeira barragem construída nesta bacia foi a de Tucuruí. Até hoje, os impactos de Tucuruí são sentidos, principalmente com relação à perda da diversidade e também à perda da quantidade da fauna aquática. Depois de Tucuruí foram construídas mais tantas outras barragens, como Serra da Mesa, Canabrava, Peixe Angical, e agora Estreito e São Salvador. Com isso, dá para imaginar que o impacto na fauna aquática, na segurança alimentar das comidas ribeirinhas e das pessoas que moram na cidade. O impacto foi considerável e se fosse feita uma ação contra o Estado por conta dessas perdas, ela iria custar muito caro aos cofres públicos.
IHU On-Line – Estes custos estão previstos no projeto de construção do Complexo do rio Madeira?
Mayron Régis – Não estão e não vão estar. Noticiaram, recentemente, que foi feito um termo de ajustamento de conduta entre o Ministério Público Federal e Estadual e o consórcio responsável pela hidrelétrica de Santo Antônio. Ao todo, parece que o consórcio iria criar 150 mil peixes e repovoar o rio Madeira por conta das perdas que houveram na construção de ensecadeira. Ainda assim, a questão dos custos ainda é um assunto muito delicado e do qual as pessoas têm pouca informação. Houve o impacto, houve a morte dos peixes, mas, neste tempo que transcorreu, entre a perda e agora, não sabemos como anda a biodiversidade.
Provavelmente quando esses peixes forem restituídos ao rio Madeira, eles estarão disputando espaço com peixes bem maiores, que já estão lá há um bom tempo. Boa parte desses 150 mil peixes não irá resistir. É preciso, e isso já tenho visto há tempos, que façamos uma discussão aprofundada sobre os impactos das hidrelétricas nos recursos pesqueiros, porque isso incide diretamente na vida das pessoas. O governo constrói as barragens, perde a biodiversidade, mas qual é a compensação em relação a isso? Eles vão fazer criatórios de espécies exóticas, mas com relação ao bagres, ao tucunaré, que são os peixes que sobem todo o percurso do rio para cima, terão os impactos mais direcionados. Não temos nenhuma informação do que o governo pode fazer realmente para compensar os impactos com relação a essas espécies.
IHU On-Line – No projeto do Rio Madeira está previsto algum tipo de prejuízo?
Mayron Régis – Claro. Há vários tipos de prejuízo. Falamos da fauna aquática, mas também há a perda das áreas de floresta, e, com isso, também os grandes mamíferos perderão espaço. Há também a questão do gado. Aliás, podemos fazer uma relação interessante entre o gado e o peixe. Geralmente, com a construção de grandes barragens, como a de Tucuruí, acontece o desmatamento para a pecuária. O governo acaba fazendo uma associação meio canalha. Desmatamos, construímos barragens, vem um pecuarista e desmata a floresta para plantar capim para o gado. Essa carne será exportada, mas também irá alimentar a população. Porém, boa parte dessa população, vivia do consumo de pescado. A população da região do Vale do Rio Tocantins consumia pescado há até pouco tempo, mas, por conta dessas construções de barragens, isso está mudando. Os hábitos alimentares da população do centro-oeste, do norte e de parte do nordeste está mudando.
Aí surgem outras discusões. Vamos continuar investindo em gado para destruir a floresta? Ou revemos isso e investimos em políticas voltadas para a criação de peixes nativos? Essa é uma discussão que está por trás da construção das barragens. Tem algo que nunca foi dito: há uns dois anos, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) fez uma audiência pública em São Luís sobre a bacia do rio Tocantins e a avaliação ambiental integrada. Essa audiência só houve por conta de um pedido que fizemos, se não a EPE não viria até aqui. O que ficou claro é que o setor energético quer, desde o alto Tocantins até o baixo, encher de barragens os rios Tocantins e Araguaia e seus afluentes. Se realmente esse intento da EPE e do governo federal for concretizado, a biodiversidade do Rio Tocantins vai deixar de existir. Com isso, também vão deixar de existir o pescado e o extrativismo de frutas. Irá haver uma grande pressão para gado e soja e para outras monoculturas. Só que o governo federal não falam sobre isso, eles só dizem que é importante a geração de energia. O problema é que, para ele, é a geração de energia a qualquer custo que está em jogo. O custo ambiental, por trás das construções das barragens, nunca é informado.
IHU On-Line – Para quem vive do rio, o que a construção das hidrelétricas representa?
Mayron Régis – Acho que representa uma intervenção quase genocida, um massacre. Uma pessoa que sempre devemos relembrar é Glenn Switkes. Ele escreveu há uns anos um artigo em que falava que o que estava sendo promovido na bacia do rio Tocantins, e isso pode ser colocado em relação a outras bacias hidrográficas no Brasil, era um massacre biológico. O que essas barragens representam para as comunidades é uma intervenção genocida por parte dos nossos governos. Atualmente, estão acontecendo as audiências públicas sobre as barragens no rio Parnaíba. São, ao todo, cerca de cinco barragens que pegam tanto Maranhão como Piauí. As informações que temos sobre os estudos de impactos ambientais nestas barragens é que são bastante frouxos em relação à caracterização da área de influência, tanto direta quanto indireta.
Criticamos muito isso em relação às bacias amazônicas. As bacias dos rios do serrado, intrinsecamente, também não fogem à regra. Quando pegamos os estudos sobre a bacia do rio Parnaíba, não conseguimos discernir, exatamente, que bacia é aquela, qual é o bioma, de que espécies são os peixes, que outros animais vivem naquela região e quais são as características sociais, ambientais e econômicas com as quais as comunidades convivem. Na verdade, os estudos de impacto ambiental fazem o possível para fazer uma cortina de fumaça em relação aos impactos ambientais, sociais e econômicos dessas populações que vivem ao redor dos rios. Isso porque, quanto menos parecer que existe gente vivendo em torno desses rios, menos as empresas e o governo federal se responsabilizam por quaisquer impactos que virão mais tarde.
IHU On-Line – Que tipos de peixes serão atingidos pelas obras?
Mayron Régis – O principal peixe da bacia do Rio Madeira é o bagre. Como é um peixe que percorre quilômetros para desovar e para fazer a piracema, imagine o percurso que ele faz, desde o baixo rio Madeira, na confluência com o rio Amazonas, até a Bolívia. Pense em quantas pessoas vivem da pesca do Bagre e de outros peixes também. Não podemos esquecer que, no epicentro do licenciamento das barragens do rio Madeira, a equipe responsável pela análise do estudo colocou que as barragens iriam afetar muito a pesca do bagre e a vida da fauna aquática.
Com isso, vemos que esse tema da fauna aquática é um tema delicado. Esses impactos não acabam quando a hidrelétrica for construída, eles vão permanecer por um bom tempo. Imagine como vai estar a população de bagres na bacia do rio Madeira daqui a 10 ou 20 anos. Como estará a população que vive da pesca do bagre? Temos que começar a calcular isso. Ainda não começamos a fazer esse cálculo dos custos.
IHU On-Line – Qual a atual situação do bioma aquático do rio Madeira?
Mayron Régis – Atualmente, já existem impactos considerados irreversíveis, como se tem a questão do termo de ajustamento de conduta entre o MP Federal e o consórcio. O consórcio é responsável pelo monitoramento durante a construção dessas populações de peixes. Não sabemos, no entanto, que informações eles escolheram durante esse tempo de construção das barragens.
Também não temos notícias sobre como estão as áreas de floresta ao longo do rio e a pressão para abrir para a pecuária e para outras coisas, nem da parte do consórcio, nem do IBAMA e do Instituto Chico Mendes, órgãos responsáveis pelo meio ambiente. Essa é uma questão que devemos começar a cobrar. A água, como artigo fundamental para nossa sobrevivência, vai se acentuar ainda mais por conta das mudanças climáticas. Por isso, devemos ter informações constantes e verídicas sobre como está a situação dos recursos hídricos. Isso, nosso governo e as empresas ainda não fazem, mas terão que começar a fazer. A sociedade civil terá que cobrar.
IHU On-Line – Como o senhor define a situação da região que o rio Madeira abrange?
Mayron Régis – Estive em Altamira, em 2005, e, em Porto Velho, em 2006, para o encontro do grupo de trabalho de energia. A leitura que fiz, em termos gerais, é que são duas regiões que estão sendo pressionadas e ambicionadas pelo capital. Só que, nessas regiões, há populações de pessoas que saíram do sul e sudeste do nordeste brasileiro para viver dos recursos naturais. Quando começar a construção de Belo Monte, por exemplo, e vierem muitas pessoas de fora, os recursos naturais irão se esgotar, como o pescado e as frutas. Por isso, deveriam haver áreas, e isso é a fala do professor Oswaldo Sevá, em que só a beleza cênica valeria para se tornarem intocáveis para o capital, como é o caso da Volta Grande no rio Xingú. Só o fato da beleza ser impressionante, deveria valer para para que ela não fosse atingida pelo capital. Isso sabemos que é pedir muito, o capital não está nem aí para nada. Já existem pressões de todos lados para fornecimentos de máquinas para a construção de Belo Monte.
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FONTE : (Envolverde/IHU-OnLine)
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