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segunda-feira, 15 de março de 2010

Ataque à ciência do clima - Jeffrey D. Sachs

Nas semanas antes e depois da conferência sobre mudanças climáticas em Copenhague, em dezembro passado, a ciência das mudanças climáticas sofreu forte ataque de críticos que afirmam que os cientistas do clima suprimiram deliberadamente provas – e que a própria ciência é extremamente falha.

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), grupo internacional de especialistas encarregado de avaliar o estado da ciência do clima, foi acusado de tendencioso.

A opinião pública mundial está desconcertada com esses ataques. Se não há acordo entre os especialistas sobre uma crise climática, por que governos gastam bilhões de dólares para atacá-la?

O fato é que os críticos – que são em pequeno número, mas agressivos em seus ataques – estão implementando táticas que vêm aperfeiçoando há mais de 25 anos. Durante sua longa campanha, eles têm exagerado, e muito, as divergências científicas para que cessem as ações que visam enfrentar as mudanças climáticas – e grupos de interesses especiais, como a Exxon Mobil, têm pago essa conta.

Muitos livros recentemente documentaram os truques praticados pelos que negam as mudanças no clima. “Merchants of Doubt” (“Mercadores da dúvida”), novo livro de Naomi Oreskes e Erik Conway, com lançamento previsto para meados deste ano, será um relato confiável do mau comportamento dos críticos.

Os autores mostram que o mesmo grupo de trapaceiros, ocupando uma plataforma proporcionada pelos ideólogos do livre mercado na página de editoriais do “Wall Street Journal”, vem tentando sistematicamente confundir o público e desacreditar os cientistas cujas ideias estão ajudando a salvar o mundo do dano involuntário ao ambiente.

Os atuais ativistas contra ações de enfrentamento às mudanças climáticas são, em muitos casos, apoiados pelos mesmos grupos de pressão, indivíduos e organizações que tomaram partido da indústria de cigarros, empenhados em desacreditar as evidências científicas entre fumar e câncer de pulmão.

Mais tarde, negaram as evidências científicas de que os óxidos de enxofre resultantes da queima do carvão em usinas de eletricidade estavam causando “chuvas ácidas”. Então, quando se descobriu que certas substâncias químicas chamadas clorofluorcarbonetos (CFCs) eram causa de redução do ozônio na atmosfera, os mesmos grupos também lançaram uma campanha nefasta para desacreditar essas evidências científicas.

Mais tarde esse grupo defendeu as gigantes do tabaco contra acusações de que o fumo passivo causa câncer e outras doenças. E então, a partir da década de 1980, esse mesmo grupo passou a combater a luta contra as alterações climáticas.

O que surpreende é que, embora esses ataques à ciência tenham se revelado errados por 30 anos, continuam a semear dúvidas. A verdade é que existem grandes interesses econômicos apoiando os que negam as mudanças climáticas, sejam empresas que não querem pagar os custos adicionais da regulamentação ou ideólogos do livre mercado que se opõem a quaisquer controles governamentais.

A mais recente rodada de ataques envolve dois episódios. O primeiro foi a invasão, por hackers, de um centro de pesquisa de mudanças climáticas na Inglaterra. E-mails roubados sugerem falta de transparência na apresentação de alguns dados sobre o clima. Quaisquer que sejam os detalhes nesse caso específico, os estudos em questão representam uma ínfima parte da esmagadora evidência científica que aponta para a realidade e urgência das mudanças climáticas resultantes da ação humana.

A segunda questão foi um erro gritante sobre as geleiras contido em importante relatório do IPCC. Nesse caso, é preciso compreender que o IPCC publica milhares de páginas de texto. Há, sem dúvida, erros nessas páginas. Mas os erros contidos em um relatório vasto e complexo do IPCC apontam para a inevitabilidade de falhas humanas, e não para algum defeito fundamental na ciência do clima.

Quando os e-mails e o erro do IPCC foram trazidos à luz, os redatores dos editoriais do “The Wall Street Journal” lançaram uma campanha odiosa descrevendo a ciência do clima como embuste e conspiração. Eles afirmaram que os cientistas estavam fabricando provas para obter financiamento governamental para pesquisas – uma acusação absurda, pensei, na ocasião, pois os cientistas sob ataque dedicaram suas vidas à busca da verdade, e certamente não ficaram ricos, em comparação com seus pares que atuam nos mundos financeiro e empresarial.

Mas, depois, lembrei-me que essa linha de ataque – acusações de conspiração científica com objetivo de criar “negócios” para cientistas-foi praticamente idêntica à utilizada pelo “The Wall Street Journal” e outros, no passado, quando combateram controles sobre o tabaco, chuva ácida, destruição do ozônio, fumo passivo e outros poluentes perigosos. Em outras palavras, seus argumentos eram sistemáticos e casuísticos, inteiramente desvinculados das circunstâncias.

Estamos testemunhando um processo previsível desfechado por ideólogos, institutos de análises e publicações de direita visando desacreditar o processo científico. Seus argumentos vêm sendo repetidamente refutados há 30 anos, mas seus métodos agressivos de propaganda pública conseguem causar atrasos e confusão.

Os argumentos científicos que sustentam a tese de estarem em curso mudanças climáticas resultam de uma atividade intelectual extraordinária. Grandes mentes científicas aprenderam, ao longo de muitas décadas, a “ler” a história da Terra para compreender como funciona o sistema climático. Esses cientistas empregaram brilhantes recursos da física, da biologia e de instrumentação (como leituras de satélites contendo características detalhadas dos sistemas da Terra), a fim de avançar a nossa compreensão.

E a mensagem é clara: a utilização de petróleo, carvão e gás em larga escala está ameaçando os sistemas biológicos e químicos do planeta. Estamos criando mudanças perigosas no clima da Terra e nos processos químicos nos oceanos, dando origem a tempestades, secas e outros perigos radicais que comprometerão a oferta de alimentos e a qualidade de vida no planeta.

O IPCC e os cientistas estão nos transmitindo uma mensagem crucial. Com urgência, precisamos transformar nossos sistemas de energia, transporte, alimentação, industriais e de construção para reduzir o perigoso impacto humano sobre o clima. É nossa responsabilidade ouvir, compreender a mensagem, e então agir.
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FONTE : Jeffrey D. Sachs é professor de economia e diretor do Instituto Terra, da Universidade de Columbia. Também é assessor especial do secretário-geral para o Desenvolvimento do Milénio. (Artigo originalmente publicado no Valor Econômico).
EcoDebate, 14/03/2010

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